Deve ser legal? Conferência junta ex-prostitutas em Lisboa

Iniciativa da Plataforma Portuguesa pelos Direitos das Mulheres marca arranque de campanha pela adopção em Portugal do “modelo nórdico”, que penaliza os clientes.

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Sabrinna Valisce começou a questionar-se logo em 2003, quando a Nova Zelândia descriminalizou a prostituição. As taxas cobradas às trabalhadoras do sexo para trabalhar nos bordéis começaram a subir, alguns locais impediam as prostitutas de negociar directamente com os clientes, aos problemas relacionados com segurança não eram dadas respostas, e era difícil encontrar apoios específicos para mulheres que queriam abandonar a actividade. Sabrinna Valisce colocava estas questões ao New Zealand Prostitutes' Collective (NZPC), organização de que fez parte ao longo de vários anos. Respondiam-lhe que, de facto, isso “não estava no espírito da nova lei”, mas “nada foi feito”. “E é assim que as coisas são agora."

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Sabrinna Valisce começou a questionar-se logo em 2003, quando a Nova Zelândia descriminalizou a prostituição. As taxas cobradas às trabalhadoras do sexo para trabalhar nos bordéis começaram a subir, alguns locais impediam as prostitutas de negociar directamente com os clientes, aos problemas relacionados com segurança não eram dadas respostas, e era difícil encontrar apoios específicos para mulheres que queriam abandonar a actividade. Sabrinna Valisce colocava estas questões ao New Zealand Prostitutes' Collective (NZPC), organização de que fez parte ao longo de vários anos. Respondiam-lhe que, de facto, isso “não estava no espírito da nova lei”, mas “nada foi feito”. “E é assim que as coisas são agora."

Hoje com 45 anos, Sabrinna Valisce trabalhou como prostituta ao longo de 20 anos, de forma intermitente, na Nova Zelândia e na Austrália, tanto em territórios onde a actividade era proibida como em lugares onde era perfeitamente legal. Militou a favor da descriminalização da prostituição, mas hoje é activista da organização SPACE International, defensora do chamado “modelo nórdico”, que criminaliza os clientes e aposta em vias de saída da prostituição. Estará em Lisboa contar a sua experiência nesta sexta-feira, na conferência internacional Exit Prostitution, uma iniciativa da Plataforma Portuguesa pelos Direitos das Mulheres (PpDM) e do Lobby Europeu das Mulheres (LEM) para debater políticas públicas sobre o sistema da prostituição em diferentes países.

Em Portugal vigora actualmente um modelo que se pode considerar abolicionista, em que o proxenetismo é penalizado através do crime de lenocínio. Face a um consenso cada vez maior na academia portuguesa quanto à necessidade de se regulamentar o trabalho sexual — exercido de forma consentida e informada entre pessoas adultas —, garantindo direitos, algumas associações feministas têm feito esforços para que se legisle no sentido oposto, o de considerar a prostituição uma forma de violência contra as mulheres. Uma das propostas é a adopção do modelo nórdico.

"Vozes de sobreviventes"

“Queremos trazer vozes de sobreviventes da prostituição que estão a advogar a nível internacional”, relata Ana Sofia Fernandes, secretária-geral da PpDM e vice-presidente do LEM.

No Centro Maria Alzira Lemos, em Monsanto, estarão outras “sobreviventes do sistema de prostituição” como Rachel Moran, autora do livro Paid For — My Journey Through Prostitution, e Huschke Mau, que contará a sua experiência na Alemanha, onde a prostituição foi legalizada em 2002. Os debates centram-se ainda em temas como o papel dos jovens na promoção da igualdade social ou a aplicação de políticas abolicionistas na prática, contando com políticos e representantes de organizações não-governamentais de toda a Europa.

O momento da conferência é também o início de uma campanha da PpDM para divulgar este modelo conhecido como “o novo abolicionismo”, que entrou em vigor pela primeira vez na Suécia, em 1999, penalizando não apenas a exploração do trabalho sexual de outrem (proxenetismo) mas também a compra de serviços sexuais. Recentemente, a propósito da criação de uma Plataforma sobre o Trabalho Sexual promovida pela Câmara Municipal de Lisboa, a PpDM foi uma das subscritoras de uma petição em conjunto com o Movimento Democrático das Mulheres (MDM) e a associação O Ninho, pedindo que fosse retirada a referência à expressão “trabalho sexual” da plataforma municipal e que se redireccionassem os esforços da câmara para o apoio à saída do “sistema prostitucional”.

