Carnaval é sátira? Aqui vai a minha…

Há 24 anos, Adriano Miranda juntou a família e amigos e fez o seu álbum privado de Carnaval. É uma sátira à festa de que nunca gostou. E um álbum de memórias familiar, bizarro e melancólico.

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Adriano nunca gostou do Carnaval. “Já temos muitas máscaras todos os dias…”, desabafa. A antipatia do fotojornalista do PÚBLICO por esta data não é de hoje, nem sequer de ontem. Lembra-se de, lá em casa, na zona de Aveiro, a família lhe alugar um fato de toureiro que seria a sua primeira máscara. Não sabe quantos anos tinha, mas era pequenino o suficiente para as birras ainda fazerem parte do seu leque de reacções aceitáveis. “Quando me tentaram enfiar aquilo, peguei o touro de caras: fiz uma birra tal que não conseguiram pôr-me dentro do fato. Nunca gostei do Carnaval, nunca.”

Mas do que Adriano Miranda gosta (e gostava já muito em 1994, quando estas imagens foram feitas) é de fotografar. Há 24 anos, ainda estudante do Ar.Co — Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa, tudo servia de desculpa para apontar a máquina. “Andava sempre a cravar a família e os amigos para os fotografar”, conta. Naquele fim-de-semana grande de Carnaval, de visita a casa dos pais, comprou uma série de máscaras e lá começou a pedinchice do costume. A mãe, o pai, a avó, o amigo Rui, a prima Alexandra deixaram que ele os guiasse por esta sátira privada em que estão e não estão mascarados.

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Naquele Carnaval, o tio Manuel fez-se à estrada com o sobrinho Adriano e foi passar o fim-de-semana largo a casa do irmão, na zona de Aveiro. Acabou a servir de modelo, ao projecto pessoal do fotojornalista do PÚBLICO

É só um ocultar do rosto, que muda tudo. Não sabemos se, por baixo daquelas carantonhas de plástico, há sorrisos ou a vontade de que aquilo acabe depressa. “Ó mãe, veste lá um fato de banho. Ó pai, põe-te aí em cima da Vespa. Rui, pára de trabalhar no carro que ambos estamos a desmontar e põe esta máscara. Ó Preto, que bom que decidiste passar mesmo em frente à senhora Conceição quando disparei.” E as imagens quadradas da Lubitel, uma máquina russa que era vista quase como um objecto de culto entre os estudantes de Fotografia de então, iam surgindo. Uma a uma — desde que Adriano não se esquecesse de rodar o filme, caso contrário, estava sempre a fotografar em cima do mesmo fotograma. E há uma sobreposição de três imagens neste trabalho de 1994 que é a prova disso mesmo. Não foi qualquer tentativa de criação artística. “Esqueci-me de rodar o filme”, ri-se Adriano.

Como tantos outros trabalhos, este esteve esquecido numa gaveta até ter sido agora tocado pela lembrança (e renovado interesse) do autor. Era uma sátira há 24 anos, continua a ser uma sátira agora. Mas é também um bizarro e algo melancólico álbum de família, povoado, aqui e ali, pelos que já morreram. É um Carnaval sem o ser, sem lantejoulas nem colorido. A antifesta privada de um estudante de Fotografia com uma máquina perfeita para explorar. É uma parvoíce. É Carnaval. É uma recordação. Tal qual como a Lubitel que foi emprestada a um colega e ainda não voltou a casa. Já agora, importas-te de a devolver? É Carnaval, não leves a mal.

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