Morreu Mariema, "a última grande vedeta do teatro de revista"

Conhecida cantora de O Fado Mora em Lisboa e como figura do teatro desde os anos 1960, nos últimos anos entrou, como actriz, em séries como Conta-me como foi e filmes como Os Gatos Não Têm Vertigens.

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A actriz Mariema morreu no domingo à noite, em Lisboa  "morreu a última grande vedeta do teatro de revista", resumiu ao PÚBLICO o seu amigo e também actor Miguel Villa. Mariema tinha 75 anos e faleceu no Hospital de Santa Maria, como disse esta segunda-feira à agência Lusa fonte da Casa do Artista, onde a actriz residia há cerca de uma década. "Durante décadas foi vedeta absoluta do Parque Mayer", sublinham o encenador Filipe La Féria e o Teatro Politeama.

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A actriz Mariema morreu no domingo à noite, em Lisboa  "morreu a última grande vedeta do teatro de revista", resumiu ao PÚBLICO o seu amigo e também actor Miguel Villa. Mariema tinha 75 anos e faleceu no Hospital de Santa Maria, como disse esta segunda-feira à agência Lusa fonte da Casa do Artista, onde a actriz residia há cerca de uma década. "Durante décadas foi vedeta absoluta do Parque Mayer", sublinham o encenador Filipe La Féria e o Teatro Politeama.

"Era uma mulher deslumbrante, que parou Lisboa", recorda Miguel Villa, também actor e que se estreou, aos 18 anos, primeiro como técnico de palco numa revista com Mariema Mendes de Campos em 1987, no Teatro Villaret, em Ora Bate, Bate Manso e depois como actor contracenando com a estrela portuguesa em Amar Lisboa, no Teatro ABC, em 1996. "Quando fui para o teatro já a conhecia da televisão, fiquei fascinado", diz o actor que em 2010 cedeu parte do seu espólio de coleccionador para a exposição com que a Junta de Freguesia de Carnide homenageou Mariema. "Foi uma das maiores actrizes do teatro de revista em Portugal", reforçam o Politeama e La Féria em comunicado.

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Mariema Mendes de Campos não gostava de revelar a data de nascimento, como assinalava a Lusa esta manhã, mas segundo Miguel Villa cumpriu 75 anos no passado dia 3 de Setembro. Nasceu em Lisboa, no bairro de Campo de Ourique, e foi a criadora do tema O fado mora em Lisboa, que interpretou em estreia no Teatro Maria Vitória, no Parque Mayer, e que se tornou num grande êxito do cançonetismo da década de 1960 em Portugal. A nota de pesar do Politeama é mesmo intitulada "O fado já não mora em Lisboa".

Vítor Pavão dos Santos confirma a relevância de Mariema na história da revista. "Ela tinha uma maneira de representar que era diferente, muito aberta, sempre muito risonha e quase chaplinesca", diz o historiador de teatro, acrescentando que a actriz "quase de desdobrava em cena", além de que cantava também em castelhano.

E para realçar o estatuto de intérprete que Mariema conquistou na sua carreira, Pavão dos Santos recorda que "a própria Amália Rodrigues gostou tanto de a ouvir interpretar O fado mora em Lisboa que, no final, a foi cumprimentar e elogiar ao camarim", um gesto que não era muito habitual na grande diva portuguesa do fado. 

Vítor Duarte Marceneiro conta, no seu blogue Lisboa no Guiness, citado pela Lusa, que Mariema foi descoberta pela fadista Deolinda Rodrigues quando cantava num restaurante. Esta recomendaria depois a sua ida para o teatro. Estrear-se-ia como actriz em 1964 no Teatro ABC, um dos muitos do Parque Mayer onde foi estrela nas décadas seguintes, na revista É regar e pôr ao luar. A companhia teatral Artistas Unidos elenca algumas das revistas em que Mariema participou: Ai venham vê-las, com Fernanda Borsati, Sopa no Mel, onde pontuava o seu êxito O Fado mora em Lisboa, ou Pão, Pão, Queijo, Queijo… e A Ponte a Pé.

Descrita pela companhia como “uma das mais originais actrizes do nosso teatro”, fez par com o emblemático José Viana e trabalhou com os Artistas Unidos nas peças Seis Personagens à Procura de Autor, de Luigi Pirandello, onde foi dirigida por Jorge Silva Melo no palco do Teatro São Luiz, tendo também integrado o elenco de Sangue Jovem, de Peter Asmussen. Em 2015 esteve em Três (Velhas) Irmãs, no Teatro Nacional D. Maria II, com Graça Lobo e Paula Só. Mais recentemente, com Filipe La Féria, actuou nos musicais de grande sucesso Amália e My Fair Lady. "No musical Amália, Mariema teve uma das suas melhores interpretações no papel de Lucinda Rebordão, mãe de Amália. Esta interpretação teve os maiores elogios em toda a imprensa francesa, nomeadamente no Le Monde que considerou Mariema uma actriz de excepção, comparando-a a Anna Magnani", detalha o Teatro Politeama na nota enviada às redacções.

"Era uma pessoa muito fechada, não gostava de se ver na televisão. Comparo-a muito com a fadista Beatriz da Conceição — ambas se refugiavam muito nas suas vidas, não queriam aparecer", recorda Miguel Villa sobre um percurso em que as últimas actuações seriam precisamente na televisão: foi a Menina Emília na série Conta-me como foi, teve um papel em Morangos com Açúcar ou Liberdade 21 e pontuou em Grande Noite, de La Féria. No cinema fez parte do elenco de filmes de sucesso nas bilheteiras como Refrigerantes e Canções de Amor, de Luís Galvão Teles, Axilas, de José Fonseca e Costa, ou Os Gatos Não Têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos.

Este realizador diz ao PÚBLICO que foi buscar Mariema para um pequeno papel no seu filme como uma forma de "prestar homenagem aos actores da revista, que raras vezes são aproveitados no cinema português". Considerando que "a revista foi das poucas actividades criativas que sobreviveram [ao tempo do Estado Novo], e que o Parque Mayer sempre conseguiu manter uma certa irreverência, nomeadamente na sátira política", Vasconcelos sempre achou que os seus actores eram mais polivalentes do que os do chamado teatro declamado. Daí ter, por várias vezes, recorrido a eles, e lembra os casos de Raul Solnado (Aqui d'El Rei e Call Girl) ou de Nicolau Breyner, que foi intérprete em vários dos seus filmes.

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"No caso da Mariema, eu sabia que ela era uma grande actriz da revista, e fui buscá-la à Casa do Artista para um pequeno papel em Os Gatos Não Têm Vertigens para lhe dizer que ela não estava esquecida", diz o cineasta, que actualmente tem em pós-produção o seu novo filme, que se chamará precisamente? Parque Mayer.

Em 1970, Mariema foi premiada pela Casa da Imprensa na categoria Teatro de Revista. Era uma estrela, "o seu casamento foi muito badalado em Lisboa", lembra ainda Miguel Villa, que confessa que Mariema tanto "era uma pessoa muito difícil" quanto "uma pessoa extraordinária, que quando gostava dos colegas ajudava muito". Na sua vida "passou por grandes dificuldades financeiras", admitiu o amigo de décadas, que nos últimos anos diz ter-se afastado de Mariema. 

O funeral da actriz realizar-se-á na quarta-feira, às 10h30, com missa no Centro Funerário do Santo Condestável (a Campo de Ourique), em Lisboa, seguindo para o Cemitério dos Prazeres. O corpo será colocado em câmara ardente esta terça-feira, a partir das 18h.