As crianças no tempo

Na Praia de Chesil, baseado na obra de Ian McEwan, adaptação feita pelo próprio, é um filme literário, paciente, delicado, comovente.

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O realizador creditado no genérico pode ser o encenador teatral Dominic Cooke, mas é difícil não ver Na Praia de Chesil como sendo obra de Ian McEwan, autor do romance em que o filme se baseia e argumentista desta adaptação. Primeiro, no tom literário, paciente, com que tudo se desenrola (um bálsamo, no meio de tanta explosão e tiroteio que por aí anda); depois, no prolongamento dessa paciência através do convite ao espectador para perceber a dimensão da história através de tudo aquilo que fica por dizer. Cooke, então, seria mero “tradutor” da trama do escritor; mas isso será injusto perante o cuidado que presta aos actores e ao modo como Saoirse Ronan e Billy Howle encarnam as suas personagens com uma fragilidade e uma minúcia que comovem.

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O realizador creditado no genérico pode ser o encenador teatral Dominic Cooke, mas é difícil não ver Na Praia de Chesil como sendo obra de Ian McEwan, autor do romance em que o filme se baseia e argumentista desta adaptação. Primeiro, no tom literário, paciente, com que tudo se desenrola (um bálsamo, no meio de tanta explosão e tiroteio que por aí anda); depois, no prolongamento dessa paciência através do convite ao espectador para perceber a dimensão da história através de tudo aquilo que fica por dizer. Cooke, então, seria mero “tradutor” da trama do escritor; mas isso será injusto perante o cuidado que presta aos actores e ao modo como Saoirse Ronan e Billy Howle encarnam as suas personagens com uma fragilidade e uma minúcia que comovem.

Não é surpreendente que tenha sido McEwan a querer adaptar o seu romance. Na Praia de Chesil é uma gaze tão etérea e frágil que, nas mãos erradas, a sua delicadeza se desintegraria num ápice. Daí que esta versão cinematográfica se instale num impressionismo contido, que explora a montagem temporal para desenhar o romance e casamento (e sequelas) de um casal jovem apanhado nas teias sociais da Inglaterra de 1962. O momento é o período pré-mísseis de Cuba e pré-Beatles, em que o Reino Unido ainda se agarrava à ilusão imperial, mas em que as novas gerações já sentiam esse passado morto e enterrado e precisavam de fazer explodir as grilhetas que os prendiam.

Tudo isto abre pistas para o modo como a relação de Florence e Edward se constrói e cristaliza. Ela, violinista de origens nobres mas activista anti-nuclear; ele, licenciado em história que vem das classes médias-baixas, com uma mãe sofrendo de problemas mentais e uma intolerância para com a injustiça; ambos com histórias de trauma (sociais, pessoais, sexuais) tão enterradas que os corroem por dentro. É uma cápsula do tempo que se desenha: a história de uma relação que em 1962 era ainda algo de singular e transgressivo, colocando em causa as regras sociais de que os ingleses tanto gostam, que muitos já condenavam à partida.

É verdade que, em muitos aspectos, corresponde ao caderno de encargos do filme britânico de prestígio; mas do que gostamos nele é da capacidade de usar essa lógica para tentar fazer algo mais do que apenas isso, para tirar uma polaroid de um casal que já transporta estigmas ainda antes de entrar na idade adulta, apanhado à sua revelia nas convulsões do tempo. Há um romance de McEwan chamado A Criança no Tempo; o título podia aplicar-se à história de Florence e Edward, contada neste filme discreto, modesto, exemplarmente comovente.

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