A Bela Aurora, um jardim de camélias no Bairro das Artes

É uma casa familiar dos finais do século XIX, com um jardim nas traseiras, uma cozinha de paredes de granito, uma belíssima clarabóia e a paz dos dias que correm devagar — do outro lado da porta está o Porto, à nossa espera.

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 La Belle Aurore era o café parisiense onde Rick/Humphrey Bogart e Ilsa/Ingrid Bergman se viram pela última vez, naquele dia que “não era fácil de esquecer”, o dia em que os alemães entraram em Paris, e em que, recorda Rick, eles “vestiam de cinzento”, ela “vestia de azul”. Estamos longe de Casablanca e estamos longe de Paris, mas a memória de um dos mais belos filmes da história do cinema também ajudou Paula e Massimo a escolherem o nome para a guest house que abriram há poucos meses na Rua do Rosário, no Porto. Isso e o La Bela Aurora, o café que elegeram como favorito no tempo em que viviam em Milão.

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 La Belle Aurore era o café parisiense onde Rick/Humphrey Bogart e Ilsa/Ingrid Bergman se viram pela última vez, naquele dia que “não era fácil de esquecer”, o dia em que os alemães entraram em Paris, e em que, recorda Rick, eles “vestiam de cinzento”, ela “vestia de azul”. Estamos longe de Casablanca e estamos longe de Paris, mas a memória de um dos mais belos filmes da história do cinema também ajudou Paula e Massimo a escolherem o nome para a guest house que abriram há poucos meses na Rua do Rosário, no Porto. Isso e o La Bela Aurora, o café que elegeram como favorito no tempo em que viviam em Milão.

“Sempre achei um nome muito bonito”, diz Paula. “Aurora é um belo amanhecer e o amanhecer aqui é fantástico, acordo com os passarinhos a cantar, perco a noção de que estou na cidade.” É fácil, de facto, esquecer que a animada Rua do Rosário fica mesmo ali ao lado quando se entra n’A Bela Aurora. A casa, como acontece em muitas casas do Porto, é mais comprida do que larga e os poucos metros do corredor de cores sóbrias que percorremos da porta da rua até à sala levam-nos até um mundo diferente.

A sala enche-se da luminosidade que vem do jardim, nas traseiras, e ao qual os sons da rua já não conseguem chegar. Atrás de nós ficou o Bairro das Artes do Porto, no qual, conta Paula, estão sempre a abrir (e, por vezes, a fechar) novos espaços, restaurantes, ateliers, mas onde, por outro lado, se mantêm pequenas lojas de bairro, o sapateiro, o barbeiro, a loja dos botões, o electricista.

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Paula e Massimo vieram do Alentejo, onde passaram cinco anos a fazer queijo, e, antes disso, vieram de Milão e de outras cidades onde viveram e de muitas viagens que fizeram pelo mundo. Para Paula, este é o regresso à cidade onde nasceu e da qual saiu há 40 anos. Um regresso que acontece na altura certa porque o Porto mudou tanto que se tornou quase outra cidade. “Há dez ou 15 anos havia muitas casas abandonadas, ruas quase inteiramente entaipadas”, recorda Paula. Nessa altura, não teriam tomado a decisão de voltar. “A entrada do turismo deu um impulso enorme à renovação da cidade”, reforça Massimo. E aconteceu tudo em muito pouco tempo.

Para já, ainda estão numa fase de transição — por vezes, Paula ainda se surpreende quando abre a porta da rua e repara que não conhece nenhum dos transeuntes. “No Alentejo, saíamos de casa e 99,9% das pessoas eram conhecidas, isso dá uma espécie de conforto, tens a sensação de estar dentro de uma comunidade”, explica Massimo. Para quem tinha vindo de Milão, foi toda uma descoberta essa vida no Alentejo, com os seus ritmos e um trabalho que tinha mais a ver com as mãos do que com o intelecto.

