Erdogan ajuda a lira a afundar-se com críticas ao "lobby das taxas de juro"

O Presidente turco dá crédito a teorias económicas pouco convencionais: diz que as taxas de juro elevadas fazem aumentar a inflação, e não o contrário, e tem atacado o que denomina de “lobby das taxas de juro” estrangeiro

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Os investidores receiam que Erdogan não aceite uma subida das taxas CEM OKSUZ/REUTERS

Os autocratas e os mercados nem sempre estão de acordo. Afinal, para cada Lee Kuan Yew de Singapura, que aceitou o crescimento induzido pelas exportações como algo que se assemelha a um fervor religioso, há um Nicolás Maduro da Venezuela, que tentou amordaçar os mercados tal como fez com o seu povo, acreditando erradamente que isso faria os seus problemas económicos desaparecerem.

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Os autocratas e os mercados nem sempre estão de acordo. Afinal, para cada Lee Kuan Yew de Singapura, que aceitou o crescimento induzido pelas exportações como algo que se assemelha a um fervor religioso, há um Nicolás Maduro da Venezuela, que tentou amordaçar os mercados tal como fez com o seu povo, acreditando erradamente que isso faria os seus problemas económicos desaparecerem.

Entre estes dois extremos está o presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia: um chefe de Estado que não gosta que a realidade económica nem sempre esteja de acordo com os seus desejos, que amiúde se enfurece por isso, com uma mistura de ignorância e bravata — as taxas de juro para além do seu controlo são “o demónio reencarnado”, gracejou recentemente —, mas que apesar disso tem relutantemente aceitado as coisas quando não tem outra hipótese.

Bem, pelo menos até agora. O desempenho da lira poderá ser ainda pior se Erdogan cumprir a promessa de controlar ainda mais a política económica. Fundamentos errados e má governação não são, afinal, uma boa combinação.

Esta história começou realmente há dez anos, quando as taxas de juro zero nos países ricos provocaram a entrada abundante de dinheiro nos mercados emergentes, que procuravam o lucro. Isto fez com que as acções, obrigações e moeda se valorizassem, mas tornou as suas economias tão dependentes destes fluxos que se tornaram vulneráveis, no caso de a situação se reverter.

De facto, só foi preciso o então presidente da Reserva Federal Ben Bernanke dizer, há cinco anos, que os Estados Unidos poderiam começar a imprimir menos dinheiro em breve — o que significaria que não haveria tantos dólares para investir no estrangeiro — para os mercados emergentes mais frágeis começarem a cair a pique. Estes eram os que ainda tinham a prática de fazer empréstimos no estrangeiro e não tinham fundos em dólares para os dias difíceis.

Este momento de crise há cinco anos foi o sinal de alerta de que estes países precisavam para reforçar as suas posições e, de facto, a maior parte fê-lo. A Turquia, porém, foi uma excepção. Sim, cortou no endividamento externo, mas ainda representa um valor substancial de 5,5% da sua economia. E as suas reservas em dólares não são suficientemente grandes para servirem de amortecedor.

Não é surpresa então, que a lira turca esteja sob muita pressão. O banco central dos Estados Unidos não só tem aumentado as taxas — sugando dinheiro dos mercados emergentes, uma vez que os investidores americanos podem lucrar mais internamente —, mas parece também estar a fazer um pouco mais do que o esperado, já que a taxa de desemprego nos Estados Unidos baixou para uns meros 3,9%. O resultado disto é que a lira turca desceu 40% em relação ao dólar desde o princípio do ano.

Uma moeda mais barata vai ajudar a exportar mais; exportar mais irá gerar mais dinheiro para poupar; e mais poupanças querem dizer que não estará tão dependente de empréstimos estrangeiros. Problema resolvido! Ou assim seria se os bancos turcos não tivessem pedido tantos dólares emprestados e concedido tantos empréstimos em liras que agora valem muito menos do que anteriormente. Isto quer dizer que a descida da lira não é assim tão benigna como parece; na verdade é o oposto.

A resposta normal a esta situação seria aumentar as taxas de juro até se tornarem tão atraentes para os investidores que levem o seu dinheiro de volta para o país, em busca de lucro, e nesse processo, valorizem a lira novamente. Isto evitaria que os bancos não honrassem as suas dívidas em dólares, embora provocasse um crescimento muito mais lento.

Mas Erdogan não quer isso. Apesar de ter ganho as eleições de Junho e pareça ter tudo a seu favor, depois de deter jornalistas, de tornar os tribunais numa fachada e intimidar a oposição, quer que a economia melhore.

Só que Erdogan dá crédito a teorias económicas, digamos, pouco convencionais. Há muito que o Presidente turco diz que as taxas de juro elevadas fazem aumentar a inflação, e não o contrário, e tem atacado o que ele denomina de “lobby das taxas de juro” estrangeiro, acusando este grupo indefinido de ter tentar prejudicar a economia turca usando a inflação de dois dígitos como desculpa para taxas mais altas.

Se não ligarmos à dissonância cognitiva — Erdogan parece compreender que taxas mais altas abrandam o crescimento, mas incongruentemente afirma que fazem aumentar os preços mais rapidamente também —, a questão é que ele tem dificultado a vida ao seu banco central, quando o assunto envolve algo de que não gosta.

No entanto, o banco ainda é suficientemente independente e subiu radicalmente as taxas em 2014 e um pouco menos em 2016, a última vez que enfrentaram este problema. E afirmou que tomará todas as “medidas necessárias”. Mas poderá não continuar independente.

Erdogan já chegou ao ponto de dizer que “o banco central não pode clamar este tipo de independência e pôr de lado as indicações do seu Presidente.” As suas afirmações fizeram com que os investidores receiem que desta vez as coisas sejam diferentes, que Erdogan não seja arrastado à força e não aceite uma subida das taxas, mesmo que a economia precise desesperadamente. E assim, a lira continua a descer.

Tradução de Ana Silva