Há mais alunos a chumbar mas também há escolas que não desistem

Quando se encara o sucesso dos alunos como sendo feito por um percurso sem reprovações que culmina com notas positivas nos exames, muitas escolas continuam a justificar o seu desempenho com o meio de origem dos seus estudantes. Mas neste “ranking do sucesso” há quem não se dê por vencido.

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No "ranking do sucesso" o Colégio Santa Doroteia, em Lisboa, está em 3.º lugar no básico e em 25.º no secundário Ana Banha

“Não deixes para casa o que podes fazer na escola.” Nesta mensagem está uma das várias diferenças que marcam a Escola Básica Dr. Carlos Pinto Ferreira, em Vila do Conde, e que a levaram agora ao 2.º lugar do “ranking do sucesso” do 3.º ciclo. Nesta ordenação as escolas são valorizadas quando conseguem que os seus alunos não fiquem pelo caminho e obtenham bons resultados.

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“Não deixes para casa o que podes fazer na escola.” Nesta mensagem está uma das várias diferenças que marcam a Escola Básica Dr. Carlos Pinto Ferreira, em Vila do Conde, e que a levaram agora ao 2.º lugar do “ranking do sucesso” do 3.º ciclo. Nesta ordenação as escolas são valorizadas quando conseguem que os seus alunos não fiquem pelo caminho e obtenham bons resultados.

No ano passado, 79% dos alunos daquela escola que tinham entrado para o 3.º ciclo em 2014/2015 conseguiram chegar ao fim do 9.º ano com notas positivas nos dois exames, sem terem chumbado antes nem no 7.º, nem no 8.º ano. A nível nacional só 45% dos estudantes fizeram o mesmo.

Um panorama que no secundário é ainda pior: apenas 37% dos alunos alcançaram o mesmo feito em 2017/2018. No ano anterior tinham sido 42%. Na prática, isto significa que em cada 100 alunos, 60 não conseguem resistir ilesos ao ensino secundário.

Este é o retrato geral que emerge do chamado “indicador global de sucesso”, uma nova medida de avaliação das escolas que tem vindo a ser proposta pelo Ministério da Educação (ME).

Para se chegar a este desfecho, é preciso primeiro seguir o percurso individual de cada estudante para se verificar quantos foram os que tiveram percursos directos de sucesso nas suas escolas. No 3.º ciclo, isto faz-se contabilizando a percentagem de alunos que não reprova nem no 7.º ano, nem no 8.º ano e que conclui o 9.º ano com positiva nas duas provas finais. No caso do secundário, tem em conta os que não reprovam nem no 10.º, nem no 11.º ano e, quando chegados ao fim do 12.º ano, tenham nota positiva nos dois exames finais.

Apurados os percursos de sucesso, o ME compara depois os alunos de cada escola com os do resto do país que, à entrada do ciclo de estudos em causa, tinham o mesmo perfil em termos de resultados escolares. Quanto maior for aquela diferença pela positiva, melhor as escolas se saem nesta forma de as avaliar. É com base nos valores desta diferença que o PÚBLICO ordena as escolas no que chamou “ranking do sucesso”, que é publicado este ano pela terceira vez.

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Nesta edição são tidos em conta os resultados agregados de três anos: 2016, 2017 e 2018. No conjunto destes anos, a Básica Dr. Carlos Pinto Ferreira, escola sede do agrupamento com o mesmo nome, conseguiu que 77% dos seus alunos do 3.º ciclo concluíssem este ciclo de estudos sem atrasos, quando a nível nacional as escolas com estudantes com o mesmo perfil escolar se ficaram nos 52%. E foi com base nesta diferença que arrebatou o 2.º lugar de uma lista que ordena 1141 escolas.  

No 3.º ciclo esta ordenação volta a ser encabeçada pelo Colégio do Vale, no distrito de Setúbal. E no secundário bisa o Colégio de São Miguel de Fátima, um estabelecimento que é financiado pelo Estado, por via dos chamados contratos de associação, para garantir ensino gratuito aos seus alunos. 