“Deu-nos a oportunidade de fazer essa coisa concreta que é o milagre da transformação de leite em queijo”, conta Massimo. Mas, ao fim de alguns anos, surgiu a vontade de voltar à cidade, levando com eles aquilo que tinham aprendido no campo, e que, segundo Paula, foi mais do que o que aprenderam em cinco anos de vida em Milão com todos os livros que compraram e todos os espectáculos que ali viram.

Cumplicidade na forma de olhar o mundo

Assim, levaram do Alentejo para o Porto essa nova sabedoria e a capacidade de “redimensionar a importância das coisas” — nem tudo é tão importante, tão urgente ou tão vital como muitas vezes pensamos. Essa tranquilidade sente-se aqui n’A Bela Aurora. No quarto — uma das cinco suítes da casa — encontramos, na mesa-de-cabeceira, um livro do jornalista polaco Ryszard Kapuscinski e quase pensamos que foi de propósito. Mas não, garante Paula, os livros são os da casa e ela vai-os distribuindo pelos quartos ao acaso porque não quer que ninguém fique sem alternativa se lhe apetecer ler um pouco antes de dormir e não tiver trazido um livro (não há televisão nos quartos, mas há Wi-fi gratuito e tablets, a pedido).

Esta é uma casa de família que recebe hóspedes e que procura esse equilíbrio entre fazer-nos sentir totalmente à vontade e independentes, mas, ao mesmo tempo, acolhidos num local que nos é também familiar. “Sendo nós próprios viajantes do mundo, sabemos quanto é agradável e tranquilizante voltar ao fim do dia para um ambiente confortável e familiar, depois de um dia de novas experiências urbanas”, escrevem no site.

Não foi fácil encontrar esta casa. Procuraram bastante em vários bairros do Porto, viram muita coisa em mau estado, até que finalmente deram com este edifício dos finais do século XIX, uma clássica casa de família (nos últimos anos usada como atelier de engenharia), com rés-do-chão e três andares e uma luminosidade que os conquistou. No centro, uma elegante escada organiza o espaço até ao último andar, cheio de luz vinda de uma magnífica clarabóia.

Os quartos são grandes, de tectos altos, alguns com as antigas vigas de madeira à vista, alguns com varandas, três deles com um pequeno hall de entrada separado do quarto por portas duplas, chão em madeira, uma mesa de trabalho, uma poltrona onde podemos sentar-nos a ler, uma sobriedade confortável.

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Massimo dá-nos a chave identificada por uma pequena fita azul e indica-nos o código para entrarmos, se chegarmos tarde. Chove no Porto, por isso sabe bem, ao final da noite, regressar ao quarto como quem regressa a casa e afundarmo-nos na cama confortável (tanto a roupa da cama como as toalhas são de algodão orgânico, os cobertores são de pura lã e também os produtos de banho são orgânicos).

De manhã, preguiçamos, mas — como o Alentejo nos ensina — não há pressa e, quando descemos até à cave, Tânia espera-nos na cozinha para o pequeno-almoço. Os outros hóspedes terão sido mais madrugadores, porque a grande mesa está só para nós, cheia de coisas boas: um bolo caseiro feito pela Paula, compotas também dela, pão de espelta de um jovem padeiro, sumo de laranja, e Tânia ainda nos prepara iogurte com fruta acabada de cortar. Há tudo menos fiambre, porque Paula e Massimo, além de preferirem produtos biológicos, são vegetarianos.

Depois do pequeno-almoço conversamos na sala, para os ouvir, com tempo, recordar com carinho os anos do Alentejo e depois contar a aventura de vir para o Porto, encontrar esta casa, recuperá-la, com o arquitecto Tiago Oudman (Studio Kunchi), e abri-la a hóspedes que são mais cúmplices do que outra coisa.

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As pessoas atraídas pel’A Bela Aurora são sempre, diz Paula, cúmplices pelo menos na forma como olham o mundo. Procurando o que é belo e tranquilo, uma casa de música, livros, tempo para estar e percorrer as pedras do jardim por entre as camélias que, neste dia de Inverno, largam as pétalas coloridas sobre a relva. Lá fora fica o Porto — mas, pelo menos por hoje, a cidade pode esperar.

A Fugas esteve alojada a convite d’ A Bela Aurora