Frederico Lourenço lança tradução revista e anotada da Odisseia

Após ter publicado, em 2003, a sua tradução da Odisseia, o autor regressou agora ao texto atribuído a Homero para tentar "dar a limpidez do poema" numa "linguagem simples". Lançado em breve pela Quetzal, o livro quer contribuir para estimular o ensino do grego.

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O escritor e tradutor português Frederico Lourenço acaba de lançar na Quetzal uma versão revista e anotada da sua tradução da Odisseia, originalmente publicada em 2003 na Cotovia. Um dos motivos que estimularam o escritor e tradutor a voltar ao poema homérico foi contribuir para tentar travar o progressivo desaparecimento do ensino do grego em Portugal. 

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O escritor e tradutor português Frederico Lourenço acaba de lançar na Quetzal uma versão revista e anotada da sua tradução da Odisseia, originalmente publicada em 2003 na Cotovia. Um dos motivos que estimularam o escritor e tradutor a voltar ao poema homérico foi contribuir para tentar travar o progressivo desaparecimento do ensino do grego em Portugal. 

"A intenção primacial deste trabalho é dar a perceber que é muito importante as pessoas terem noção de que a literatura grega tem estas obras, e que se soubessem grego poderiam entrar ainda mais a fundo nestas questões", afirmou Frederico Lourenço durante a apresentação desta nova edição, que deverá chegar às livrarias no dia 23.

O professor e ensaísta "quis mostrar às pessoas quão importante é manter o ensino do grego", apelando a que não se deixe que este morra também no ensino universitário, como já aconteceu no secundário, "pois corre-se o risco de que dentro de algum tempo não haja ninguém em Portugal que saiba ler Homero em grego".

Sobre esta nova tradução, Frederico Lourenço explicou que é mais rigorosa e fiel ao original grego, e que tem notas explicativas no final, o que permite fazer duas leituras diferentes deste poema épico. Esta versão em português, observa, pode também ser usada como auxiliar de leitura para quem queira ler o original, em grego, já que "todos os versos desdobrados estão assinalados". 

Quuando traduziu a Odisseia para a edição da Cotovia, em 2003, o autor, que está actualmente a trabalhar na tradução integral da chamada Bíblia grega, resistira "à tentação de salpicar o texto com notas". Agora, 15 anos depois, respondendo a uma proposta da Quetzal, fez uma nova tradução - com "uma linguagem simples, para dar a limpidez deste poema" -, e enriqueceu-a com um conjunto de notas explicativas.

"As notas vêm desmontar o poema e fazer compreender que a perfeição absoluta não está lá, rebater a ideia de não haver inconsistência e incoerências, pequenas coisas próprias da tradição oral, quando o poeta não estaria tão preocupado como está hoje um romancista ou um cineasta com a verosimilhança", disse Lourenço.

No entanto, estas anotações surgem apenas no final do livro, o que dá duas possibilidades ao leitor: "a de ler todo o poema sem ler as notas, se se quiser essa experiência de inocência e deslumbramento", ou a de ler o poema "desmontado", acrescentou.

As várias cartas que recebeu de leitores após o lançamento da primeira tradução, persuadiram-no de que se justificava introduzir notas nesta nova versão. As dúvidas, conta, prendiam-se com questões da geografia, de localização dos sítios referidos no texto, mas também, por exemplo, com determinadas personagens mitológicas ou com o significado de certas palavras.

"A liberdade de não pôr notas permite não tomar partido, não se comentar, não se comprometer com nada que seja difícil. Agora [com as notas], tive de tomar decisões, tentando ser isento em relação às várias teorias que existem relativamente a Homero", diz ainda Frederico Lourenço.

Uma das coisas que o tradutor dava como adquiridas era a questão da oralidade de Homero, de o poema ser o registo de um texto composto oralmente, mas confessou que, quanto mais o estuda, mais se convence de que os textos homéricos foram compostos com ajuda da escrita, mesmo tratando-se de um poeta que vem da tradição oral.

Admitindo que poderá também voltar a traduzir a Ilíada, reconhece, contudo, que a Odisseia sempre foi a sua "paixão", um texto que nunca o cansa."Quanto mais se conhece, mais ele parece inesgotável e fascinante", diz.

Ainda assim, "a Odisseia é menos perfeccionista do que a Ilíada, que, quanto mais a lemos, mais nos surpreendemos por ser tão coerente". Com a Odisseia, argumenta, "é o contrário: quanto mais estudamos, mais vemos as incoerências da tradição oral". Mas ambas, precisa, "são planeadas para ser ouvidas".

Frederico Lourenço admite ainda que na tradução anterior da Odisseia "facilitou, em prol da beleza", mas que agora traduziu "de forma mais fiel o que está no poema grego".

Sobre a diferença entre traduzir do grego da Bíblia e do da Odisseia, o escritor considerou que "voltar à Odisseia é voltar a um grego que nunca ninguém falou". Se "os autores da Bíblia queriam que os seus textos fossem lidos, e por isso não eram escritos num grego imperceptível", já na Odisseia e na Ilíada é usado o "grego homérico", uma "língua que nunca ninguém falou, mas que era uma mistura de três dialetos".

Frederico Lourenço descreve-a como "uma língua artificial, poética, lindíssima, que nunca ninguém falou, mas que ao mesmo tempo é grego", e assegura: "é gratificante voltar a este grego, com esta toada e ritmo tão bonito que ele tem".

O tradutor destaca ainda a importância do poema enquanto tratado sobre a natureza humana: "Não nos dá as coisas arrumadas, está sempre a dar-nos ideias desarrumadas sobre o ser humano, é um poema que nos baralha, que desmonta as certezas e que termina de maneira muito abrupta".