Costa recoloca PS como partido charneira

A mensagem de António Costa foi clara: o PS está onde sempre esteve e é o partido do “diálogo político alargado”. O líder do PS avisou que é cedo para discutir programas eleitorais e afirmou o partido como defensor de valores e pluralista.

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 Foi com um discurso a puxar à identidade do PS, recolocando-o como partido central do sistema político — partido charneira (a vetusta expressão usada pelo líder-fundador, Mário Soares) entre a esquerda e a direita —, que o secretário-geral do PS, António Costa, abriu esta sexta-feira o 22.º Congresso do PS, na Batalha.

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 Foi com um discurso a puxar à identidade do PS, recolocando-o como partido central do sistema político — partido charneira (a vetusta expressão usada pelo líder-fundador, Mário Soares) entre a esquerda e a direita —, que o secretário-geral do PS, António Costa, abriu esta sexta-feira o 22.º Congresso do PS, na Batalha.

A sala já aquecera o motor da emoção militante assistindo a um longo documentário de homenagem a Mário Soares, falecido a 7 de Janeiro de 2017, já depois do último congresso. Um documentário que lembrou todos os fundadores e dirigentes históricos e que teve um momento de ovação a ex-líderes, iniciado quando apareceu no ecrã gigante Jorge Sampaio e se prolongou em crescendo com António Guterres, Ferro Rodrigues, José Sócrates, António José Seguro e, por fim, o actual líder.

António Costa ocupou, então, o palco da ExpoSalão para afirmar que o PS continua igual a si mesmo: “Estamos onde sempre estivemos e estaremos exactamente onde estamos”. Ou seja, nem mais à esquerda mais à direita do que antes, como quem assume que o debate ideológico é normal dentro do PS e tentar esvaziar os climas de dramatização vividos na preparação do congresso, protagonizados por Augusto Santos Silva e por Pedro Nuno Santos.

O secretário-geral garantiu mesmo que, “sendo fiel à sua identidade, o PS foi sempre um partido do seu tempo e soube assegurar a vitalidade dos seus valores”, os quais fez questão de enumerar mais de uma vez: “liberdade, democracia, igualdade e solidariedade, uma visão de integração da Europa, sem sacrificar o ser português”. A que acrescentou “uma atitude: a de procurar novas respostas, preservando os mesmos valores, em cada geração e cada época”.

Já depois de abordar em linhas gerais a sua moção de estratégia e de explicar que este congresso acontece cedo de mais para dele saírem programas eleitorais para as europeias e as legislativas, António Costa foi explícito a assumir que não vai abrir, por agora, o jogo sobre qual a estratégia de alianças no caso de o PS ganhar as legislativas. Frisou que o PS é o partido do “diálogo” com parceiros sociais, mas também com os outros partidos e rematou: “Sempre fomos defensores do diálogo político alargado e podemos orgulhar-nos de, nesta legislatura, termos acabado com a ideia do arco da governação que excluía partidos democráticos.”

Pela eutanásia 

Na abertura do congresso, Costa não deixou de lembrar que foi a “identidade” e a “cultura” do PS que permitiram em Portugal reformas e medidas pioneiras como a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, que libertou as “mulheres portuguesas da criminalização do aborto”, o reconhecimento de direitos a lésbicas e gays, dando “direito a qualquer pessoa de constituir família livremente como quiser” ou a “duas pessoas do mesmo sexo de se poderem amar, casar e ter uma família”. E frisou que na terça-feira o partido também defenderá, com o seu projecto-lei, o direito de “todos que o queiram ter uma morte digna e poder recorrer à eutanásia

Em Março, em entrevista à revista Visão, António Costa havia defendido uma coisa ligeiramente diferente, ao dizer que a legislação não deve limitar a liberdade de opção individual, embora o seu “arreigado optimismo” lhe colocasse “dificuldades em aceitar a prática da eutanásia como uma boa solução”.

Nesta sexta-feira, o primeiro-ministro socialista não esqueceu “a construção da democracia pluralista”, a criação de um “poder judicial independente” e a defesa das autonomias, para tocar numa questão central hoje e sublinhar: “Foi o PS que, no final do cavaquismo, esteve no combate à falta de transparência e contra a corrupção”. Lembrou depois “a paixão pela educação”, palavra de ordem da primeira campanha de António Guterres, em 1995, para afirmar que “o Estado tem um papel imprescindível em garantir o acesso de todos aos bens públicos” e lançar-se no compromisso de “defender e promover” o Serviço Nacional de Saúde, citando explicitamente a memória de António Arnaut.

Pompa e circunstância

O Congresso abriu ao som da marcha Pompa e Circunstância de Edward Elgar, velho hino de campanha nas presidenciais de 1985 de Mário Soares, líder-fundador e “militante n.º 1”. O pavilhão estava já praticamente cheio e os congressistas (ou)viram, em silêncio, mas também com muitos aplausos, o filme sobre Mário Soares. A homenagem destacou os momentos mais importantes da sua vida e percurso político, algumas vezes na companhia da sua mulher, Maria Barroso.

O exílio, a fundação do PS na Alemanha, o 25 de Abril, o 1.º de Maio de 1974, o processo de integração de Portugal na CEE, a campanha de 1985, com destaque para agressão de que Mários Soares e elementos da sua comitiva eleitoral foram vítimas na Marinha Grande, a luta contra a “unicidade sindical” foram outros temas passados em revista.

As imagens que passaram no longo ecrã do pavilhão da Batalha mostraram um Mário Soares determinado em dar um novo rumo a Portugal e as suas palavras traziam à memória a sua luta de muitos anos.

“Hoje estamos aqui todos em festa, esta festa deve acabar em alegria, em confraternização, amanhã temos de meter ombros ao trabalho. A partir de agora, o produto do trabalho é para aqueles que trabalham e não para os parasitas”. Estas declarações foram proferidas por Mários Soares no 1.º de Maio de 1974 e voltaram a ouvir-se na Batalha.

O documentário recordou também todos os fundadores do partido como António Macedo, Maria Barroso, Beatriz Cal Brandão e Mário Cal Brandão, Tito de Morais, entre muitos, muitos outros. António Arnaut, que morreu esta semana e que este sábado será homenageado no congresso, não foi esquecido e os congressistas dispensaram-lhe uma estrondosa salva de palmas, levantando-se em sinal de gratidão.

A parte final da vida do fundador do PS não foi esquecida. A sua última luta contra a austeridade, em pleno Governo de Passos Coelho, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, onde defendeu a Constituição, o Estado social e o Estado de direito. E por fim, a homenagem que lhe foi prestada por António Costa, na residência oficial do primeiro-ministro. Os delegados puderam aplaudir então as imagens no ecrã do actual líder a abraçar Mário Soares. com Liliana Valente