Três repescados da DGArtes que não respiram de alívio

Com mais este reforço de 2,2 milhões de euros, algum dinheiro acabará por chegar à Orquestra de Câmara Portuguesa, à Escola da Noite e à Associação Saco Azul, mas todas acham que não resolve o problema.

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A Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP), na música, A Escola da Noite, no teatro, e a Associação Saco Azul, nos cruzamentos disciplinares, são três entidades que vinham sendo apoiadas pelo Estado e que se viram de repente sem financiamento quando foram divulgados os resultados dos concursos da DGArtes. Esta quinta-feira souberam que afinal vão receber alguma coisa, graças a mais um reforço anunciado por António Costa, mas nenhuma delas se mostra aliviada. E se Pedro Carneiro, da OCP, ainda confia no bom senso da tutela para um fim feliz, os outros acham que já só vai lá com barulho.

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A Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP), na música, A Escola da Noite, no teatro, e a Associação Saco Azul, nos cruzamentos disciplinares, são três entidades que vinham sendo apoiadas pelo Estado e que se viram de repente sem financiamento quando foram divulgados os resultados dos concursos da DGArtes. Esta quinta-feira souberam que afinal vão receber alguma coisa, graças a mais um reforço anunciado por António Costa, mas nenhuma delas se mostra aliviada. E se Pedro Carneiro, da OCP, ainda confia no bom senso da tutela para um fim feliz, os outros acham que já só vai lá com barulho.

A Escola da Noite

Habituada a ver-se classificada nos concursos da DGArtes entre as dez primeiras companhias teatrais a nível nacional, a veterana Escola da Noite, de Coimbra, ficou atrás de qualquer outra candidata da região Centro e, até esta quinta-feira, achava que não ia receber qualquer financiamento para o quadriénio 2018-2021.

A acta do júri é particularmente acintosa. Apelida a companhia de “autista”, aparentemente por ir promover um curso livre de teatro na convicção de que pode transmitir algo da sua experiência a actores mais novos, e considera a candidatura “descritiva e displicente”, permitindo-se ainda uma farpazinha irónica ao acrescentar ser isso “de estranhar”, dados “os 25 anos de trabalho regular” que A Escola da Noite assume ter no texto da candidatura.

Lamenta também não encontrar justificação para o plano de actividades “reunir e ligar nomes tão díspares como Gil Vicente, Molière, Hélia Correia, Harold Pinter ou Heiner Müller”. António Augusto Barros, director artístico d’A Escola da Noite, oscila entre a indignação e o divertimento por constatar que um dos autores invocados pelo júri da DGArtes não consta da candidatura: “Vão ao ponto de inventar que vamos fazer uma obra de Molière, e até gostaríamos muito, mas não está previsto”.

Barros está convencido de que "o júri não conhece o percurso e o projecto da companhia e presume, por preconceito, que é um projecto estagnado, quando procuramos uma constante renovação”. Daí, argumenta, que o alegado eclectismo do reportório d’A Escola da Noite seja considerado sinal de incoerência, “ao mesmo tempo que se valoriza como diversidade que uma companhia faça o Timão de Atenas do Shakespeare e a seguir uma revista”.

Vendo na apreciação deste júri “um ponto de vista exclusivo que se quer impor ao país”, o encenador diz não acreditar que as mesmas pessoas venham a agora a corrigir o seu juízo e não tem por isso grandes esperanças nas audiências de interessados. Mas diz acreditar “na luta da classe, que parece mais unida do que o habitual e não se devia desmobilizar”, e prevê que “este sistema de apoio às artes acabará por ir parar ao caixote do lixo”. Gostaria de o ver substituído por um modelo que efectivamente “salvaguardasse a criação, que é a alma da cultura”, mas observa que também “não chega apoiar a criação se esta depois não circula”, sugerindo que “seria fundamental que o Estado e as autarquias criassem um circuito para a difusão, com teatros que mostrem a criação portuguesa”.

Orquestra de Câmara Portuguesa

Há três anos, nos últimos concursos bienais, a candidatura da Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP), fundada e dirigida pelo percussionista, compositor e maestro Pedro Carneiro, ficou em primeiro lugar na sua categoria. Nos resultados provisórios divulgados pela DGArtes para o quadriénio 2018-20121, está em 34.º.

Um resultado que compromete também a prestigiada Jovem Orquestra Portuguesa (JOP), um dos vários projectos da associação que gere a Orquestra de Câmara Portuguesa. Representando o país na EFNYO (European Federation of National Youth Orchestras), a JOP tem feito, nos últimos anos, várias digressões europeias e previa-se que fosse à China no Verão, mas a viagem já teve de ser cancelada, numa primeira consequência desta decisão dos júris da DGArtes.

