Há 40 plágios no doutoramento do presidente de Torres Vedras

Um dos orientadores da tese do autarca trabalhou para a mesma câmara durante duas décadas, enquanto o outro teve ligações ao mesmo partido, o PS.

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Carlos Bernardes

O Ministério Público identificou não cinco nem dez, mas cerca de quatro dezenas de plágios na tese de doutoramento do presidente da Câmara de Torres Vedras, o socialista Carlos Bernardes. Entre o material copiado encontra-se um texto de um dos orientadores da tese académica, que trabalhou naquela autarquia durante duas décadas e já garantiu publicamente não ter existido plágio nenhum.

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O Ministério Público identificou não cinco nem dez, mas cerca de quatro dezenas de plágios na tese de doutoramento do presidente da Câmara de Torres Vedras, o socialista Carlos Bernardes. Entre o material copiado encontra-se um texto de um dos orientadores da tese académica, que trabalhou naquela autarquia durante duas décadas e já garantiu publicamente não ter existido plágio nenhum.

Quando defendeu a sua tese de doutoramento na área do turismo, nas vésperas do Natal de 2015, Carlos Bernardes tinha acabado de tomar posse como presidente do município de Torres, mas já não era estranho a estas andanças: na década anterior desempenhara o cargo de vice-presidente, tendo até aí sido vereador. Dedicada às linhas de Torres Vedras como destino turístico estratégico para Portugal, a dissertação foi apresentada no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT). Entre os sete membros que integravam o júri contava-se Carlos Guardado da Silva, um dos seus dois orientadores e responsável pelo arquivo municipal de Torres, no qual tinha trabalhado durante duas décadas.

Não é claro se nesta altura este docente do IGOT, com várias obras publicadas em edições conjuntas da autarquia e da editora Colibri, já se tinha desvinculado ou não formalmente da câmara, muito embora o seu perfil na rede social Linkedin refira que continuou a ser responsável pelo arquivo durante mais um ano. Certo é que a tese recebeu um “aprovado” do júri e que tudo teria ficado provavelmente por aí, não se tivesse dado o caso de, cerca de um ano mais tarde, a Colibri ter transformado o trabalho do autarca em livro.

Um professor eleito como independente nas listas do PS durante dois mandatos, Jorge Ralha, diz que foi ao ler a publicação que se apercebeu das diferenças de vocabulário, síntaxe e estrutura morfológica entre o capítulo dedicado aos agradecimentos e o corpo da tese. “Comecei a introduzir frases do livro de Carlos Bernardes no Google e apareciam frases semelhantes”, descreve o antigo vereador, que contabilizou 17 situações de plágio. “Há mesmo um caso em que um trecho do texto que conferiu o doutoramento tem a mesma fonte inspiradora de uma prova de Bicicleta Todo-o-Terreno realizada em 2011”, assinala.

À sua denúncia pública, nas páginas do jornal regional Badaladas, seguiu-se uma queixa ao Ministério Público. As reacções não se fizeram esperar. Num artigo de opinião intitulado Em defesa da minha honra e bom nome, o presidente da câmara explica que, por razões de saúde familiar, só aos 40 anos lhe foi possível ingressar no ensino superior. Licenciou-se então no Instituto Superior Politécnico do Oeste, do grupo Lusófona. A Jorge Ralha não passou despercebido o facto de esta instituição ser dirigida por um antigo deputado socialista. Não se deu conta foi que o segundo co-orientador da tese, Brochado de Abreu, também representou este partido político na Assembleia Municipal do Cadaval.

Negando o plágio, Carlos Bernardes explica, no mesmo artigo, que “não tendo sido utilizados gestores bibliográficos automatizados, é natural que haja a falta de uma ou outra citação, atenta a extensão da obra”: o trabalho alonga-se por 321 páginas. Essa é também a tese do orientador Guardado da Silva, que se recusou a explicar ao PÚBLICO como foi possível não perceber que o seu orientando o havia plagiado. Mas também ele disse de sua justiça no Badaladas: “Não! Não é plágio e não adianta querer discutir!”. O académico prefere falar em “erros e incorrecções de natureza metodológica que escaparam ao escrutínio do autor e dos seus orientadores”.

Porém, não foi essa a opinião da Universidade de Lisboa, que em Dezembro passado declarou nula a deliberação do júri de doutoramento – decisão que está a ser contestada no tribunal administrativo pelo autarca. Nem a do especialista contratado pelo Ministério Público para detectar as apropriações fraudulentas do trabalho alheio, e que vão muito além das identificadas pelo denunciante inicial. Além da cópia quase integral de longos trechos de trabalhos académicos, apenas com ligeiras alterações de uma ou outra frase, a acusação proferida no passado dia 9 de Abril dá conta do plágio de documentos estratégicos do Governo e dos serviços administração central para a área do turismo, de textos publicados em blogues e de vários outros documentos, como por exemplo um trabalho do ex-ministro Augusto Mateus sobre o desenvolvimento da região Oeste, repartidos por 106 das mais de 300 páginas da dissertação.

O advogado de Carlos Bernardes insiste em que tudo não passa de perseguição política de rivais do seu cliente. O Ministério Público chegou a equacionar a suspensão provisória deste processo judicial, mecanismo que evitaria que Carlos Bernardes fosse julgado em tribunal. Mas acabou por descartar esta possibilidade, uma vez que o arguido “não reconhece a prática criminosa, negando os factos”. 

Texto corrigido às 13h: no seu primeiro mandato como presidente de câmara Carlos Bernardes não foi eleito, tendo substituído o seu antecessor por este ter integrado o Governo como secretário de Estado.