Braço-de-ferro entre camionistas e Temer agrava clima político no Brasil

A quatro meses das eleições, os efeitos da paralisação dependem de como Michel Temer gerir a crise. “A política brasileira está jogando um grãozinho de areia todos os dias numa torre extremamente frágil.”

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Ao sétimo dia, a greve dos camionistas mantinha centenas de pontos de bloqueio no Brasil, afectando o abastecimento de supermercados e bombas de gasolina, fazendo cancelar voos em 14 aeroportos, levando a cortes nos transportes públicos e universidades a anunciar que não haverá aulas na segunda-feira.

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Ao sétimo dia, a greve dos camionistas mantinha centenas de pontos de bloqueio no Brasil, afectando o abastecimento de supermercados e bombas de gasolina, fazendo cancelar voos em 14 aeroportos, levando a cortes nos transportes públicos e universidades a anunciar que não haverá aulas na segunda-feira.

Alguns camiões garantiam abastecimento de gasolina para serviços essenciais sob escolta policial em vários locais, depois de o Presidente, Michel Temer, ter ordenado a intervenção de militares. As refinarias estavam também sob protecção policial e os carregamentos eram feitos sob vigilância das forças de segurança.

O Governo continuava a tentar chegar a um acordo com os camionistas, que muito penalizados com a subida dos preços do diesel (56% desde Julho passado) pedem uma isenção de imposto na compra do diesel e outros direitos, como não terem de pagar portagem quando seguem sem atrelados ou carga.

O Governo propôs medidas temporárias – a proposta mais recente é um desconto de 10% durante pelo menos dois meses – e chegou a haver um anúncio de acordo na quinta-feira, mas os camionistas têm insistido numa solução definitiva para desmobilizar.

Ainda que o número de bloqueios nas estradas tenha diminuído após a ordem de Temer mobilizar o exército, e de centenas de camiões terem sido escoltados em pelo menos sete estados e Brasília assegurando fornecimentos urgentes para hospitais e outros serviços públicos, a situação demora a regularizar-se e há ainda muitos camionistas na rua, quer a bloquear vias, quer imobilizados em protesto. A pressão subiu também sobre os líderes dos camionistas, com várias investigações da Polícia Federal à paralisação e pesadas multas para quem bloquear passagens.

Enquanto o Governo se diz optimista em relação à possiblidade de um acordo, surgiram números de prejuízos. Segundo o jornal Estado de São Paulo, os cofres públicos podem contar com menos dois mil milhões de reais (mais de 450 milhões de euros) por causa da paralisação e os supermercados estimam mais de 300 mil euros de prejuízos. A indústria pecuária foi fortemente afectada pela dificuldade em conseguir o fornecimento diário de alimentação para os animais e várias unidades suspenderam a produção, a indústria de produção de açúcar também se desacelerou enquanto as máquinas iam ficando sem combustível, e a produção de automóveis, que contribui com cerca de um quarto da produção industrial do Brasil, parou na sexta-feira.

Além dos camonistas, surge outra greve no horizonte de Temer, a greve da Petrobrás. A petrolífera estatal decretou uma paralisação “de advertência” para a próxima quarta-feira, contra uma potencial privatização da empresa e pela manutenção de preços.

Tudo isto acontece a pouco mais de quatro meses das eleições presidenciais e o ambiente político e social está muito sensível. Para o economista Eduardo Giannetti, professor na Universidade de São Paulo, o Brasil está num momento que compara ao de uma experiência com uma torre de areia quando se lança um grão para a estrutura. Pode ficar tudo como está, mas um só grão pode “fazer a torre desabar”, disse, numa entrevista à Folha de São Paulo. “A política brasileira está jogando o grãozinho de areia todos os dias nessa torre e ela é extremamente frágil.”

O poder dos camionistas é grande, sublinha Giannetti, lembrando o seu papel, por exemplo, no fim do regime de Pinochet no Chile. Este protesto tem o potencial de ser o embirão de uma “revolta tributária” alargada, em que a população deixa de aceitar a legitimidade do Governo para cobrar impostos, ou mesmo precipitar a queda de Temer ainda antes das eleições. “Não prevejo que isso aconteça, mas também não descarto”, o que dependerá do evoluir da situação e sobretudo da capacidade de Temer lidar com ela, considerou Giannetti.