Não deixar alunos para trás

A Básica Dr. Carlos Pinto Ferreira, de Vila do Conde, é a única pública entre as cinco escolas melhor classificadas. É uma escola situada no contexto socioeconómico mais desfavorecido dos três que o PÚBLICO estabelece, tendo em conta as habilitações dos pais e a percentagem de alunos com apoios sociais. 

Conta o subdirector de Vila do Conde, José Garcia, que a mensagem para não levar para casa o que se pode fazer na escola está à vista de todos, integrando uma banda desenhada que decora as paredes do Centro de Apoio à Aprendizagem. E é isso que se esforçam que os alunos façam e com resultados, refere.

Nas turmas com maiores dificuldades têm dois professores em sala de aula para que possam acompanhar os alunos de uma forma mais próxima e esclarecer dúvidas, uma sala de estudo que “é muito concorrida”, actividades que vão da robótica à canoagem e um espaço físico que ajuda os alunos a “sentirem-se felizes”. Frisa também que “os professores conhecem as necessidades dos alunos e preocupam-se em dar-lhes resposta”. 

A sua colega Sónia Lopes, coordenadora do Departamento de Matemática, aponta mais pistas. Por exemplo: “Os alunos aprendem a trabalhar em grupos na sala de aula procurando esclarecer as dúvidas uns aos outros, por vezes, numa linguagem muito própria mas que permite que o colega esclareça a dúvida.” E depois há isto, que é o principal: “Nesta escola não há alunos dados como perdidos.”

O peso do meio

No 3.º ciclo só 29% das escolas conseguem que 50% ou mais dos seus alunos terminem o 9.º ano sem chumbos anteriores no 3.º ciclo. No Alentejo rural, a Escola Básica Frei António Chagas, que é a sede do Agrupamento de Escolas da Vidigueira, está muito longe de pertencer a este grupo. Nos três anos em análise, apenas 14% dos jovens desta escola conseguiram ter percursos de sucesso, quando a sua média de comparação estava nos 40%. E é por estar a tanta distância desta que acabou por ficar em último lugar no ranking do sucesso do 3.º ciclo.

Para a directora do agrupamento, Isabel Contente, este fraco desempenho é em muito ditado pelo meio de origem de muitos dos alunos. Cerca de 41% têm apoios da Acção Social Escolar e há um “elevado número de estudantes da comunidade cigana (13%), que exigem abordagens diferenciadas”, onde o peso da retenção ou desistência tem grande peso.

“Temos procurado diversificar a oferta educativa e desenvolver actividades de apoio pedagógico, mas verificamos que um número considerável de alunos, especialmente no decurso do 3.º ciclo, revela falta de expectativas em relação à escola e ao futuro”, aponta.

Olhando agora para o ensino secundário, um primeiro resultado: das cinco escolas que encabeçam este ranking alternativo, quatro são públicas. Uma delas é a Escola Básica e Secundária de Guia (Pombal), que surge em 3.º lugar

No conjunto dos três anos em causa, a escola de Pombal conseguiu percursos directos de sucesso para 56% dos seus alunos do ensino secundário, quando a nível nacional as escolas com estudantes com o mesmo perfil se ficaram por 39,5%.

Um dos objectivos da Secundária de Guia, afirma o seu director António Duarte, tem sido o de garantir que cada membro da comunidade educativa possa reivindicar o seguinte: “Esta escola também é minha.” Este responsável refere que se tem “verificado uma evolução positiva nas atitudes dos alunos do ensino secundário, com maior empenho e co-responsabilidade no processo de aprendizagem” e que também os pais “têm sido participativos e empenhados na melhoria das condições de ensino e do funcionamento da escola”.

No ensino secundário só 12,9% das escolas (73 em 551) conseguem que 50% ou mais dos seus alunos tenham percursos limpos de chumbos. A maioria (52) são privadas. E em 164 as percentagens de sucesso não vão além dos 30%. Várias delas permanecem nesta situação ano após ano.

