"Brexit", anti-semitismo e viragem à esquerda levam sete deputados a sair do Labour

Deputados formam “grupo independente” e convidam outros a juntar-se. Analistas dizem que para terem sucesso terão de recrutar membros do Partido Conservador.

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Os sete trabalhistas que saíram do partido EPA

Sete deputados trabalhistas anunciaram na manhã desta segunda-feira a sua saída do partido, dizendo que estão em desacordo sobre o modo como o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, tem reagido ao processo de saída do Reino Unido da União Europeia, queixando-se do anti-semitismo que se tornou “institucionalizado” no Labour, e de este partido ser hoje "um disfarce para o marxismo".

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Sete deputados trabalhistas anunciaram na manhã desta segunda-feira a sua saída do partido, dizendo que estão em desacordo sobre o modo como o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, tem reagido ao processo de saída do Reino Unido da União Europeia, queixando-se do anti-semitismo que se tornou “institucionalizado” no Labour, e de este partido ser hoje "um disfarce para o marxismo".

Estas saídas são a maior cisão no Labour desde 1981, quando quatro figuras importantes do partido decidiram afastar-se —​ na altura ficaram conhecidos como “Gang of Four ("Bando dos Quatro”) e foram seguidos por 28 deputados — para formar o Partido Social Democrata. 

Estas saídas reduzem o grupo parlamentar trabalhista na Câmara dos Comuns de 256 para 249.

“Demos o passo de deixar a velha política para trás e convidamos outros a fazer o mesmo”, declarou Chuka ​Umunna, falando da formação de um “novo movimento”.

O diário britânico The Guardian nota que o ex-deputado do Labour tem trabalhado de perto com três deputadas conservadoras (Anna Soubry, Heidei Allen, e Sarah Wollaston) para a convocação de um novo referendo sobre o "Brexit"

No site de informação política e económica Bloomberg, a editora Therese Raphael escreve que para ter alguma hipótese de sucesso, "os rebeldes de hoje precisam que alguns deputados conservadores se juntem a si".

As figuras mais proeminentes desta debandada são Chuka Umunna (que foi ministro sombra da Economia) e Luciana Berger (ex-ministra sombra da Saúde Mental), seguidos de Chris Leslie (antigo ministro sombra das Finanças), Mike Gapes (antigo líder do comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros), Gavin Shuker (antigo ministro sombra do Desenvolvimento Internacional), Angela Smith e Ann Coffey.

Chris Leslie disse que o partido está "refém da extrema-esquerda" e que o "marxismo está a aparecer disfarçado de Partido Trabalhista", enquanto Mike Gapes, que é deputado do Labour há 50 anos, acrescentou que em sua opinião Jeremy Corbyn é uma ameaça à segurança nacional porque “está do lado errado em tantas questões internacionais”, da Rússia à Venezuela, diz o diário britânico The Guardian. Além disso, está a tornar-se “cada vez mais claro que figuras importantes na liderança do Labour de Corbyn não querem parar o ‘Brexit’”.

Luciana Berger acrescentou: “Todos representamos partes diferentes do país, diferentes origens, somos de gerações diferentes, mas partilhamos os mesmos valores”. A deputada, que é judia, disse que com a sua saída deixava "para trás" uma cultura de "intimidação, intolerância e preconceito".

Num inquérito interno em 2016, a direcção do Labour concluiu que não existia um problema sistémico de anti-semitismo no partido, mas sim “episódios infelizes”. Passados meses, Corbyn admitia a existência de um problema real e classificava como demasiado lenta a reacção contra casos de anti-semitismo de membros do partido, muitas vezes online.

Após o anúncio dos sete, Jeremy Corbyn reagiu com uma declaração em que se diz “desiludido” com as saídas, argumentando que as políticas que apresentou na campanha “inspiraram milhões" e deram ao partido "a maior subida nos resultados desde 1945”.

Outras vozes do partido já criticaram a saída destes deputados. O trabalhista Jonathan Ashworth escreveu no Twitter: “Fiquem como independentes [no Parlamento], votem como independentes, disputem eleições como independentes e depois ajudem, de modo independente, os tories a manter-se no poder.”

John McDonnell, o actual ministro-sombra das Finanças, alertou antes das partidas (há semanas que havia rumores de que poderiam sair) que uma cisão seria “como nos anos 1980”. McDonnell argumentou que a formação do Partido Social Democrata (que depois se juntou com o partido liberal para formar o Partido Liberal Democrata), permitiu à conservadora Margaret Thatcher manter o poder.

O impacto da criação do partido moderado ainda hoje é debatido por historiadores, aponta o Financial Times; alguns defendem que foi este que deu a base para o Governo de Tony Blair (ao aliar-se e formar o Partido Liberal Democrata que desde cedo disse que apoiaria Blair; em 1997 este venceu com uma grande maioria e não precisou do apoio dos lib-dem).

Há muitas diferenças entre o "grupo dos quatro" e o "grupo dos sete", aponta a Bloomberg, desde a experiência dos que saem (muito maior nos anos 1980) à falta de um líder evidente e de uma plataforma ("até o site não está seguro de si", comentava a editora Therese Raphael).  

A cisão aparece numa altura em que também o Partido Conservador está dividido por causa do "Brexit"

A conferência de imprensa do "grupo dos sete" foi transmitida em directo pela BBC. No que parece ter sido um incidente de um microfone deixado ligado por engano, foi possível ouvir o comentário sussurrado por uma voz masculina: "entre isto e o 'Brexit', estamos tramados".