Para Sabrinna Valisce, na reflexão sobre os diferentes modelos, é importante reunir mulheres de todo o mundo para dizerem "isto é o que vocês precisam saber". O caso da Nova Zelândia é paradigmático no que toca a processos de regulamentação do trabalho sexual, não apenas pelo resultado — a descriminalização de todas as actividades ligadas à prostituição, incluindo os bordéis —, mas pelo facto de a mudança ter sido decidida ouvindo os trabalhadores do sexo. Contudo, segundo conta a neozelandesa, muitas das garantias dadas ao longo desse processo não foram cumpridas, e os “buracos” na lei que se foram revelando não foram sempre colmatados.

“O problema é que muito poucas pessoas no NZPC tinham trabalhado antes e depois da mudança da lei, ou seja, elas não viveram a mudança, não sentiram que direitos ganharam, e que direitos perderam”, reflecte. Para Sabrinna, a diferença era clara: “Ganhámos o direito de não sermos criminalizadas, mas perdemos o poder sobre o que queremos ou não fazer, em que ambientes queremos trabalhar, e quanto dinheiro estamos a receber.”

Um dos principais problemas associados à prostituição é o estigma que recai sobre as pessoas que prestam serviços sexuais comercialmente, olhadas por alguns como delinquentes, por outros como alvos fáceis de violência. Na Nova Zelândia, descreve Sabrinna Valisce, a descriminalização por si só não solucionou este problema. “Passaram-se 15 anos desde que a lei mudou, e o estigma continua forte como sempre foi. Acho que os homens nunca vão ‘desestigmatizar’ as mulheres. Não importa que lei existe, vão continuar a distinguir as boas mulheres das más mulheres.”

Hoje em dia, prefere a palavra prostituta ao termo trabalhadora do sexo, já que, afirma, “proxenetas e traficantes têm-se descrito” dessa forma e isso “obscurece quem faz o quê e quem fala por quem”. Por outro lado, não se vê como “sobrevivente”, um termo comum entre as “abolicionistas”, descrevendo-se simplesmente como uma pessoa que saiu da prostituição. “Uma linguagem mais neutra é melhor, porque permite a cada indivíduo decidir a sua narrativa.”

Para Sabrinna Valisce, um dos pontos fortes do modelo nórdico é o foco no apoio que é dado às pessoas que não queiram continuar na prostituição, algo que considera ter falhado no seu país. Mas prefere que isso seja feito sem constrangimentos, permitindo a cada uma “construir o seu caminho para sair quando estão preparadas”. “Que possam dizer que querem este apoio, mas não aquele outro, continuar a fazer o que fazem, mas ter ajuda para irem mudando o que precisam. Sem pressão.”

"Jamais criminalizar"

Apesar de ter uma abordagem abrangente, que passa também pela educação para a sexualidade nas escolas, este não é, contudo, um modelo sem defeitos. Em França, onde o modelo nórdico foi adoptado em 2016, as circunstâncias do assassinato da prostituta Vanesa Campos, em Agosto deste ano, têm sido associadas à legislação que empurra as trabalhadoras do sexo para situações de perigo.

Na pioneira Suécia, de acordo com um estudo publicado no ano passado, a criminalização das pessoas que compram serviços sexuais colhe cada vez maior apoio, mas tem havido também mais pessoas que consideram que a venda de sexo deveria ser igualmente penalizada — ou seja, o estigma permanece. Ao PÚBLICO, Ana Sofia Fernandes, da PpDM, é peremptória: “A nossa posição é jamais criminalizar as pessoas na prostituição."

Na próxima terça-feira, Sabrinna Valisce é recebida na subcomissão para a Igualdade do Parlamento para falar sobre a forma como a descriminalização da prostituição foi levada a cabo na Nova Zelândia.