Quando as mulheres da Maia foram das primeiras a vestir as calças

Entre lavadeiras, leiteiras, pinheireiras e outras, várias eram as profissões que a mulher da Maia tinha nos séculos XIX e XX. A história é contada no livro A mulher da Maia - da Maia à urbe portuense, editado este sábado.

Foto
O livro é uma investigação do Clube UNESCO da Maia. André Rodrigues

Com o objectivo de conservar e homenagear o património cultural e imaterial da Maia, o Clube UNESCO daquela cidade lançou, neste sábado, um livro de investigação focado em questões relacionadas com a igualdade de género. Entre elas, o lugar e importância que a mulher maiata ocupava na sociedade, durante finais do século XIX e a primeira metade do século XX.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Com o objectivo de conservar e homenagear o património cultural e imaterial da Maia, o Clube UNESCO daquela cidade lançou, neste sábado, um livro de investigação focado em questões relacionadas com a igualdade de género. Entre elas, o lugar e importância que a mulher maiata ocupava na sociedade, durante finais do século XIX e a primeira metade do século XX.

A mulher da Maia — da Maia à urbe portuense conta a história dos vários ofícios que existiam. Falar da Maia e das suas gentes à época não é o mesmo que falar da cidade que se vê hoje. A começar pelas longas viagens que as mulheres faziam descalças, para poupar a sola dos sapatos, desde as terras da Maia até ao Porto, a cidade. Até chegar às rixas que armavam para lutarem pelo melhor lugar para trabalhar ou, simplesmente, por lutas amorosas.

Na altura, a agora cidade era um território bem mais rural e com imensas terras de lavoura onde dominavam as actividades agrícolas e artesanais. Apesar da proliferação da indústria em finais do séc. XIX, os trabalhos que exigiam mais mão-de-obra, ao contrário do que se pensava, eram, afinal, em elevado número. Os ofícios que as mulheres ocupavam, esses, eram mais de 50. Uns mais residuais que outros, é claro, como é o caso das galinheiras ou das guardas da linha do comboio.

Os investigadores chegaram até a encontrar algumas profissões um tanto caricatas: a pinheireira. Este ofício englobava as primeiras mulheres a usarem calças em Portugal. A pinheireira mostrava uma grande destreza física e, em vez de apanhar as pinhas que se encontravam no chão, escalava as árvores. As calças que usava eram as do marido e, cá em baixo, as colegas tinham a função de apanhar as pinhas que ela, lá em cima, lançava. Um trabalho duro e feito em equipa que terminava, depois da apanha, com elas a percorrem, juntas, alguns quilómetros munidas a empurrar um pesado carrinho de mão.

A maioria era analfabeta e enquanto umas recordam os tempos idos com saudade e alegria, outras não querem sequer lembrar essa altura. São “mulheres versáteis, polivalentes e laboriosas”, aquelas que o livro trata, apontou Hélder Barbosa, um dos autores. Capazes de tomar conta da casa e da vida doméstica, assim como da educação dos filhos, e ainda contribuir economicamente para o lar na ausência do marido, chegando mesmo a rivalizar com o cônjuge.

“Não se fala aqui de emancipação social da mulher, mas sim económica” porque tinha um papel muito importante para a economia do lar, assinalam os autores — 11 investigadores, no total.

As lavadeiras e as leiteiras, profissões mais comuns, tinham tanta importância, na época, que o comboio que por ali passava até lhes ganhou o nome. As primeiras bem conhecidas pelas rixas que provocavam, chegaram a popularizar um ditado em sua honra: “Lavar a roupa suja”. Ao mesmo tempo que lavavam a roupa, “davam à língua umas sobre as outras, sobre os amores e desamores, as paixões”, esclareceram entre risos.

Estas mulheres lavavam as roupas das senhoras da cidade em diversos sítios. Águas Santas, como o próprio nome indica era um sítio de predilecção. O trabalho iniciava cedo, em tempo e idade. Perto das 5h lá iam elas para conseguir o melhor lugar e assim não terem que levar com o sabão das roupas da colega. Havia ainda “as privilegiadas”, trabalhadoras que em vez de irem para o rio, onde a água era mais fria, a troco de favores agrícolas ou pagamento podiam lavar as roupas nas poças de lavradores ou moleiros conhecidos. Uns tinham tanques e aí ficavam de pé e mais confortáveis.

Já as leiteiras eram capazes de carregar 25 litros à cabeça, indo descalças até à fronteira do Porto, a Circunvalação, onde encontravam a Polícia, que não permitia a sua entrada descalças. Mas, lá, entravam apenas com um sapato à vista e o outro escondido.

Estas e outras histórias podem ser encontradas no livro, que foi apresentado neste sábado na Maia.

Texto editado por Ana Fernandes