Embora esteja agora entre as 43 estruturas repescadas na sequência do último reforço orçamental, é improvável que o dinheiro chegue para manter a funcionar a JOP, que já anunciou que daria o o seu último concerto no próximo dia 21, no âmbito do programa Dias da Música, do Centro Cultural de Belém. Inconformados com esta extinção anunciada, os jovens músicos da orquestra lançaram nas redes sociais a campanha #SaveJOP, publicando vídeos com testemunhos que já chegaram, diz Carneiro, aos Estados Unidos, ao Canadá e a outros países.

A OCP recorreu dos resultados do concurso, mas o seu mentor diz não ter grande esperança de que a situação possa resolver-se por essa via, até porque o reforço orçamental anunciado para a música é bastante limitado. “Só se fala do teatro”, observa. E a OCP foi a associação que, na sua categoria, se candidatou a um valor mais alto: 400 mil euros anuais. “Fomos penalizados por ter pedido o máximo, quando é legítimo fazê-lo”, critica o músico, sublinhando que um quarto da verba pretendida se destinava à internacionalização da JOP, que ainda recentemente se “apresentou em Berlim com cem jovens músicos, um maestro, cinco solistas e uma compositora”, todos portugueses.

No entanto, apesar de reconhecer que nenhuma das orquestras poderá sobreviver sem um apoio significativo do Estado, Pedro Carneiro mantém algum optimismo. Explicando que o ministro e o secretário de Estado da Cultura têm há muito na mão um dossier com “uma proposta interministerial para garantir a subsistência da associação” e dos vários projectos que esta gere, o músico conta que Luís Filipe Castro Mendes lhe disse que não estava “fora de hipótese” que o plano viesse a ser aprovado e lhe recomendou que, para já, concorresse à DGArtes. “Disse-me que não me preocupasse, que ia correr tudo bem, e eu acredito”, diz Pedro Carneiro, que confia também em Miguel Honrado, “um homem inteligente e sensível”. Numa referência à conferência de imprensa dada pelo secretário de Estado na terça-feira, acrescenta mesmo: “Não era uma situação fácil e louvo-lhe a coragem por ter estado ali sozinho a dar o peito às balas”.

Associação Saco Azul

A Associação Saco Azul, que trabalha em estreita ligação com o espaço Maus Hábitos, no Porto, foi uma das entidades inicialmente excluídas dos apoios da DGArtes na categoria de cruzamentos disciplinares, após uma década a receber apoios do Estado, parte deles ao abrigo dos entretanto extintos programas tripartidos. Com uma valorização de quase 70%, é uma das repescadas para financiamento, o que em nada altera o juízo negativo que Daniel Pires, um dos responsáveis da associação, faz deste concurso.

“A apreciação do júri foi de tal forma leviana, que parece não fazer sentido”, diz. “Fica-se com a impressão de que foi feita a partir de um template qualquer e que os conteúdos apresentados não foram realmente analisados. Garantindo ainda que encontrou noutras candidaturas, “incongruências e erros de tal forma graves que quase justificariam a desclassificação”, Daniel Pires acha que, para lá dos reforços anunciados, teria sido justo “penalizar os casos gritantes de estruturas que são equipamentos municipais camuflados”, o que permitiria libertar dinheiro para as restantes, e argumenta que neste modelo “o Estado está a financiar-se a si próprio a coberto de um concurso para entidades independentes”.

Artista com trabalho em várias áreas, com destaque para a fotografia, Daniel Pires adianta uma possível explicação para o balde de água fria que o resultado destes concursos representou para a Saco Azul e outras estruturas do Porto. “Com o crescimento da actividade cultural na cidade, temos muito mais parcerias com a Câmara e outras entidades, de modo que achámos que tínhamos crescido e que podíamos ir a jogo pedindo um pouco mais, e parece que esse pedido foi encarado como um critério de exclusão, em vez de a DGArtes reconhecer que estamos a fortalecer-nos e a trabalhar cada vez melhor”, diz. 

Como o director d’A Escola da Noite, também Daniel Pires acha que os artistas não devem baixar os braços e prepara-se para ir a Lisboa, na sexta-feira, participar na acção de protesto marcada para junto ao Palácio da Ajuda. “Temos de fazer barulho, o Estado tem de perceber que o investimento na cultura é tão essencial como investir na rede eléctrica”.