Casillas, um dos “donos” de um segredo bem guardado

O guarda-redes espanhol renovou com o FC Porto, cunhando, mais ainda, a marca de longevidade que já o distinguia. Uma marca que carece de adaptação constante.

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Reuters/Stefano Rellandini

Não é segredo que os guarda-redes são, por norma, os jogadores com maior longevidade. O segredo é outro: como é que um guarda-redes já maduro, com carreira construída desde o início do século, se adapta às mutações do futebol actual? Como é que um Dino Zoff jogaria na actual Juventus e como é que um Casillas joga no actual FC Porto?

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Não é segredo que os guarda-redes são, por norma, os jogadores com maior longevidade. O segredo é outro: como é que um guarda-redes já maduro, com carreira construída desde o início do século, se adapta às mutações do futebol actual? Como é que um Dino Zoff jogaria na actual Juventus e como é que um Casillas joga no actual FC Porto?

Os “dragões” renovaram ontem contrato com o guardião espanhol que, se cumprir o vínculo assinado até 2021, jogará em Portugal com 40 anos. Um guarda-redes que já chegou a assumir, em declarações prestadas ao Expresso, que teve de mudar. “Antes, era sempre chutar a bola para a frente e saía poucas vezes desde trás. Isso começou a mudar há cerca de dez anos e, agora, acho que se exige a todos os guarda-redes que, no mínimo, tenham o conhecimento de passar a bola”. Casillas adaptou-se ao futebol e o futebol “deixou-o continuar”. Continuar a titular e no topo.

“Guarda-redes não pode inventar”. Esta ideia não é obsoleta, mas, sendo certo que as “invenções” de um guardião podem, facilmente, resultar em golos adversários, cada vez mais o futebol de topo procura guarda-redes capazes de “mexer na bola”. O guarda-redes actual não deve “bater na frente”, como Zoff ou Yashin, mas sim dar qualidade à circulação, como Neuer ou Ter Stegen. Não deve “despachar” para longe, como Shilton ou Zubizarreta, mas fazê-lo com critério, como Ederson ou Navas.

E nada disto era, necessariamente, uma limitação destes grandes nomes das balizas. Era o reflexo de um futebol diferente, que pedia coisas diferentes. O tradicional “alívio” já não tem de ser feito de forma aleatória, o pontapé de baliza não deve ser, apenas, um recomeço de jogo que permite “ganhar jardas”, qual partida de râguebi, e a primeira fase de construção não tem de ser com o recuo do médio mais defensivo, optando, antes, pela linha de passe adicional dada pelo guarda-redes.

No Barcelona, Pep Guardiola levou a premissa do “guarda-redes-jogador” ao extremo, com Valdés - mais tarde, também com Neuer -, e “fez escola”. Casillas assistiu a isto a partir da outra baliza, enquanto esteve no Real Madrid, e foi “obrigado” a mudar a forma de pensar. “Para mim, um guarda-redes tem de estar na baliza para defender as bolas e pouco mais. Tentar evitar golos, porque isso é o mais importante”, argumentou Casillas, em 2018, apesar de acrescentar: “O mundo do futebol está em evolução constante e exige-se cada vez mais aos guarda-redes. Já não é só o ser bom na baliza, mas também que seja bom com os pés, porque é mais um jogador de campo e tem de ser aproveitado como tal (…) Se tivermos um bom jogo de pés, também poderemos dar saída à bola: sair por um lateral, na ala, ou até procurar um avançado que receba mais perto do círculo central”.

Para além de Casillas

Iker Casillas poderá defender a baliza do FC Porto com honras de “quarentão”. No entanto, não é um caso único no futebol actual. À cabeça, “Gigi” Buffon. O lendário italiano continua a não querer parar e, aos 41 anos, é guarda-redes de Champions, no Paris Saint-Germain.

Num passado bastante recente, todos se lembrarão das míticas calças de “pijama” que o húngaro Gabor Kiraly levou ao Euro 2016, com mais de 40 anos, ou dos 45 anos com que o egípcio El-Hadary, no Mundial 2018, bateu o recorde do colombiano Mondragón, até então o mais velho de sempre a jogar num Campeonato do Mundo.

Ainda neste milénio, Dida, Seaman, Lehmann e Van der Sar chegaram aos 40, Rogério Ceni aos 42, Schwarzer aos 43 e Ballotta e Friedel aos 44. Exemplos não tão raros assim e seguidos, também, em Portugal.

Preud’Homme, por exemplo, jogou no Benfica entre os 36 e os 40 anos e Schmeichel, no Sporting, entre os 36 e os 37. Vítor Baía e Helton estiveram no FC Porto até aos 38, William no Boavista até aos 39 e Quim jogou até aos 42, no Desp. Aves. O internacional português chegou a dizer que “não há segredo” para a longevidade” e que o único “truque” é a paixão: “A vontade com que ainda me ponho a pé às sete horas para ir para os treinos é a mesma de quando tinha 20 anos”.

O FC Porto renovou contrato com Casillas, que vai ser, mais ainda, um guarda-redes com tremenda longevidade. Um espanhol que descobriu um segredo bem guardado entre os guarda-redes.