Investigadores voltam a reunir esforços para legalizar a prostituição

Há um consenso entre os 21 membros do Grupo Interdisciplinar de Investigadores sobre Trabalho Sexual: todas as formas de exploração do trabalho sexual devem ser descriminalizadas e os direitos laborais dos trabalhadores devem ser garantidos.

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Nelson Garrido

Há um grupo que junta duas dezenas de investigadores de universidades e institutos portugueses que pretende intervir no debate político e defende a ideia de que devem ser descriminalizados todos os aspetos do trabalho sexual, o que inclui o lenocínio, garantindo direitos laborais aos trabalhadores do sexo em Portugal. Chama-se Grupo Interdisciplinar de Investigadores sobre Trabalho Sexual (GIITS) e é apresentado nesta quarta-feira, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, a propósito do Dia Internacional Contra a Violência sobre Trabalhadores do Sexo, a assinalar no domingo.

Juntar num grupo investigadores que estudam o trabalho sexual é uma ideia com 12 anos. Já tinha sido tentada em 2005. Na altura, eram poucos, não avançou. Foi finalmente criado em Maio e é apresentado agora no decorrer do seminário Trabalho sexual, políticas e direitos humanos. Hoje junta 21 pessoas entre sociólogos, psicólogos, juristas, antropólogos, especialistas em criminologia e estudos de género.

Há agora um contexto político diferente do de 2005. A regulamentação do trabalho sexual é um dos objectivos da Juventude Socialista, que em Junho levou uma moção a ser aprovada no congresso do PS. E há um debate nacional prometido pelos socialistas.

Importa informar, diz Alexandra Oliveira, investigadora da Universidade do Porto e primeira signatária do manifesto do GIITS. Por isso, querem partilhar o conhecimento que produziram, impulsionar eventos, discutir criticamente os temas. “Estamos num momento em que há grupos que apoiam o modelo abolicionista sueco [que criminaliza os clientes], numa lógica simplista de que temos que perseguir aqueles que fazem as vítimas. Há aqui uma posição ideológica muito forte, sem qualquer base científica”, advoga a especialista na área do trabalho sexual, doutorada no tema. Longe de ser uma questão consensual, a prostituição é vista por algumas associações como uma forma de violência, que se deve abolida.

Para os membros do GIITS, a prostituição não se confunde com exploração sexual e tráfico humano. “De facto, algumas das pessoas que se prostituem são vítimas desses crimes, mas a grande maioria não tem qualquer ligação às redes de tráfico”, suporta Alexandra Oliveira. “E existe legislação no Código Penal para fazer frente a essas situações abusivas.”

O grupo rejeita que os trabalhadores sexuais sejam vítimas. “A maioria das pessoas que exerce trabalho sexual não se define como vítima, nem considera que é sexualmente explorada”, lê-se no manifesto. “Estamos a falar de adultos livres e conscientes, que não podem declarar rendimentos, fazer descontos, tirar férias, ficar de baixa ou ter licença de maternidade ou paternidade", acrescenta Alexandra Oliveira.

Em Portugal, pode-se prestar um serviço sexual pago, mas terceiros não a podem “fomentar, favorecer ou facilitar”, sob pena de prisão de seis meses a cinco anos. O encarceramento pode chegar aos oito anos, quando há violência ou ameaças.

A discussão sobre a constitucionalidade do lenocínio tem vários anos, mas conheceu novos apoios recentemente em tribunais superiores e no Tribunal Constitucional: em Fevereiro, a Relação do Porto considerou o crime inconstitucional e, há um ano, dois juízes do Tribunal Constitucional, incluindo o presidente Manuel Costa Andrade, votaram no mesmo sentido.

Investigadores pedem "alternativas realistas"

Os investigadores pedem que as mudanças legislativas incluam também formas de oferecer “alternativas realistas” e economicamente viáveis para quem queira deixar o trabalho sexual.

O consenso que Mara Clemente, socióloga do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa especialista em políticas de prostituição, diz existir entre quem “estuda o tema há anos e tem um olhar crítico” não existe na política ou na sociedade. Daí a necessidade de o debate se alimentar do conhecimento produzido nas universidades, acredita esta membro-fundadora do GIITS. Para pertencer ao grupo, os investigadores têm que subscrever o manifesto.

O seminário desta quarta-feira inclui ainda outra voz contra o modelo abolicionista: Pye Jakobsson, investigadora, antiga trabalhadora do sexo e uma das fundadoras da associação sueca Rose Alliance.

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