Xi Jinping chega a Lisboa com OPA em compasso de espera

Presidente chinês visita Portugal com a OPA sobre a EDP envolta em incertezas e várias contas de subtrair aos lucros da empresa em cima da mesa.

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A equipa liderada por António Mexia considera que o valor oferecido na OPA é baixo Daniel Rocha

Com o anúncio preliminar da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG) sobre a EDP a entrar no sétimo mês, e sem que, aparentemente, se tenham desatado os nós regulatórios que pairam sobre a operação, o presidente chinês Xi Jinping chega a Lisboa com uma agenda voltada, entre outros temas, para o reforço da “amplitude da cooperação pragmática” entre os dois países, conforme descreveu o líder chinês no artigo de opinião que publicou no Diário de Notícias e no Jornal de Notícias no passado domingo.

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Com o anúncio preliminar da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG) sobre a EDP a entrar no sétimo mês, e sem que, aparentemente, se tenham desatado os nós regulatórios que pairam sobre a operação, o presidente chinês Xi Jinping chega a Lisboa com uma agenda voltada, entre outros temas, para o reforço da “amplitude da cooperação pragmática” entre os dois países, conforme descreveu o líder chinês no artigo de opinião que publicou no Diário de Notícias e no Jornal de Notícias no passado domingo.

Com temas pendentes entre a eléctrica liderada por António Mexia e o Governo, será curioso ver como irá este pragmatismo aplicar-se ao assunto EDP, de que o Estado chinês já é, por via da CNIC e da CTG, o maior accionista, com 28,25% do capital.

Neles se inclui o acordo de princípio entre a EDP e o Governo para que a empresa retome o pagamento da taxa extraordinária da energia – que ainda em Outubro voltou a contestar em tribunal –, mas também as contas finais dos polémicos contratos CMEC (que se saldaram em menos 100 milhões de euros do que o reclamado pela EDP) e em que se inclui outra decisão, aprovada pelo Governo no Verão, que corta 285 milhões de euros aos ganhos da empresa. Também estas decisões estão a ser contestadas pela EDP (que no caso do corte de 285 milhões de euros realizou uma provisão extraordinária que afectou os lucros, mas garantiu não pretender diminuir o valor de dividendos a pagar aos accionistas).

Com o presidente da CTG, Lin Wang, integrado na comitiva de Xi Jinping, parece incontornável que estes temas sejam abordados ao mais alto nível, tal como o da própria OPA, sobre a qual o primeiro-ministro António Costa deixou claro desde o dia do anúncio que o Governo não tem “nada a opor”. O Executivo até já tinha incluído, no Verão de 2017, um ponto no Código dos Valores Mobiliários que poderá facilitar a vida aos investidores chineses, visto que abre a porta a que as duas entidades estatais chinesas (CTG e CNIC) possam votar em assembleia-geral com a totalidade do capital (28,25%), ultrapassando a limitação nos estatutos da EDP que impede um accionista de votar com mais de 25% do capital.

Ainda assim, aparentemente, o futuro da OPA continua incerto. De entre as várias autorizações regulatórias que a CTG estabeleceu como condição para o lançamento da oferta, apenas chegou luz verde do Brasil (sendo que é no caso dos Estados Unidos, que é o principal mercado da EDP Renováveis e o principal motor de crescimento do grupo, que parece mais improvável que a operação se possa fazer sem obrigar à venda ou à troca de activos com um concorrente).

E em Portugal há outra barreira que não vem no rol de condições, mas que pode vir a revelar-se intransponível: a certificação da REN como operador das redes de transporte de electricidade e gás natural pode ser posta em causa se se considerar que o reforço da CTG no capital da EDP gera um conflito de interesses entre os accionistas destas duas empresas. Isto porque a CTG é uma empresa estatal chinesa, tal como a State Grid, a empresa que detém 25% da REN, e as regras europeias obrigam à total separação entre as entidades que têm as actividades de transporte (REN) e aquelas que têm actividades de produção eléctrica (EDP). Mas essa é uma questão que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) só terá de avaliar se a OPA, com a qual a CTG procurará alcançar pelo menos 50% mais uma acção da EDP, for registada e avançar.

Bruxelas atenta

O tema está nos radares da Comissão Europeia que, no entanto - e apesar das tentativas de Paris e Berlim para conseguir dotar Bruxelas de instrumentos para bloquear os investimentos chineses em sectores considerados estratégicos -, apenas poderá pronunciar-se sobre o negócio numa óptica das concentrações de mercado e da concorrência. Contudo, se o tema da certificação da REN vier para cima da mesa, Bruxelas também poderá ter uma palavra a dizer. Embora a decisão final sobre a certificação caiba ao regulador nacional, as regras europeias sobre separação de actividades prevêem que “as entidades reguladoras deverão ter na máxima consideração o parecer da Comissão sempre que tomem decisões em matéria de certificação”.

O PÚBLICO questionou a CTG acerca das razões que estão a atrasar o processo e a empresa chinesa repetiu a resposta que já tinha enviado à Bloomberg no início de Novembro, garantindo que “continua a avançar com os registos regulatórios, continuando a trabalhar com uma vasta equipa de assessores em discussões com reguladores de diferentes jurisdições”.

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Fontes ouvidas pelo PÚBLICO recordam que (independentemente do futuro da OPA, que já é, só por si, sinal de uma nova atitude) a CTG já é a maior accionista da EDP. No entanto, até à data tem sido reticente em fazer corresponder o seu peso no capital ao poder efectivo na gestão. Algo que até poderá mudar, agora que a estrutura accionista da EDP deixou de contar com o fundo norte -americano Capital Group, investidor visto como próximo da gestão e como um contrapeso à influência chinesa.

No início de Outubro, o fundo norte-americano (o segundo maior accionista da EDP) reduziu a sua posição de perto de 10% para 2,95% e, duas semanas depois, anunciou a venda da totalidade das acções – no que foi descrito por Mexia como uma consequência do corte de 285 milhões aos ganhos.

A EDP pronunciou-se em Setembro sobre este tema, adiantando que os seus accionistas pretendiam iniciar processos de arbitragem contra o Estado português. Fontes ligadas à CTG garantiram ao PÚBLICO que não foi desencadeado qualquer procedimento.

Foi também a partir do mês de Setembro que a acção EDP passou a transaccionar consistentemente em níveis inferiores à contrapartida de 3,26 euros oferecida pelos chineses na OPA (um valor abaixo dos 3,45 euros por acção que pagaram na privatização e que a equipa de Mexia já considerou baixo). Na segunda-feira, os títulos fecharam a valer 3,11 euros.

Com a saída do Capital Group, a família espanhola Masaveu (através da Oppidum), voltou a ocupar o lugar de segunda maior accionista da EDP, com 7,19%, seguindo-se, com 5%, uma outra gestora de fundos norte-americana, a Blackrock (que também tem 4,8% da REN e 3,39% do BCP).

Mantêm-se com posições ligeiramente acima dos 2% os veículos de investimento de outros Estados estrangeiros: o Norges Bank (Noruega), a Qatar Investment Authority, a Sonatrach (Argélia), e a Mubadala, do Governo de Abu Dhabi. Como investidor de referência português resta o BCP e o fundo de pensões do BCP, com 2,43%.

A grande novidade foi a chegada ao capital da EDP – apenas quatro dias depois da saída do Capital Group – de Paul Elliott Singer, o investidor que ganhou fama (e o epíteto de “abutre”) ao investir em dívida argentina, e que comprou uma posição de 2,29% no capital da eléctrica.