Associação denuncia atrasos no acesso à medicação que previne o VIH

Luta pelo acesso pleno à profilaxia pré-exposição ao VIH dura há vários anos. Grupo de Activistas em Tratamento quer “acelerar uma solução”. Coordenadora do Programa para a Infecção VIH e Sida acredita que medicamento será brevemente disponibilizado a todos.

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Sebastiao Almeida

Quase um ano depois da entrada em vigor do Programa de Acesso Precoce que tornou acessível a algumas pessoas o medicamento que previne o VIH, o Grupo de Activistas em Tratamento (GAT) denuncia o atraso “surreal” nas avaliações do impacto orçamental do medicamento pelo Infarmed — sem a qual esta profilaxia não estará totalmente disponível para os utentes. A Autoridade Nacional do Medicamento diz que o “processo de avaliação prévia está a ser concluído”, mas não se compromete com datas.

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Quase um ano depois da entrada em vigor do Programa de Acesso Precoce que tornou acessível a algumas pessoas o medicamento que previne o VIH, o Grupo de Activistas em Tratamento (GAT) denuncia o atraso “surreal” nas avaliações do impacto orçamental do medicamento pelo Infarmed — sem a qual esta profilaxia não estará totalmente disponível para os utentes. A Autoridade Nacional do Medicamento diz que o “processo de avaliação prévia está a ser concluído”, mas não se compromete com datas.

Para a coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH e Sida, o atraso na avaliação do impacto orçamental do medicamento (procedimento obrigatório sempre que se trata de introduzir um novo medicamento no mercado português) é "compreensível" e até "denunciador do cuidado que o Infarmed está a ter para garantir uma avaliação séria e isenta de qualquer pressão ou interferência". De resto, Aldir diz acreditar "que o processo está próximo da sua conclusão".

O Programa de Acesso Precoce à chamada profilaxia pré-exposição (PrEP) foi pensado para 100 pessoas e no final do ano passado o Infarmed contabilizava 240. Nem tudo corre bem. Para além da demora na avaliação do impacto orçamental do medicamento, o GAT aponta ainda “recorrentes atrasos” na aprovação da disponibilização da medicação a cada utente que já o usa, também da responsabilidade do Infarmed, e que tem obrigado à repetição de exames complementares sem os quais não é possível ter acesso. Acresce a isso, o tempo de espera de cerca de dois meses para a primeira consulta e de quatro meses para dar início à PrEP.

A demora na marcação de consultas, que deve decorrer até 30 dias depois da referenciação dos utentes como elegíveis para PrEP — por exemplo, pessoas que nos últimos seis meses tenham tido relações sexuais sem “uso consistente de preservativo” com alguém que não sabe se está ou não infectado por VIH, ou que utilizem drogas injectáveis com partilha de seringas —, é maior em Lisboa. Com uma agravante: nem o Hospital de Cascais nem o Amadora-Sintra oferecem esta consulta, pelo que as pessoas tendem a concentrar-se nos hospitais da capital que o fazem (Curry Cabral, Santa Maria e Egas Moniz). “A dada altura, o Egas Moniz estava a marcar consultas para dali a cinco meses”, aponta Luís Mendão, presidente do GAT.

Sublinhando que estamos perante medicação de uso hospitalar, Isabel Aldir concorda com a necessidade de alargamento das consultas a outros hospitais, mas apenas depois de concluída a respectiva avaliação de impacto orçamental. E admite, tal como previsto, que a consulta possa decorrer sob responsabilidade do hospital mas fora do ambiente hospitalar, junto das organizações que "estão mais próximas das pessoas" candidatas à sua toma, como consumidores de drogas injectáveis, trabalhadores do sexo ou casais em que um é seropositivo e outro não. 

A PrEP consiste na toma diária de um comprimido que também é utilizado em pacientes que já estão infectados com VIH. Destina-se a reduzir as hipóteses de alguém que não está infectado, mas que está sujeito a um alto risco de infecção, poder contrair o vírus em caso de exposição ao mesmo. Como o GAT lembra em comunicado, “a ciência provou por ensaios clínicos que o uso correcto da PrEP é mais eficaz [99% de eficácia] na prevenção da transmissão sexual do VIH” do que o preservativo (80%).

Nas contas de Isabel Aldir, "admite-se que por cada mil que tomem a PrEP, evitar-se-ão pelo menos 30 infecções". Associada "a todas as outras estratégias que já estão no terreno", considera a coordenadora do programa, "a PrEP é uma arma poderosíssima" no combate ao contágio. 

Quanto aos custos do medicamento, o GAT defende que “já não são uma barreira”, uma vez que há “um acordo entre a tutela e a indústria para um tecto anual de despesa” com este tipo de comprimidos.

Descentralizar a consulta

Uma das bandeiras da associação tem sido a descentralização da consulta de acesso à PrEP para fora dos hospitais. Entre os objectivos estabelecidos para este ano, a associação propõe que se iniciem duas consultas fora dos hospitais em Lisboa. O GAT está disponível para fazê-lo “mas não deve ser o único”, diz Luís Mendão.

Outro objectivo é que até ao final do próximo ano, 7500 pessoas beneficiem da profilaxia. O que possibilitará a prevenção de 225 novas infecções.

Quem toma actualmente o medicamento pode fazê-lo de duas maneiras: ou através deste Programa de Acesso Precoce limitado ou da compra dos comprimidos, sobretudo a versão genérica, pela Internet. Esta segunda opção já é usada em Portugal há pelo menos dois anos. O GAT, no seu centro Checkpoint Lx, já dá apoio a quem decide fazê-lo.

No comunicado enviado ao PÚBLICO, o GAT sublinha que “caso não se altere a situação do acesso à PrEP”, fará “acompanhamento médico adequado, apoio à adesão, monitorização, rastreio, diagnóstico e tratamento regular de infecções sexualmente transmissíveis a todos os que optarem por fazer PrEP informal importada de fornecedores credíveis”.

Apesar dos aspectos apontados, Luís Mendão deixa uma nota positiva: depois de vários anos a repeti-los, “há uma série de pessoas convencidas dos nossos argumentos”. Tanto nos hospitais como nas instituições que coordenam o controlo da infecção. O objectivo agora é “acelerar uma solução”. Com Natália Faria