Gripe foi suave, mas houve 3700 mortes acima do esperado no último Inverno

Presidente da associação de médicos de saúde pública defende que é preciso estudar as causas das mortes verificadas na última epidemia sazonal e perceber se alguns óbitos seriam evitáveis.

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Paulo Pimenta

Apesar de a última época de gripe ter sido uma das menos intensas desde a pandemia de 2009, no Inverno passado voltou a haver um excesso de mortalidade assinalável em Portugal. Foram 3714 óbitos acima do expectável para esta época do ano, revela o último relatório do programa de vigilância da gripe do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa).

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Apesar de a última época de gripe ter sido uma das menos intensas desde a pandemia de 2009, no Inverno passado voltou a haver um excesso de mortalidade assinalável em Portugal. Foram 3714 óbitos acima do expectável para esta época do ano, revela o último relatório do programa de vigilância da gripe do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa).

No Inverno anterior, o número de óbitos acima do esperado até tinha sido superior  - 4467 -  mas a epidemia de gripe sazonal ficou então marcada pela predominância do subtipo do vírus da gripe A (H3) -  que normalmente afecta as pessoas mais idosas e provoca mais casos e mais graves, sendo por isso mais letal. Em anos em que isso acontece há sempre um pico de mortalidade - foi o que se verificou também no Inverno de 2014/2015, quando os peritos calcularam que houve 5591 mortes acima do esperado. 

Durante o Inverno 2017/2018, porém, "foi observada uma actividade gripal de intensidade baixa a moderada e o vírus do tipo B/Yamagata foi o predominante, tal como observado nos restantes países europeus", explicam os especialistas que integram o programa de vigilância de gripe.  

O excesso de mortalidade por todas as causas, que foi "15% superior em relação ao esperado" para esta época do ano, ocorreu entre a última semana de Dezembro de 2017 e as nove primeiras semanas deste ano. “Este excesso [de mortalidade] foi observado em ambos os sexos, a partir dos 65 anos de idade, em especial acima dos 85 anos”, destacam os especialistas.

"Época gripal alargada"

A maior parte das mortes em excesso são atribuíveis à epidemia de gripe mas a vaga de frio que se fez sentir em Fevereiro também teve influência neste desfecho. Em Maio, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) considerou, num primeiro balanço - numa altura em que não estava calculado o total de mortes em excesso mas se sabia já que seriam da ordem dos 3000 - que foi “a conjugação de uma época gripal alargada, com a circulação de outros vírus que causam infecções respiratórias e complicações associadas, bem como o frio que se fez sentir no início do ano, com reflexo junto da população mais idosa” que justificou este número de óbitos.

O excesso de mortalidade é calculado a partir de uma linha de base construída a partir de estimativas das mortes esperadas para essa época do ano, tendo em conta a média de anos anteriores. Mas se todos os anos a epidemia de gripe sazonal e as temperaturas baixas têm impacto na mortalidade, há Invernos em que se verificam picos. 

Como se justifica este excesso de mortalidade no Inverno passado, sobretudo tendo em conta que a epidemia de gripe foi de intensidade baixa a moderada? "Este fenómeno não me parece normal", comenta o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, para quem este excesso de mortalidade devia ser estudado de forma mais aprofundada para se perceber quais foram as causas que estiveram na base dos óbitos e perceber quantas mortes seriam evitáveis.

"Dificuldades no aquecimento"

"Sabemos que em Portugal as pessoas têm grandes dificuldades para se aquecer no Inverno e que as nossas habitações têm má qualidade de construção, são muito quentes no Verão e frias no Inverno. E a epidemia de gripe tem um impacto relevante [na mortalidade] mas há outras causas que importa estudar", defende o médico que diz ter "dificuldades em entender este excesso de mortalidade como um fenómeno normal", apesar de estarmos a assistir em Portugal a uma transição demográfica acelerada.

O problema, acentua, é que, apesar de termos hoje um sistema que permite saber em tempo quase real o número de óbitos, persiste o atraso na codificação das causas dos óbitos e os dados muitas vezes acabam por não estar disponíveis em tempo útil para se definirem medidas. "Importa perceber de que morrem as pessoas. Mesmo em idades avançadas, há mortes que poderiam ser evitadas. Essa informação era importante para se perceber se há ou não medidas a tomar para obviar este problema", afirma.

O PÚBLICO pediu esclarecimentos aos responsáveis da Direcção-Geral da Saúde, sem sucesso.