O que Caetano aprendeu com os filhos “não tem nome nem preço”, ainda hoje

Caetano Veloso, que aos 28 anos não queria ter filhos, maravilhou-se com o nascimento de Moreno, Zeca e Tom. Agora, canta com eles em palco numa celebração da vida. Esta segunda-feira no Coliseu do Porto; dias 1 e 2 em Lisboa.

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Tom, Zeca, Moreno e Caetano Veloso JORGE BISPO

Um pai e três filhos em palco, a cantar e a tocar. Não sendo total novidade (há casos históricos de famílias que formaram coros ou bandas), este é um caso à parte: Caetano Veloso e os seus filhos Moreno, Zeca e Tom não são um grupo musical, mas quatro pessoas unidas pelo sangue e pela música, numa partilha familiar com o público.

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Um pai e três filhos em palco, a cantar e a tocar. Não sendo total novidade (há casos históricos de famílias que formaram coros ou bandas), este é um caso à parte: Caetano Veloso e os seus filhos Moreno, Zeca e Tom não são um grupo musical, mas quatro pessoas unidas pelo sangue e pela música, numa partilha familiar com o público.

O espectáculo, já gravado ao vivo e editado em disco, chega agora a Portugal, aos coliseus (esta segunda-feira no Porto, dias 1 e 2 de Agosto em Lisboa, sempre às 22h). E chama-se Ofertório, título de uma canção que Caetano compôs em 1997, a pedido da sua irmã Mabel, para a missa em homenagem aos 90 anos da mãe de ambos (e de Maria Bethânia), Dona Canô. Esta, ilustre e celebrada matriarca da família Veloso, viveria até 2012, com 105 anos.

Ofertório à arte da família

Este espectáculo é um ofertório à arte da família, como diz Caetano ao PÚBLICO. “Na verdade, quando compus o Ofertório, escrevi as palavras como se fossem ditas por ela. E agora estou como que repetindo as palavras que escrevi como se fossem de minha mãe, eu próprio, dirigindo os meus filhos. Então é uma oferenda à divindade em que eles crêem, como reconhecimento da maravilha que é tê-los.”

No texto em que falava do espectáculo, Caetano escreveu: “O que aprendi com o nascimento de Moreno – e se confirmou com as chegadas de Zeca e Tom – não tem nome e não tem preço.” E essa aprendizagem foi a da paternidade, como ele explica agora.“Quando eu tinha 28 anos, ainda estava certo, como tinha estado desde sempre, de que não queria ter e nunca teria filhos. No entanto isso mudou dentro de mim, quase que organicamente. Dizem que só acontece com as mulheres, que de repente o relógio biológico pede a maternidade, mas eu senti assim mesmo. Foi uma coisa física, uma necessidade carnal de ter filhos, que me surpreendeu porque eu não tinha planos, nem eu nem a minha mulher.”

Esse afastamento era generalizado. “Eu tinha muito desinteresse, desprezo e às vezes até um pouco de antipatia, quase hostil, pelas crianças. Tinha pena quando os meus amigos se casavam e tinham filhos, achava uma chatice e pensava que eles estavam vivendo uma chatice que não conseguiam nem aguentar. Eu era igual a Sartre e a Simone de Beauvoir.” Mas na verdade não era, percebeu depois. “Quando comecei a sentir desejo de ter filhos, via um anúncio da Johnson’s na televisão e achava bonito, uma coisa de que antes sentia nojo, ver aquele bebé. Então quando Dedé [Gadelha, sua primeira mulher] ficou grávida, mudei muito. E quando Moreno nasceu e vi a criança, um total desconhecido, percebi que ninguém era mais conhecido meu que aquela pessoa.”

O encantamento repetiu-se mais tarde, com os outros filhos, já Caetano tinha casado uma segunda vez. “Quando, vinte anos mais tarde, Paulinha [Lavigne, sua segunda mulher] ficou grávida de Zeca e depois de Tom, eu já tinha aprendido com Moreno. Então revivi tudo aquilo, mas já sabendo como era a maravilha. E se confirmou.”

"Eu sempre os deixei livres"

A sensação de maravilhamento com a paternidade não levou, contudo, a que Caetano procurasse influenciar os filhos a seguirem um caminho idêntico ao seu, o da música. “Eu os deixei sempre livres, como os meus pais nos deixaram para fazermos o que quiséssemos. Moreno estudava física, se formou, mas gostou sempre de música. Tanto Moreno quanto Zeca adoravam que eu cantasse para eles. A minha voz os acalmava. Mas Tom não gostava, achava chato, pedia para eu parar.” Razões para isso? Nem Tom se recorda, diz Caetano. “Ele fala assim: ‘pelo que me lembro, eu só gostava mesmo de futebol.’ No entanto, ele é muito dotado para a música. Foi já adolescente, com uns colegas da escola que tocavam, e ele, pela amizade, ficou também interessado. Aí, um amigo meu que é compositor, baiano também, Cezar Mendes (a quem nós dedicamos o show), ensinou o Tom a tocar violão. De todos, foi o que aprendeu mais rápido e o que tem mais facilidade para a música. E não tinha interesse, mas hoje ele é muito capaz.”

Esta partilha familiar é também de gerações: Caetano tem 75 anos, Moreno 45, Zeca 25 e Tom 21. “Eu me lembro de Moreno, ainda criança, louco pelo Legião Urbana [grupo rock brasileiro fundado por Renato Russo em 1982] e sabendo as letras todas. Já o Zeca, eu me lembro dele crescendo e sabendo coisas do Racionais MC’s, de São Paulo, que é o grupo de rap mais importante do Brasil. Eu teria interesse nessas coisas mesmo que não tivesse filhos, mas tendo os filhos sabendo essas coisas é uma maravilha!”

Nos coliseus, além de canções do repertório de Caetano (como Genipapo absoluto, Oração ao tempo, Alguém cantando, Reconvexo, A tua presença morena ou Força estranha), ouvir-se-ão temas de Moreno (Um passo à frente), de Zeca (Todo homem, um inédito estreado neste espectáculo) e Tom (Clarão). Além de uma canção de Gilberto Gil, que abrirá a noite: O seu amor (“Ame-o e deixe-o livre para amar”, réplica libertária do velho slogan da ditadura militar brasileira, “Brasil, ame-o ou deixe-o”).