Maior risco de enfarte e cancro nas classes sociais mais baixas

Estudo do projecto europeu Lifepath, em que Portugal participa, mostra que condições socioeconómicas aumentam níveis de inflamação crónica, processo associado ao desenvolvimento de enfartes, AVC e alguns cancros.

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Adriano Miranda

As pessoas de classes sociais mais baixas apresentam maiores níveis de inflamação crónica e com isso apresentam maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, alguns tipos de cancro,  diabetes, acidentes vasculares cerebrais (AVC) e enfartes. A conclusão faz parte de um estudo desenvolvido pelo projecto Lifepath, um consórcio financiado pela Comissão Europeia, em que Portugal participa.

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As pessoas de classes sociais mais baixas apresentam maiores níveis de inflamação crónica e com isso apresentam maior risco de desenvolver doenças cardiovasculares, alguns tipos de cancro,  diabetes, acidentes vasculares cerebrais (AVC) e enfartes. A conclusão faz parte de um estudo desenvolvido pelo projecto Lifepath, um consórcio financiado pela Comissão Europeia, em que Portugal participa.

“O objectivo do estudo foi perceber se a classe social influenciava os níveis de inflamação crónica. Esse interesse pela inflamação tem a ver com o facto da grande parte das doenças que estão entre as principais causas de morte terem uma forte componente inflamatória. Tanto a doença cardiovascular, como vários cancros e a diabetes”, explica ao PÚBLICO Ana Isabel Ribeiro, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP).

Foi a instituição que representou Portugal no estudo. O trabalho contou ainda com a participação do Reino Unido, Irlanda e Suíça. Foram analisados dados de 18.349 pessoas com idades entre os 50 e os 75 anos. Os resultados foram publicados em Janeiro na revista Scientific Reports e fazem parte de um trabalho mais abrangente do qual resultaram publicações anteriores. Entre elas, um trabalho publicado na revista Lancet que mostrou que as condições socioeconómicas desfavoráveis contribuem para a redução, em média, de 2,1 anos da vida de um indivíduo.

Além da influência da classe social na inflamação crónica, os investigadores queriam também saber se em sociedades mais desiguais estes níveis de inflamação eram maiores. “A nossa premissa era se em sociedades com diferenças maiores entre ricos e pobres, como por exemplo a portuguesa, se isso teria um efeito sobre os níveis de inflamação da população. Neste estudo confirmamos estas hipóteses”, afirma, salientando que as conclusões são somente generalizáveis para a população entre os 50 e os 75 anos.

“Os indivíduos de classe social mais baixa tinham maiores níveis de inflamação e foi precisamente em Portugal, o país com maior diferença entre ricos e pobres [entre os quatro analisados], que essa diferença de inflamação entre a classe social mais alta e a classe social mais baixa foi maior”, diz.

Um barómetro

Os investigadores verificaram que existe uma relação clara entre os níveis de proteína C-reactiva — um biomarcador usado para medir a inflamação crónica através do sangue — e as condições socioeconómicas. A proteína C-reactiva é produzida pelo fígado quando o organismo está a lidar com uma situação de infecção ou de inflamação. E se estes níveis estão aumentados, aumenta também o risco de desenvolver doenças com origem inflamatória.

Já se sabia, de estudos anteriores, que uma pessoa de uma classe social mais baixa vive menos tempo que uma de classe mais alta. “O que não sabíamos era se isso se manifestava em marcadores biológicos que precedem a doença, que é o caso da inflamação”, explica a investigadora sobre a novidade que este estudo traz. “Acaba por ser uma espécie de barómetro ou de preditor do risco do indivíduo desenvolver patologias que são importantes.”

“Depois há também a questão de estarmos a olhar não só para a classe social do indivíduo, mas também para o seu contexto. Isto aponta no sentido de que é importante combater estas diferenças. As políticas sociais e de saúde pública devem tentar minimizar estas diferenças entre classes sociais”, salienta Ana Isabel Ribeiro.

Dentro deste projecto, adianta, há um grupo de trabalho que está a fazer o estudo e o desenvolvimento de políticas que possam minimizar as desigualdades sociais em saúde. “Vai ser o último passo deste projecto. Neste caso, o enfoque é nas políticas sociais de forma a diminuir esta diferença”, refere.

Este “é mais um estudo que aponta para a necessidade de actuar sobre esses factores de risco que não são os tradicionais”, reforça a investigadora. “Mostra que ser pobre, quando não existem mecanismos que atenuem esses efeitos, também faz mal à saúde”, diz Ana Isabel Ribeiro. A principal limitação do estudo é não ter dados de países como os Estados Unidos, “em que os níveis de desigualdade são muito maiores dos que encontramos na Europa, para fortalecer mais as conclusões”.