“Queremos respostas e não vemos aqui ninguém”, queixam-se familiares de reclusos

Familiares dos reclusos queixam-se de silêncio após os desacatos na noite de terça-feira e da suspensão de visitas em época natalícia.

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Familiares de reclusos à porta do EPL na manhã desta terça-feira DR

A noite de terça-feira foi marcada pelos desacatos de um grupo de reclusos (entre 160 a 170) no Estabelecimento Prisional de Lisboa, que se revoltaram por não terem direito a visitas, como estava previsto. Houve gritos, material partido, caixotes e colchões queimados. Tratando-se de uma situação de emergência, o Grupo de Intervenção de Segurança Prisional (GISP) foi activado, mas acabou por não ser necessário actuar.

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A noite de terça-feira foi marcada pelos desacatos de um grupo de reclusos (entre 160 a 170) no Estabelecimento Prisional de Lisboa, que se revoltaram por não terem direito a visitas, como estava previsto. Houve gritos, material partido, caixotes e colchões queimados. Tratando-se de uma situação de emergência, o Grupo de Intervenção de Segurança Prisional (GISP) foi activado, mas acabou por não ser necessário actuar.

Quando Soraia percebeu o que se estava a passar através da televisão foi para a entrada do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), na esperança de obter respostas. A situação ficou resolvida por volta das 20h, depois de os reclusos terem sido fechados nas suas celas. Soraia ficou até à meia-noite e meia, mas acabou por voltar para casa sem informações sobre o que se tinha passado ou sobre o estado do marido, a cumprir pena há seis meses. “Disseram-nos que à partida não haveria visita, mas mandaram-nos vir à mesma porque estavam a ver se mesmo assim conseguíamos entrar”, conta ao PÚBLICO.

Esta quarta-feira de manhã, quando voltou às portas da prisão pelas 9h30, o silêncio manteve-se. Soraia faz parte de um pequeno grupo de cerca de uma dezena de mulheres que, entre mães, mulheres e namoradas, foram surpreendidas com a suspensão da visita. Encontraram-se à porta do EPL, mas aquilo que devia ser um protesto acabou por se transformar num encontro entre familiares que, entre si, tentam obter mais esclarecimentos e informações sobre a noite tumultuosa e as visitas dos próximos dias. A maioria não quer falar nem ser identificada por jornalistas. Dizem temer represálias nas visitas.

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MIGUEL A. LOPES / LUSA

“Eles são pessoas, não são animais”

“Até agora não sabemos nada deles. Não fomos informadas de nada e nem sequer nos deixam falar com eles através da cabine. Não sabemos o que está a acontecer”, repete Soraia, visivelmente abalada. “Queremos respostas. Eu não vejo aqui os directores, o presidente, não vemos ninguém. Desde ontem para hoje não entrou lá ninguém”, continua, preocupada. Diz ter medo de que existam sequelas do motim e que também os familiares sofram represálias, ainda que indirectamente. “Por um pagam todos, sempre foi assim. Deviam questionar o porquê de nós não falarmos, o porquê de não darmos a cara. Eles é que sofrem lá dentro. [Os guardas prisionais] implicam connosco, não vale a pena.”

À porta do estabelecimento, vai falando com dois ou três familiares que caminham no passeio enquanto aguardam por alguma informação vinda do interior. Enquanto o faz, queixa-se da falta de condições nas prisões e das restrições associadas às visitas. “Há bichos, baratas, ratos e frio. São condições horríveis. Horríveis. A comida chega a cheirar mal. Eles são pessoas, não são animais”, enumera. O testemunho é sustentado por uma outra familiar que ouve a conversa.

Além disso, queixa-se da falta de acompanhamento dos reclusos e da ausência de investimento na preparação para a integração na sociedade.

“Eles não lhes arranjam trabalho lá. O meu namorado quer estudar lá dentro e não lhe arranjam trabalho. Dizem-lhe que não. Se a pessoa entra ali e quer fazer, deixem-na fazer. Não há uma educação para quando chegarem cá fora terem algum tipo de saída. Eles são metidos cá fora com uma mão à frente e uma atrás”, afirma.

