Lamassa: um restaurante italiano no Estoril como os restaurantes italianos que só existem nos filmes

Este é o restaurante perfeito. É muito pequeno mas tem tudo o que se possa querer.

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Rui Gaudêncio

O restaurante de que vou falar parece um devaneio. Mas, ao contrário do pub perfeito que Orwell descreveu só para rematar que não existia, este restaurante existe.

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O restaurante de que vou falar parece um devaneio. Mas, ao contrário do pub perfeito que Orwell descreveu só para rematar que não existia, este restaurante existe.

Chama-se Lamassa e fica no Estoril, entre a Avenida dos Bombeiros Voluntários e o Vale de Santa Rita. Basta descer a rua para estar no excelente Supermercado Tradicional onde o senhor Rui, chefe de charcutaria e queijos, é, de todas as que conheci, a pessoa que mais sabe de - tudo.

O Lamassa é o restaurante perfeito. É muito pequeno mas tem tudo o que se possa querer. Romina Lamassa faz e recheia as mais maravilhosas massas frescas que já provei. É uma cozinheira de grande requinte - uma qualidade cada vez mais rara.

O Lamassa é ela, italiana, veterinária, o marido, português, biólogo, e uma amiga deles, italiana, arquitecta. São simpatiquíssimos mas profissionalíssimos também. O ambiente é genuinamente descontraído mas tudo funciona lindamente. Não há desculpas nem encolheres de ombros.

Há quatro mesas pequenas - e chegam. Os preços são irrecusáveis. Por 13 ou 14 euros compra-se um prato cheio de preciosidades, com os ravioli com cogumelos que é impossível deixar de comer.

A escolha de vinhos é original, com uma amplitude cativante. O maravilhoso Verdelho original 2017 da Ilha do Pico, feito por António Maçanita, custou 24 euros - quase o mesmo que custa numa garrafeira.

Têm vinhos italianos e portugueses bem escolhidos, com toda a gama dos vinhos da Adega de Colares, pois claro.

A cozinha de Romina Lamassa é a mais difícil de todas: é elevar a simplicidade às alturas. As massas não têm onde se esconder, os recheios não fazem batota. Ela arrisca tudo e somos nós que saímos a ganhar.

Ela é daquelas raras grandes cozinheiras que não se limitam a redefinir. Não, ela define. Tomemos, como exemplo, a panna cotta. A panna cotta de Romina Lamassa é uma obra-prima porque é, também, a única verdadeira panna cotta. As outras, ao pé desta, são todas imitações deficientes.

Se quer continuar a apreciar a panna cotta de outros restaurantes por esse mundo fora não caia na asneira de provar a que servem no Lamassa. Nunca mais conseguirá gostar de outra.

Eu, antes de ir ao Lamassa, gostava de todas as versões da panna cotta. Agora só consigo comer a do Lamassa.

O que é que tem de tão especial? Em primeiro lugar está a limpíssima simplicidade das natas, só subtilmente adoçadas para se perceber a sua acidez que, por sua vez, levantam o esplendor da compota carregada de framboesas, adoçadas minimamente para deixar passar o sabor estonteante das framboesas.

A primeira vez que almoçámos no Lamassa, a Maria João e eu não conseguimos parar de comer. Ainda hoje estou para saber o que se passou. Mandámos vir prato após prato de massas diferentes. As nossas papilas gustativas estavam em estado de choque: quem diria que uma mera massa fresca podia saber tão bem?

Comemos cinco pratadas de massa e depois, quando dividimos a primeira panna cotta, tivemos de pedir uma para cada um - e depois repetir, até não conseguirmos levantar-nos das cadeiras. Foi como se tivéssemos sido possuídos pelo diabo da gula. E o "como se" é como quem diz: fomos mesmo possuídos.

Até ir ao Lamassa eu tinha uma visão condescendente das massas frescas, como se fossem umas amuse-bouches. Agora sei que não é assim.

Um prato de ravioli de Taleggio, carregado de umami amanteigado, deita-nos por terra como se fora um ensopado de borrego.

Em mais nenhum restaurante se podem comer estas massas. Para quem quer tirar férias das massas há outros pratos italianos, impecavelmente realizados.

Quando se come tão bem como no Lamassa é natural que nos sintamos bem e que o ambiente se recomende. Só que o ambiente no Lamassa é verdadeiramente hospitaleiro e íntimo.

É como almoçar em casa de grandes amigos que já nos conhecem tão bem que não é preciso estar sempre a falar. Aquilo é a casa de um casal que nos recebe com a admirável simplicidade da cozinha que praticam.

Será que no futuro todos os restaurantes poderão ser assim, mais familiares ainda do que os antigos? Deus queira que sim - mas primeiro é preciso convencer Deus a ir ao Lamassa.