"Desigualdade à nascença" é a principal ameaça aos direitos das crianças

Dia Internacional dos Direitos da Criança assinala-se nesta terça-feira. Directora do Pordata lembra que a escola não está a conseguir atenuar as desigualdades "à velocidade necessária" para que determinismos sociais "terríveis" se apaguem.

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Portugal soma 163 municípios, dos 308 existentes, sem nenhum médico pediatra a residir Enric Vives Rubio

Da morte à ignorância, passando pela pobreza, quais são as principais ameaças às crianças portuguesas, 59 anos volvidos desde a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança, pela Assembleia Geral das Nações Unidas? “A pobreza e a ignorância andam associadas, porque sabemos que o sucesso escolar e o desempenho das crianças não são indiferentes ao meio em que nascem”, responde a demógrafa Maria João Valente Rosa.

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Da morte à ignorância, passando pela pobreza, quais são as principais ameaças às crianças portuguesas, 59 anos volvidos desde a proclamação da Declaração dos Direitos da Criança, pela Assembleia Geral das Nações Unidas? “A pobreza e a ignorância andam associadas, porque sabemos que o sucesso escolar e o desempenho das crianças não são indiferentes ao meio em que nascem”, responde a demógrafa Maria João Valente Rosa.

Eliminar esta “desigualdade à nascença” das crianças deve surgir no primeiro lugar da lista de prioridades dos decisores políticos em Portugal, país em que “subsistem determinismos sociais que impedem que todas as crianças estejam em iguais circunstâncias na sua trajectória”, defende a também directora do Pordata – portal estatístico da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Em Portugal, a pessoa tem mais sorte ou mais azar consoante o sítio e a família em que nasce: os rendimentos e o capital social de que esta dispõe... E não pode ser. A sorte e o azar não podem continuar a ser os determinantes na trajectória das nossas crianças, e nós, enquanto adultos, não podemos permitir que a trajectória de uma criança seja determinada, por exemplo, pelo azar de ter nascido num meio que não valoriza suficientemente a escola”, aponta Maria João Valente Rosa.

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A questão está assim em saber se a escola – principal nivelador social – "está a contribuir como devia para atenuar as desigualdades e se está a fazê-lo à velocidade necessária para que estes determinismos terríveis se apaguem”, acrescenta a directora do Pordata, para concluir que não: “Continuamos a ser muito marcados pelo insucesso escolar e o insucesso não é algo que aconteça por acaso”, acusa, para lembrar, por exemplo, que, em 2017, 13% das crianças e jovens “já não estavam a estudar mas não tinham completado o secundário”.

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Se recuarmos a 2001, a taxa de abandono escolar precoce era de 44,3%. Muito foi feito, portanto. E muito mais há a fazer. “A reincidência no insucesso escolar é muito importante e a retenção é algo que mancha a trajectória escolar. Não defendo que todos tenham de passar de ano, mas é preciso aqui um esforço adicional para que as crianças de meios desfavorecidos ou culturalmente mais frágeis consigam acompanhar o ritmo das crianças vindas de outros meios e que beneficiam de outros suportes e apoios.”

Por onde começar? “Podemos começar por olhar para a quebra demográfica como uma oportunidade”, responde ainda Valente Rosa. “Se há menos crianças a chegar à escola, porque nascem menos crianças, podemos começar por reduzir o número de alunos por turma, o que poderia fazer uma enorme diferença na actual dificuldade da escola em acompanhar todos os alunos”, sugere.

Desde há sete anos que as crianças com menos de cinco anos são numericamente inferiores aos idosos com 80 ou mais anos de idade. Actualmente, as crianças e jovens até aos 15 anos de idade representam 14% da população residente, contra os 29% de 1971. Esta diminuição deu-se apesar de a taxa de mortalidade infantil (número de crianças que morre antes de completar um ano de idade) ter diminuído, no que Portugal se tornou, de resto, um exemplo à escala internacional: em 1987 morriam 14,2 crianças com menos de um ano de idade por cada mil nascimentos e 30 anos depois, em 2017, esse número tinha descido para as 2,6 crianças por cada mil nascimentos.

Não há pediatra a residir em 163 concelhos

Por outro lado, e apesar da diminuição do número de jovens, e do aumento do número de médicos pediatras, que passaram de 1329 em 2001 para 2085 em 2017, Portugal soma 163 municípios, dos 308 existentes, sem nenhum médico pediatra a residir. “Os dados que obtivemos assentam nos locais de residência e é óbvio que um pediatra pode residir num município e exercer noutro”, ressalva a demógrafa. Para assinalar, porém, que há vários municípios contíguos que têm em comum, além das fronteiras, o facto de não disporem de qualquer pediatra. “No Alentejo, por exemplo, Barrancos, Moura, Mourão, Reguengos de Monsaraz e Portel não têm nenhum pediatra”, exemplifica, apontando também o (mau) exemplo do arquipélago dos Açores, onde Corvo, Flores, Graciosa, São Jorge, Faial e Pico não dispõem igualmente de pediatra.

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