Com Soraia está também Ana Cristina, mãe de um dos reclusos. O filho não está entre os reclusos da Ala B, mas está solidária com os restantes familiares, uma vez que também se vê privada das visitas desta semana e deixa críticas ao estabelecimento prisional. “Mesmo quando não há greve, há alturas que só temos 20 minutos de visita, porque quando abrem a porta já começou o tempo [estipulado para a visita]. Depois é mostrar saco, mostrar comer e ser revistado. Chegamos lá dentro e em vez de estarmos uma hora, estamos uns minutos. Nunca conseguimos estar o tempo que devíamos estar por lei”, lamenta Ana Cristina.

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Aviso na porta do EPL dr

Adesão à greve dos guardas prisionais de 80%

O dia dos desacatos foi o último de quatro dias de greve dos guardas prisionais, com uma adesão que rondou os 80% — os guardas exigiam a revisão do seu estatuto profissional e a progressão na carreira, contestando ainda o novo horário de trabalho. Existem à volta de 5450 guardas prisionais para um universo de 13 mil reclusos.

No motim de terça, os reclusos pediam também direito a poder ter visitas no Natal e no Ano Novo, uma época especialmente difícil também para os familiares. “Como mãe sinto-me destroçada”, acrescenta Ana Cristina, que visita o filho há quatro anos. “É uma época que é muito familiar. Uma época em que é preciso estar com eles, mais do que nos outros dias.”

“Vou estar aqui nem que tenha que cá ficar dia e noite. Continuarei aqui a lutar pelos direitos do meu filho. E gostaria de saber quem é que tem a coragem de vir ter connosco e dizer que eles estão bem”, suspira. “Muita coisa é abafada aqui dentro”, acrescenta. Sem identificar as suas fontes, Ana Cristina fala em nove feridos ligeiros e embora sem dados concretos que o indiquem, teoriza sobre uma eventual agressão por parte dos guardas prisionais aos reclusos. “Porque ontem bateram nos reclusos e hoje não há visitas para não vermos as marcas. Tenho quase a certeza que foi isso que aconteceu. Porque é sempre o que acontece.”

Entre os familiares alarmados pelas notícias dos desacatos, houve quem tivesse chegado esta quarta-feira à porta da prisão sem saber o que se tinha passado e tenha sido surpreendido com o cancelamento da visita. É o caso de Sofia Germano que vinha visitar o marido. Quando chegou disseram-lhe que não podia entrar. “É uma vergonha o que estão a fazer. Uma vergonha. As pessoas trazem comida, bens, e deslocam-se para aqui e depois não há visita e ninguém nos avisa. Normalmente eles avisam sempre antes de fazer greve. Hoje ninguém disse nada, ninguém nos explica nada. Vou ter de ir embora e saio daqui sem saber de nada.”

Ao final da manhã desta quarta-feira, ninguém tinha ainda falado com os familiares.

Associação de apoio expressa solidariedade

A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) condenou os desacatos, mas mostrou-se solidária com os presos e os seus familiares. Em comunicado, a organização refere que os reclusos estão a sofrer por causa de "reivindicações que não lhes dizem respeito" — além disso, referem, a situação arrasta-se há anos.

"Fica demonstrado que não temos condições para assegurar a segurança dos reclusos dentro do estabelecimento prisional, devido à falta de pessoal", argumentou o dirigente do Sindicato Independente do Corpo da Guarda Prisional, Júlio Rebelo.

Portugal faz parte da lista de países que apresentam elevadas taxas de população reclusa (com dados relativos à década de 2005 a 2015), segundo revelou um relatório divulgado nesta terça-feira. Ainda que o relatório europeu trace um cenário de aumento em Portugal, os dados mais recentes divulgados em Outubro pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais portuguesa mostra que houve uma redução – ainda que continuem a existir cadeias sobrelotadas.