Apenas 30% dos acordos colectivos de trabalho caducaram durante a crise

O tema será discutido em breve na concertação social, mas sindicatos e patrões têm posições muito diferentes.

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Sindicatos defendem que a caducidade retira direitos aos trabalhadores João Gaspar

A caducidade das convenções colectivas é um dos temas fracturantes na relação entre associações patronais e sindicatos. As primeiras defendem que este mecanismo contribui de forma decisiva para “modernizar” o conteúdo das convenções, enquanto os segundos olham para a caducidade como uma tentativa de retirar direitos aos trabalhadores. Entre as razões de uns e de outros, os números mostram que nos últimos quatro anos e meio apenas 13 instrumentos de regulamentação colectiva caducaram, um pouco mais de 30% de todos os pedidos que chegaram ao Ministério do Trabalho.

Entre 2012 e 2016, a Direcção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho (DGERT) recebeu 42 pedidos para publicação de avisos de caducidade, mas apenas 13 tiveram luz verde. Os restantes foram indeferidos (sete) ou estão em análise (22).

De acordo com os dados disponibilizados ao PÚBLICO pela DGERT, entre as convenções que caducaram estão dez acordos de empresa e três contratos colectivos, abrangendo o sector dos transportes rodoviários, das telecomunicações, da indústria de carnes, da saúde, do ensino particular e da Petrogal. Não foi revelado o número de trabalhadores que abrangiam.

Seis das convenções que caducaram são da CGTP e João Torres, o dirigente desta central sindical responsável por acompanhar o tema da contratação colectiva, diz que na maior parte dos casos os trabalhadores acabaram por perder direitos.

Esta análise é partilhada por Sérgio Monte, da UGT. O responsável pela negociação colectiva lembra que os trabalhadores que representa acabaram por ser integrados noutras convenções existentes naquelas empresas ou sectores, “embora essas sejam menos favoráveis” do que as que caducaram.

Tendo em conta os números da DGERT, do total de contratos colectivos que caducaram de 2012 em diante, nenhum deu origem a uma nova convenção. Na verdade, e de acordo com a mesma fonte, apenas há registo de dois novos contratos colectivos celebrados na sequência da caducidade, mas dizem respeito a avisos publicados em 2009. Um deles é o da indústria metalúrgica (publicado em 2009) e o outro da distribuição de produtos alimentares (publicado em 2015).

A estes números oficiais, João Torres contrapõe com outros que estão ser compilados pelo Centro de Relações Laborais (um organismo tripartido que é presidido por João Proença), mas que abrangem um período de tempo mais lato. Entre 2005 (ano em que pela primeira vez se sentiram os efeitos do Código do Trabalho de Bagão Félix) e 2015, a DGERT terá recebido 75 pedidos de publicação de avisos, dos quais 41 foram deferidos (mais de metade), 32 indeferidos e dois extintos por desistência dos promotores. A grande parte dos avisos recebeu luz verde no período entre 2009 e 2015, período que coincide com duas revisões do Código do Trabalho que alteraram os prazos de caducidade, nota o dirigente.

O tema será discutido em breve na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS). Em meados de Maio, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, deixou claro que retirar a caducidade do Código de Trabalho está fora de questão, mas avisou que este “deve ser um instrumento de excepção para resolver impasses”. “É diferente usar o instrumento para contratos que estão imóveis há muitos anos e aplicá-lo como instrumento normal de negociação”, precisou em resposta ao repto do PCP e do BE.

Posições inconciliáveis

Também os patrões não estão disponíveis para que a norma deixe de existir. “A caducidade contribui fortemente para valorizar e modernizar o conteúdo das convenções colectivas”, diz ao PÚBLICO Gregório Rocha Novo, um dos dirigentes da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) que acompanha o tema há vários anos. E dá como exemplos a organização dos tempos de trabalho ou a mobilidade dos trabalhadores. Sem desvendar as propostas da CIP, Rocha Novo apenas diz que a posição oficial é que o tema tem de ser discutido em sede de CPCS.

Já a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) defende que “o actual quadro normativo é adequado”. João Vieira Lopes, presidente da confederação, garante que só em situações extremas os sectores que representa têm recorrido à caducidade.

Quanto aos efeitos desta figura na dinamização da negociação colectiva, Vieira Lopes reconhece que, “em alguns casos, ajudou a desbloquear os impasses, mas não é o principal instrumento de dinamização”.

“O verdadeiro instrumento é a vontade das partes e a experiência que temos é que da parte sindical há normalmente uma aceitação da negociação das tabelas salariais e maior resistência na negociação de cláusulas relacionadas com a organização do tempo de trabalho ou com o pagamento do trabalho extraordinário”, exemplifica.

A CGTP faz uma análise completamente diferente do problema. João Torres não tem qualquer dúvida: desde que foi introduzida a cláusula da caducidade, a pressão para retirar direitos adquiridos aos trabalhadores tem sido muita. E reconhece que da parte dos sindicatos não há disponibilidade para negociar “aumentos salariais miseráveis a troco da retirada de direitos, como a redução do pagamento do trabalho extraordinário”.

Do lado da UGT procura-se pontos de contacto com os patrões na tentativa de preparar o terreno para as negociações que se avizinham. Sérgio Monte reconhece que dificilmente a caducidade desaparecerá da lei, por isso a estratégia é minimizar os efeitos negativos. “Defendemos que a lei deve regular com mais pormenor o leque de matérias que transitam para o contrato individual em caso de caducidade e exigimos que se dificulte o recurso ao mecanismo, obrigando as partes a fundamentar os motivos de denúncia de uma convenção”, adiantou. 

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