“O mundo ainda não percebeu a aposta de Pequim na Inteligência Artificial”

Casey Lau é o “embaixador” da Web Summit em Hong Kong. Diz que está em curso uma batalha e que toda a startup que faz bem as coisas já recebeu uma chamada da China.

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Casey Lau diz que os fundos de investimento asiáticos querem fazer parte das "startups" mais relevantes ou promissoras em todo o mundo DR

Hong Kong está a ganhar protagonismo no panorama mundial do investimento tecnológico. Pequim pôs em marcha a iniciativa Greater Bay Area que pretende aproveitar o potencial de conhecimento e poder financeiro da região, projectando-a no mundo como uma porta de entrada na cena asiática. É a partir de Hong Kong que Casey Lau dá esta entrevista ao PÚBLICO.

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Hong Kong está a ganhar protagonismo no panorama mundial do investimento tecnológico. Pequim pôs em marcha a iniciativa Greater Bay Area que pretende aproveitar o potencial de conhecimento e poder financeiro da região, projectando-a no mundo como uma porta de entrada na cena asiática. É a partir de Hong Kong que Casey Lau dá esta entrevista ao PÚBLICO.

Como descreveria o cenário de startups e investidores na Ásia?
A Ásia, tal como a Europa, tem realidades muito diversas. Quando vemos que a Ásia ultrapassou o investimento europeu ou ameaça a liderança dos EUA, estamos basicamente a falar da China. É um país com mais de mil milhões de habitantes, onde qualquer startup tem de escalar o mais rapidamente possível porque os concorrentes vêm logo na peugada. É por isso que há muito dinheiro a ser injectado na China, que absorve 75 a 80% do financiamento em startups na Ásia.

Em termos de investidores, o panorama é equivalente. Há fundos muito fortes na China. E no Japão, como o Softbank Vision Fund, que investe fora da Ásia, mas é dinheiro asiático. Todos estes gigantescos fundos estão atentos ao que se passa no resto do mundo, querem fazer parte das startups mais relevantes ou promissoras.

A Ásia tem sido reconhecida como uma potência nas plataformas de comércio electrónico e de Inteligência Artificial. Qual é o segredo?
O cenário chinês no comércio é muito diferente do dos EUA, por exemplo. Há numerosas cidades de média dimensão (à escala chinesa) onde o acesso a determinados bens só é possível por comércio electrónico. Pequim e Xangai têm os grandes centros e zonas de comércio, mas cidades mais pequenas não e é nessas que as plataformas de e-commerce são fundamentais. Quem vive em Los Angeles ou em Boston tem acesso aos mesmos produtos, aos mesmos circuitos de distribuição, às mesmas marcas. Mas na China, o panorama é muito diferente. Até porque as distâncias por vezes são enormes – para largas camadas da população a ideia de se meter no carro para ir às compras não faz sentido. Por isso é que as empresas de logística que asseguram entregas suscitam tanto interesse nas tecnológicas.

E quanto à Inteligência Artificial….?
As principais universidades chinesas estão recheadas de excelentes cientistas, que estão a ser empurrados para o desenvolvimento de projectos nessa área. Está em curso uma guerra global por este tipo de talento e de tecnologia e ganhará quem conseguir agarrá-los. A China é uma das economias que têm posto uma quantidade gigantesca de recursos e de pessoas no desenvolvimento da Inteligência Artificial. Penso que o resto do mundo ainda não percebeu muito bem a dimensão e a relevância da aposta que Pequim fez a este nível. É um dos projectos verticais mais decisivos para um país que tem mais de mil milhões de habitantes.

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Thomas Peter/Reuters

Pode dar exemplos?
Há um par de startups que estão a desenvolver tecnologia de câmara para reconhecimento facial nos serviços de imigração, nos aeroportos. Para um país desta dimensão, isto é um desafio enorme e que, a funcionar, se traduzirá num ganho fenomenal em termos de tempo, de recursos, de poupanças e eficiência. A questão é que, depois de funcionar na China, esta tecnologia será vendida ao resto do mundo. Com base neste exemplo é fácil de adivinhar que a próxima superpotência mundial será o país que conseguir dominar estas tecnologias e outras do género.

Seria fácil para uma startup de fora entrar nesse mercado?
Não. A China ergueu um forte muro para controlar a entrada de empresas estrangeiras. Um dos melhores exemplos é a Netflix. Eles distribuem entretenimento em formato digital, não têm um produto físico e, por isso, podem cobrir um país em dois segundos, certo? Basta ligar o botão. Mas não o podem fazer na China, onde as regras são diferentes. A Netflix, ou qualquer operador do género tem de licenciar o conteúdo a um player local e as receitas têm de ser partilhadas. Se o aspecto financeiro é importante, há uma razão ainda mais relevante, que é o lado da censura, neste caso. Isto aplica-se mais ou menos da mesma forma às plataformas de e-commerce, é muito difícil vir de fora e tentar conquistar uma parte deste mercado gigante. Porém, para o resto da Ásia, isto já não se aplica. Toda a gente quer a China mas, tirando as diferenças culturais, entrar noutros países é muito mais fácil. E estes constituem um mercado ainda assim gigantesco para qualquer startup europeia: o Japão tem um mercado de 125 milhões de pessoas, na Indonésia são mais de 250 milhões de consumidores.

É mais fácil encontrar um investidor asiático do que entrar nesses mercados?
É muito mais fácil. O triunvirato BAT (Baidu, Alibaba e Tencent) investe fortemente nos EUA e na Europa, é muito activo em todo o planeta. É muito provável que uma empresa que seja muito famosa no teu país já tenha dinheiro de alguma das empresas deste universo. Se a tua startup está a fazer as coisas bem e a destacar-se no que faz então é muito provável que já tenha sido contactada por um investidor chinês. É uma estratégia vertical, em que todas crescem a par, e desenvolvem os negócios em conjunto.

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Jack Ma, fundador da Alibaba, na Conferência Mundial de Inteligência Artificial, de Setembro, em Xangai Aly Song/Reuters

Como é que começou a trabalhar com a Web Summit?
Conheci o Paddy Cosgrave em 2015. Eu trabalhava com startups desde 2009, fundei a Startups HK, que prestava apoio a novas empresas, organizava eventos, conferências e coisas do género. Apresentávamos também startups a investidores e aos media. Quando ficou decidido que a Rise se realizaria em Hong Kong, o Paddy apresentou-me a visão dele, que eu partilhava, e acabei por me juntar assim à equipa como o responsável pela Rise e o embaixador da Web Summit na Ásia. Penso que não podes escrever isto, mas eu sou o Paddy asiático [risos].

Porquê Hong Kong?
Penso que houve uma votação online. Mas Hong Kong é um hub asiático, de acesso fácil. Singapura também poderia ter sido escolhida, mas é mais difícil chegar até lá. Além disso, Hong Kong é sede, ou anfitriã, de muitas empresas de dimensão internacional e talvez haja em Hong Kong mais irlandeses (nacionalidade de origem de Paddy Cosgrave) do que em qualquer outra parte da Ásia!