Não estrague o seu Natal com um mau azeite

Não há ceia de Natal sem azeite. Mas nem todo o azeite está à altura da importância desta refeição. Se gosta desta época e se aprecia o que é bom e faz bem à saúde, escolha apenas azeite Virgem Extra, de preferência com origem em olivais tradicionais.

Foto
Enric Vives-Rubio

Não há forma de fugir à tradição: sem um bom bacalhau, umas boas batatas, umas boas couves e um bom azeite, o Natal não é Natal. Mas o que é, afinal, um bom azeite?

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Não há forma de fugir à tradição: sem um bom bacalhau, umas boas batatas, umas boas couves e um bom azeite, o Natal não é Natal. Mas o que é, afinal, um bom azeite?

Se nos guiarmos pela nossa memória emocional, o bom azeite era aquele que comíamos em casa da família, grosso e de sabor intenso, que se sumia nas batatas Kennebec ou Arran Banner (em Trás-os-Montes chamavamos-lhes “Rambene”) e ensopava as lascas do bacalhau curado ao sol na zona de Aveiro depois de pescado nas águas frias e longínquas da Terra Nova. Não o sabíamos, mas muito desse azeite “saboroso” estava cheio de defeitos, com aromas, por exemplo, a ranço (típico dos azeites velhos), terra (provocado por azeitonas colhidas já no chão) ou vinagre (azeitona que entra em fermentação antes de ser processada). Sabia-nos bem porque não conhecíamos outro. Acontecia o mesmo com o vinho. Sem referências e termos de comparação, o vinho caseiro era o melhor do mundo, mesmo que já tivesse um “piquinho” (meio avinagrado).

Nesse tempo - ainda assim, de felicidade -, o azeite só era feito quando a azeitona estivesse pretinha e caísse bem ao varejo dos homens. Quase sempre, a apanha ocorria já depois do Natal, e em muitos lugares era costume colocar a azeitona em água durante vários dias ou guardá-la em sacos de plásticos fechados à espera de vez no lagar. Tudo o contrário do que se deve fazer para se conseguir um azeite sem defeitos e de boa qualidade.

Como acontece com as uvas, também as azeitonas dão um melhor azeite se forem colhidas no tempo certo (quando começam a ficar roxas) e processadas imediatamente a seguir à apanha com extracção a frio (rende menos, mas preserva o melhor das azeitonas).

Nas zonas de olival tradicional, a cultura do azeite ainda é marcada por algum arcaísmo, mas é também nesses lugares, povoados de oliveiras centenárias tratadas quase naturalmente de forma biológica e onde o olival hiper-intensivo e regado ainda não chegou, que se continuam a fazer os melhores azeites do país. Não há milagres: os olivais modernos, sobretudos os que estão a nascer como cogumelos no Alentejo do Alqueva (um dia haveremos de chorar sobre os seus elevadíssimos custos ambientais), servem, sobretudo, para obter grandes produções. Nos olivais tradicionais, as produções são muito mais baixas, mas a qualidade é melhor (quanto mais concentrado for o fruto, mais rico é).

Em regra, claro, porque não basta ter boas azeitonas para fazer um bom azeite. Como no vinho, também no azeite há centenas de substâncias químicas que interferem na sua qualidade. Esta também varia de cultivar para cultivar e de região para região; e depende também da natureza do solo e do clima, do estado de maturação das azeitonas na altura da colheita, do método de apanha da azeitona e de transporte para o lagar, do tempo de espera para o processamento da azeitona, da higiene, do equipamento, da temperatura de extracção e das condições de armazenamento e acondicionamento.

Foto
Nelson Garrido

São demasiados factores críticos para continuarmos a olhar para a olivicultura com a mesma negligência e desconhecimento de antigamente e para o azeite como uma gordura mais ou menos saborosa. Antes de ser uma gordura, o azeite é primeiro um condimento. Uma das melhores definições sobre as virtudes e os tempos do azeite é aquela que situa a sua durabilidade nestes termos: até um ano, o azeite é um condimento; de um ano a 18 meses é um alimento; a partir daí, passa a ser uma gordura.

Por lei, o tempo recomendado de consumo para um azeite é de 18 meses após ser engarrafado. Findo este limite não quer dizer que o azeite fique estragado. Apenas perde qualidades e pode desenvolver defeitos desagradáveis. Se forem bem acondicionados (em recipientes escuros, para não oxidarem com a luz), há azeites que ao fim de três, quatro anos continuam bons.

Porém, até esses - e são raros os que aguentam tanto tempo -, já não apresentam o mesmo fulgor aromático de um bom azeite novo. Aquele frescor verde, aquele cheirinho a azeitona pouco madura, a erva cortada e a rama de tomate, três exemplos de atributos positivos na avaliação sensorial de um azeite. Os bons azeites podem ter também sabores a fruta (maçã, banana), a ervas aromáticas, a especiarias e deixar no final um travo amargo e picante que por vezes até nos faz tossir. A forma como todas estas sensações se integram, o nível de complexidade e, muito importante, a sua harmonia, é que determinam a qualidade global do azeite.

Os melhores azeites não podem, desde logo, ter qualquer defeito sensorial. Só esses é que podem usar a chancela Azeite Virgem Extra. De cheiro e sabor intenso a azeitona sã, conservam o aroma, vitaminas, antioxidantes e todas as propriedades da azeitona. É o azeite obtido na primeira prensagem. O parâmetro da acidez não pode ser superior a 0,8%. Já agora: a acidez do azeite não se detecta no nariz e no paladar. É “apenas” um parâmetro químico que nos indica o nível de deterioração do azeite. Quanto mais alta for a acidez, maior é o grau de deterioração do azeite. Se for baixa, significa que o azeite tende a durar mais tempo.

