Amores (e um filme) frustrados

Nem “febre” nem nenhuma espécie de vertigem: o filme, construído sobre um romance de Camilo Castelo Branco, cedo se acomoda num “bom gosto” visual.

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Paixões reprimidas, códigos sociais opressivos, personagens apanhadas pelo movimento da História: O Caderno Negro, construído sobre um romance de Camilo Castelo Branco (O Livro Negro do Padre Dinis), é feito da matéria de que se fazem os grandes melodramas, trágicos e exacerbados. Mas também é feito da matéria (a começar pela “matéria-Camilo”) de que se fizeram alguns grandes Oliveiras, em contraponto austero e despojado — e por isso, “especular” — à tradição melodramática clássica.

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Paixões reprimidas, códigos sociais opressivos, personagens apanhadas pelo movimento da História: O Caderno Negro, construído sobre um romance de Camilo Castelo Branco (O Livro Negro do Padre Dinis), é feito da matéria de que se fazem os grandes melodramas, trágicos e exacerbados. Mas também é feito da matéria (a começar pela “matéria-Camilo”) de que se fizeram alguns grandes Oliveiras, em contraponto austero e despojado — e por isso, “especular” — à tradição melodramática clássica.

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Mas vê-se O Caderno Negro (que em tudo e por tudo faz algumas tangentes as As Linhas de Wellington, o projecto que Valeria Sarmiento concluiu depois de o seu marido, Raul Ruiz, ter morrido antes de o poder concretizar) e a sensação é a de que a realizadora ficou numa espécie de território neutro entre estes dois pólos, eventualmente sentindo a tentação de cair ora num ora noutro mas acabando por orientar o filme pelo “meio do caminho”, numa ilustração meramente funcional que desperdiça o “extremismo” expressivo. Está lá o rigor da composição — os planos, frequentemente fixos como “tableaux”, cuidadosamente enquadrados, a fazer fintas à pintura francesa do século XVIII — assim como está lá o eco da História (que vai de um tempo antes da Revolução francesa à época napoleónica), dado exactamente assim, enquanto “eco” (aliás, em puro estilo série B, com os bosques e palacetes de Sintra a servirem de “estúdio” que tanto vale para “recriar” Versalhes, como Roma, como Londres…). Só que, apesar das sequências propriamente febris da protagonista (Lou de Laage), nem a “febre” nem nenhuma espécie de vertigem se transmitem realmente ao filme, que cedo se acomoda num “bom gosto” visual para raramente o transcender, passar a outra coisa, sugerir com autêntica força o carácter funesto da história e do destino dos seus protagonistas (mesmo a “frustração”, tema que subjaz à narrativa e faz parte da sua conclusão, e que tanto faz pensar em Oliveira, porque esse era um dos seus temas maiores, passa como uma nuvenzinha, que se pressente mas não se sente). E assim, apesar dos actores — do “akermano-garreliano” Stanislas Merhar à pequena e truculenta participação de Joaquim Leitão — a verdadeira frustração fica do lado do espectador de O Caderno Negro. Que tem também um versão mais longa, a ser apresentada como mini-série televisiva, e não sabemos, pode ser que nessa montagem as debilidades se apaguem perante outras eventuais virtudes.