É o caso, por exemplo, da Básica e Secundária Gil Vicente, em Lisboa, onde apenas 17,5% dos alunos chegam ao fim do secundário sem retenções e obtendo nota positiva nos exames do 12.º ano, quando seria expectável que fossem mais de 30%.

A direcção destaca que a escola, onde actualmente 57% dos docentes têm mais de 51 anos de idade, “vem adoptando, há muito, medidas que julga conseguirem mitigar os maus resultados escolares, como os apoios tendencialmente individualizados, suplementos na carga lectiva das disciplinas com exame ou esclarecimentos vários sobre as vantagens de se frequentar o ensino superior”. Mas adianta também que estas e outras estratégias têm sido insuficientes para ultrapassar as condicionantes de partida da sua população escolar.

Cerca de 45% dos são oriundos de agregados que têm um rendimento mensal igual ou inferior ao salário mínimo nacional e recebem por isso apoios da Acção Social Escolar. E mais de 20% dos alunos são estrangeiros, com grandes dificuldades no português, mesmo quando são oriundos de Países de Língua Oficial Portuguesa.

Por outro lado, frisa ainda a direcção, formada por Ana Duarte e Vítor Gonçalves, “os códigos culturais familiares dos alunos são pouco compatíveis com a cultura essencialmente livresca dos programas educativos, além de que muitos pais abandonaram a escola precocemente, tendo dela uma visão bastante negativa”. Por tudo isto, os responsáveis do Gil Vicente não acreditam que num futuro próximo existam mudanças de relevo.

Escolas que bisam

E o que poderão ter em comum duas escolas públicas do interior com um colégio de Lisboa onde as propinas mensais rondam os 500 euros? Figurarem entre os lugares mais difíceis de alcançar quando o sucesso se avalia da forma como aqui é descrito porque estão em simultâneo entre as 100 escolas que mais se destacam em simultâneo no ensino básico e no secundário. No total só 14 o conseguem. No ano passado eram 17. A maioria são colégios.

A Escola Secundária Dra. Judite Andrade, que é a sede do Agrupamento de Escolas do Sardoal, distrito de Santarém, conseguiu ficar em 38.º lugar no 3.º ciclo e em 6.º no secundário. Quase metade dos seus alunos tem apoios da Acção Social Escolar. A directora Ana Sardinha refere que a escola tem um conhecimento aprofundado de cada aluno e do seu contexto sociofamiliar, o que constitui “um factor decisivo na realização de um trabalho de proximidade e diferenciado”.

Destaca também que contam com alunos que “são na sua maioria, trabalhadores, empenhados e cumpridores; com famílias que são bastante participativas e empenhadas na vida do agrupamento e com um corpo docente estável, que tem sabido responder de forma dedicada e criativa aos desafios” que surgindo.

A estabilidade do corpo docente é também uma das razões para o sucesso apontada pela directora da Escola Secundária de Santa Comba Dão, Madalena Dinis. A escola está em 76.º lugar no “ranking do sucesso” do 3.º ciclo e em 46.º no secundário. No agrupamento, de que a secundária é a sede, têm sido adoptadas medidas que já estão a fazer a diferença. Por exemplo, garantir o ensino de música a todos os alunos do 1.º ao 3.º ciclo por saberem que através desta aprendizagem se fomenta também “a disciplina, o rigor no raciocínio e o desenvolvimento cognitivo”.

No Colégio Santa Doroteia, em Lisboa, que está em 3.º lugar no básico e em 25.º no secundário, a directora pedagógica, Maria Cabanas, explica que se aposta na “realização de cada um dos alunos, valorizando o esforço e o trabalho sem competição, mas antes enquanto forma de crescimento através da amizade e da interajuda”. Por outro lado, conta também com um corpo docente que na maior parte dos casos “está há muito tempo no colégio e que se caracteriza, na generalidade, pela dedicação e empenho à missão que desempenha”.