Num nível de qualidade inferior, vêm logo a seguir o Azeite Virgem (pode ter defeitos muito ligeiros de cheiro e sabor e a acidez não poderá ser superior a 2%) e o Azeite (contém mistura de azeite refinado). Tanto o Azeite Virgem como o Azeite podem ser boas opções, por serem mais baratas, para frituras e refogados. Mas, para usar em cru, o melhor, o mais saboroso e o mais saudável é, sem dúvida, o Azeite Virgem Extra.

É só deste que devemos usar na sopa, em saladas e nos temperos de carnes e peixes. Por maioria de razão, não deveria haver lugar para mais nenhum outro na ceia de Natal, porque nem o melhor bacalhau resiste a um mau azeite. Se somos cada vez mais exigentes com o que bebemos, devemos sê-lo ainda mais com o que comemos. E nem sequer podemos queixar-nos do preço. Pelo preço de um vinho banal compramos uma garrafa de um grande azeite. Mais: a garrafa de vinho bebe-se numa refeição e uma garrafa de um bom azeite pode dar para várias refeições.

Também já não nos podemos queixar de escassez de oferta. Hoje, já há lojas só de azeite e basta irmos a qualquer grande superfície para encontrarmos dezenas de opções. Há preços e embalagens para todos os gostos e até azeites com designações que conhecíamos só dos vinhos, como “Grande Escolha”, “Superior”, “Selecção” ou “Premium”.

Na verdade, começa a ser difícil escolher. Como nos vinhos, a origem pode ser um bom critério. De uma forma genérica e simplista, podemos dizer que os azeites transmontanos se distinguem pela aliança entre o frutado da azeitona e os aromas dos frutos secos e por um peculiar toque amargo e picante; que os do Alentejo sobressaem pelo frutado e aroma fresco; que os do Ribatejo são mais redondos e doces; e que os das Beira são mais neutros. O problema é que mesmo dentro de cada região os azeites variam muito. O melhor remédio é mesmo ir comprando e testando.

Para facilitar, aqui ficam algumas sugestões que podem tornar ainda mais saboroso o seu Natal e também o daqueles de quem mais gosta. Coma e ofereça azeite. Por alguma razão lhe chamam “óleo santo”.  

 

Cinco sugestões de azeite para comer ou oferecer

Rosmaninho Azeite Virgem Extra Premium D.O.P

A Cooperativa de Olivicultores de Valpaços faz um dos melhores azeites do país. Situa-se na chamada Terra Quente transmontana, com forte tradição oleícola. Neste Premium, com o selo DOP (Denominação de Origem Protegida), entra a santíssima trindade das variedades de azeitona daquela região: Madural, Cobrançosa e Verdeal. É um azeite com um aroma a puxar para o verde mas também com notas amendoadas. Na boca, é intenso e encorpado, terminando com um bom amargor e picante, mas nada de sufocar. O que se destaca neste azeite é mesmo a sua excelente harmonia.

Cooperativa de Olivicultores de Valpaços
Região: Trás-os-Montes
Preço:  7,49€ (50cl)
 

Casa Anadia Virgem Extra Private Colection

Esta pode ser uma boa escolha para quem não aprecia azeites muito intensos e picantes. Trata-se de um azeite de aroma e sabor mais maduro, embora no final pareça ganhar uma vivacidade insuspeita, mostrando um picante mais do que tolerável mas interessante.

Quinta do Bom Sucesso
Região: Ribatejo
Preço: 6,49 € (50cl)

Moura Azeite Virgem Extra DOP

Outra cooperativa com pergaminhos na produção de azeite de qualidade. O que surpreende neste caso é o preço: 3,69 euros para uma garrafa de 75cl (comprada numa loja Continente). É muito barato, ainda mais tratando-se de um azeite DOP. Tem um gosto muito distinto, mais fresco do que é habitual encontrar até noutros azeites do Alentejo. Invoca-nos rama de tomate e até o molho que sobra nas saladas de tomate. No final sobressai o sabor a azeitona, mais concretamente a azeitona curtida, ainda com um ligeiro toque amargo.

Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos
Região: Alentejo
Preço: 3,69 € (75cl)

Oliveira Ramos Premium Virgem Extra

João Portugal Ramos é um dos muitos produtores de vinho que nos últimos anos entraram também no negócio do azeite, um fenómeno transversal a todo o país e que a está a puxar a qualidade do azeite nacional para patamares nunca vistos. Este seu Oliveira Ramos está entre os melhores do Alentejo. Feito com azeitonas das variedades Cobrançosa, Galega e Picual, tem um aroma muito frutado, a azeitona verde, e é bastante intenso de sabor, mostrando um bom equilíbrio amargo/picante no final.

João Portugal Ramos
Região: Alentejo
Preço: 9,90€ (50cl)

Casa de Santo Amaro Virgem Extra Premium

Francisco Pavão é um dos herdeiros desta casa transmontana e, como divulgador do azeite e provador renomado, é também um dos grandes responsáveis pelo boom dos azeites de quinta no Douro. Os azeites que produz têm geralmente uma cor pouco verde (a cor no azeite não tem importância, razão pela qual a prova se faz em copos escuros), mas basta cheirá-los e prová-los para se perceber a sua delicadeza, riqueza e complexidade. Invocam maçãs verdes e erva acabada de cortar. Na boca, são muito expressivos de sabor, terminando sempre com notas amargas e picantes de grande qualidade. É o caso deste Premium.

Casa de Santo Amaro
Região: Trás-os-Montes
Preço: 10€ (50cl)