Daesh escapou aos radares no Sri Lanka no meio de uma crise política

Presidente e Governo garantem que não foram informados sobre um relatório que alertava para a iminência de um atentado terrorista no país. Ataque foi reivindicado pelo Daesh como um ataque contra “o feriado infiel”.

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Dezenas de pequenos caixões, do tamanho das 45 crianças que morreram nos atentados terroristas do domingo de Páscoa no Sri Lanka, começaram a ser sepultados esta terça-feira perto da Igreja de S. Sebastião, na cidade de Negombo, o mais massacrado de todos os alvos dos bombistas suicidas.

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Dezenas de pequenos caixões, do tamanho das 45 crianças que morreram nos atentados terroristas do domingo de Páscoa no Sri Lanka, começaram a ser sepultados esta terça-feira perto da Igreja de S. Sebastião, na cidade de Negombo, o mais massacrado de todos os alvos dos bombistas suicidas.

Foi na Igreja de S. Sebastião que Dulip e Kumari entraram na manhã de domingo com os seus dois filhos: Dulakshi, de 19 anos, e Vimukthi, de 13. No mesmo grupo estavam a irmã de Dulip, Rasika, e os três filhos dela: Rasini, de 12 anos; Salomi, de dez; e Sharlock, de sete. Dulip e todos os seus filhos e sobrinhos morreram na explosão provocada por um bombista suicida; a mulher e a irmã estão em estado crítico no Hospital Nacional de Colombo.

“A mãe de Dulip, Theresa Fernando, de 60 anos, que ainda não recuperou do trauma, reuniu toda a coragem que lhe restou e disse que todas as pessoas que amava deixaram de existir”, conta o jornal cingalês Daily Mirror.

Os funerais foram-se sucedendo ao longo do dia, sob um calor intenso, enquanto a 40 km de distância, na capital, o Governo começava a montar o puzzle das investigações – e a defender-se das acusações de que poderia ter evitado as 321 mortes que surgem na lista de vítimas mais recente.

Daesh atacou “feriado infiel"

O primeiro-ministro do Sri Lanka, Ranil Wickremesinghe, confirmou que o seu Governo está convencido de que o ataque foi planeado a partir do estrangeiro, pelo Daesh, e executado por elementos de um pequeno grupo extremista local.

“Não é possível dizer em definitivo a quem estavam ligados, mas desde o início que suspeitamos de ligações ao Daesh”, disse o chefe do Governo, numa conferência de imprensa, referindo-se ao grupo cingalês National Thowheed Jamath, conhecido das autoridades por vandalizar estátuas da maioria budista do país. Não era uma suspeita infundada – desde logo se percebeu que os escassos meios do grupo cingalês dificilmente seriam suficientes para organizar um ataque com sete bombistas suicidas, em vários locais do país, e com explosivos tão potentes e sofisticados.

O governante falava ao país já depois de a agência de notícias do Daesh, a Amaq, ter reivindicado a autoria dos ataques em nome do grupo extremista – um passo que devia ser tratado com cautela, já que o Daesh fez outras reivindicações num passado recente que vieram a revelar-se falsas, principalmente desde que perdeu as suas bases no Iraque e na Síria.

Num primeiro momento, a Amaq partilhou apenas um curto comunicado a dizer que os alvos dos ataques foram cristãos e cidadãos de países da coligação que combate o Daesh, referindo-se aos suicidas pela habitual designação de “combatentes do Estado Islâmico”. Mais tarde, avançou outros pormenores que convenceram as autoridades, segundo as informações recolhidas pelo jornal New York Times: identificou os sete bombistas suicidas pelos nomes e disse em que local cada um deles detonou os explosivos, num ataque contra “o feriado infiel”.

Horas antes da conferência de imprensa do primeiro-ministro, o ministro da Defesa, Ruwan Wijewardene, tinha avançado outra suspeita de ligação: “As investigações preliminares revelaram que o que aconteceu no Sri Lanka foi em retaliação pelo ataque contra muçulmanos em Christchurch.” No dia 15 de Março, um confesso supremacista branco australiano entrou em duas mesquitas na cidade neozelandesa, durante as orações de sexta-feira, e matou 50 pessoas.

Falha de segurança

Mas o luto e os funerais no Sri Lanka estão também a ser acompanhados com críticas às autoridades, e tanto o Governo como o Presidente disseram esta terça-feira que é provável que haja demissões.

Já se sabia que os serviços de informação cingaleses tinham posto a circular um memorando, a 11 de Abril, que alertava para um possível atentado terrorista em igrejas.

Mas a agência Reuters noticiou esta terça-feira que esse não foi o único alerta recebido pelas autoridades do Sri Lanka. Segundo fontes do Ministério da Defesa cingalês e do Governo indiano, os serviços secretos foram alertados pelo menos outras quatro vezes – nos dias 4 e 20 de Abril e poucas horas antes dos ataques, no sábado à noite e no domingo.

No auge das críticas ao Governo, o Presidente, Maithripala Sirisena, garantiu esta terça-feira que não teve conhecimento de nenhum alerta e anunciou mudanças nas forças de segurança.

“Vou reestruturar completamente a polícia e os serviços secretos. E conto mudar os responsáveis das agências nas próximas 24 horas”, disse o Presidente numa comunicação ao país através da televisão.

“Os responsáveis pela segurança que receberam o relatório de um país estrangeiro não o partilharam comigo. Teriam sido tomadas as medidas necessárias”, afirmou Maithripala Sirisena.

O clima de desconfiança entre o Presidente e o Governo cingaleses atingiu um ponto alto há seis meses, quando o chefe de Estado substituiu o primeiro-ministro – para depois reverter essa decisão por pressão do Supremo Tribunal.

Segundo alguns analistas políticos, em causa estão divergências em relação à política externa – enquanto o Presidente prefere uma aproximação à China, o primeiro-ministro defende uma aproximação à Índia, diz a Euronews.

Na segunda-feira, o ministro da Saúde, Rajitha Senaratne, pareceu atirar as culpas para o Presidente. Numa conferência de imprensa, o responsável disse que o primeiro-ministro deixou de ser convidado para as reuniões do Conselho de Segurança do país por causa da crise política. E disse também que o chefe do Governo convocou os líderes das agências para uma reunião de emergência, no domingo, e nenhum apareceu.

“Foi a primeira vez na história que o Conselho de Segurança se recusou a participar num encontro com o primeiro-ministro”, afirmou o ministro da Saúde.