Espelhos quebrados

A estreia na longa de Miguel Clara Vasconcelos é um filme oblíquo, frágil e falhado, mas com ideias na cabeça.

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Há qualquer coisa de esquivo e sedutor nos riscos que Miguel Clara Vasconcelos vai correndo com uma carreira cujos filmes parecem nunca ter a ver nada uns com os outros. As suas curtas foram do documentário “puro e duro” de Documento Boxe (2005) à rêverie sensorial de O Triângulo Dourado (2014), passando pelo delírio sci-fi irrisório de Universo de Mya (2010).

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Há qualquer coisa de esquivo e sedutor nos riscos que Miguel Clara Vasconcelos vai correndo com uma carreira cujos filmes parecem nunca ter a ver nada uns com os outros. As suas curtas foram do documentário “puro e duro” de Documento Boxe (2005) à rêverie sensorial de O Triângulo Dourado (2014), passando pelo delírio sci-fi irrisório de Universo de Mya (2010).

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Encontro Silencioso, estreia do realizador na longa-metragem, nada tem a ver com essas curtas: é uma ficção inspirada por um evento real (a tragédia da praxe do Meco de 2013), mas que se recusa a dramatizá-la ou a reconstituí-la. Em vez disso, assumindo a inspiração da actual nova vaga do cinema grego que nos trouxe Yorgos Lanthimos (Canino, A Lagosta) e Athina Rachel Tsangari (Chevalier, Attenberg), Vasconcelos explora os rituais da praxe de modo alegórico, quase performativo, questionando a própria natureza da praxe enquanto mera ritualização pagã das relações de poder e hierarquia, como uma espécie de espelho distorcido do mundo lá fora. E, nem por acaso, muito de Encontro Silencioso é rodado através de espelhos, janelas, painéis de vidro, reenviando constantemente para a ideia da observação e da ritualização como forma de projecção de uma imagem, de pertença a um grupo.

Isto não quer dizer que Encontro Silencioso seja um grande filme, porque não é – é um filme de uma fragilidade enorme, oblíquo, surreal, a espaços abstruso e pretensioso, aqui e ali inspirado e incisivo. Esta estreia na longa tem muitas ideias, bastantes delas boas, mas não soube formá-las num todo coeso e tomba demasiadas vezes na fórmula do “filme de autor” à medida dos festivais (não por acaso, venceu a competição nacional do IndieLisboa em 2017). Encontro Silencioso tem qualquer coisa de laboratório de experiências de um cineasta sem grande vontade de se repetir, e se é um falhanço é um falhanço fiel à vontade do seu realizador; isto é, diferente do que Miguel Clara Vasconcelos já fez, e provavelmente do que ele fará em seguida.