SPD dividido vota se apoia negociar coligação com Merkel

Líder da juventude social-democrata lidera forte campanha contra uma "grande coligação" com os conservadores. "O mundo está a olhar para nós", avisa por seu lado o ex-líder do partido, Sigmar Gabriel.

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Martin Schulz Michaela Rehle/REUTERS

O caminho de obstáculos até um novo Governo alemão continua, prova após prova. Este domingo o obstáculo é o congresso especial do SPD, em que 600 delegados vão reunir-se em Bona para decidir se o partido continua as negociações com os conservadores da chanceler Angela Merkel. O debate é mais feroz e a divisão do partido é maior do que o esperado.

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O caminho de obstáculos até um novo Governo alemão continua, prova após prova. Este domingo o obstáculo é o congresso especial do SPD, em que 600 delegados vão reunir-se em Bona para decidir se o partido continua as negociações com os conservadores da chanceler Angela Merkel. O debate é mais feroz e a divisão do partido é maior do que o esperado.

Uma figura improvável tem recebido grande destaque: Kevin Kühnert, 28 anos, líder da juventude do SPD (e no cargo apenas desde Novembro de 2017) tem estado diariamente na imprensa a criticar a hipótese de o SPD entrar novamente numa coligação com a CDU-CSU, numa dinâmica campanha contra a “grande coligação”.

Tanto Kühnert como o líder do partido, Martin Schulz, têm feito sessões para convencer os delegados a reprovar, ou aprovar, a continuação das negociações.

É difícil dramatizar o ponto actual. “Não é exagero dizer que não é só a Europa que está a olhar para o congresso do SPD, mas muitas pessoas ainda de mais longe”, disse o antigo líder e actual ministro dos Negócios Estrangeiros, Sigmar Gabriel. “O mundo vai estar a olhar para Bona neste domingo.”

Para os defensores do acordo de princípio a que chegaram a 12 de Janeiro a CDU (União Democrata Cristã, de Angela Merkel), CSU (União Social Cristã, o partido gémeo da CDU na Baviera), e o SPD (Partido Social-Democrata), os sociais-democratas devem aproveitar a oportunidade para conseguir um aprofundamento da integração europeia com a iniciativa do Presidente francês, Emmanuel Macron, e não arriscarem ir a novas eleições. Aí poderiam perder ainda mais do que os 20% que obtiveram em Setembro, o pior resultado da SPD no pós-guerra.

Recusar seria pior que derrota

Os pesos-pesados do SPD têm insistido que recusar uma “grande coligação” seria muito pior do que uma derrota eleitoral: o SPD tornar-se-ia “um dos partidos sociais-democratas que não tem qualquer papel na Europa”, escreveu o antigo líder Franz Müntefering num artigo de opinião.

Schulz tem sublinhado que há no acordo pontos que garantem uma melhoria, na prática, na vida das pessoas: “Não quero que a enfermeira de geriatria tenha de esperar mais quatro anos para ter melhores condições de trabalho só para que o SPD se sinta melhor”, disse, já acusando irritação.

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Martin Schulz recebeu o apoio da central sindical DGB, que representa seis milhões de trabalhadores Hannibal Hanschke/REUTERS

Na sexta-feira, Schulz ganhou um apoio de peso: a confederação de sindicatos DGB, que representa seis milhões de trabalhadores, diz que o acordo de princípio entre os partidos iria resultar em avanços para os trabalhadores (e alertou para a possibilidade de “caos”, caso não haja um acordo para uma “grande coligação”).

O grau de fervor no apoio a uma “grande coligação” (GroKo na abreviatura em alemão) tem sido proporcional aos apelos de urgência da posição contra: os opositores dizem que o SPD vai desaparecer se aceitar o acordo a que chegou com os conservadores, que este “não reflecte os valores sociais-democratas” ao desistir de uma série de reivindicações centrais como aumentar os impostos para financiar investimento, assegurar o direito de reunificação familiar dos refugiados sem limites, ou ainda mudar o actual sistema de seguros de saúde.

“Não há nada de justiça social” no acordo preliminar entre os partidos, que será a base de um programa de governo, critica Kühnert. Merkel está no poder a prazo, acrescenta, e “o SPD faria bem em não contribuir para estender o seu tempo no poder”, já que a chanceler, acusa, governa “esperando que os problemas se resolvam” sem novas iniciativas em questões que “precisam de definição, com a digitalização, o sistema de reformas, etc”.

Para Kühnert, governar assim apenas fortalecerá a extrema-direita da AfD (Alternativa para a Alemanha), que seria o primeiro partido da oposição.

O tom do debate interno subiu tanto que a imprensa começou a especular sobre uma divisão do SPD, levando Kühnert a afirmar esta sexta-feira que o partido “está muito longe de uma cisão”.

Sessão de psicoterapia

A correspondente do diário espanhol El País em Berlim, Ana Carbajosa, viu as dúvidas internas dos membros do partido numa pequena sessão promovida por Kühnert em Berlim.

Membros do SPD expressaram as suas dúvidas em relação à “grande coligação”, mas também à recusa de uma “grande coligação”, no que pareceu quase uma sessão de psicoterapia. No final, foi feita uma votação para saber como votariam num congresso. Ganhou, com uma margem mínima, a opção de seguir as negociações para a “grande coligação”.

Abrem-se agora dois caminhos: se na votação deste domingo os delegados derem luz verde às negociações, os três partidos vão continuar a negociar e o programa de Governo que dali sair (espera-se que durante o mês de Fevereiro) será sujeito a referendo de 450 mil membros do partido. Pela CDU e CSU a aprovação é certa, apenas sujeita ao “sim” das lideranças.

Se em qualquer das duas consultas o SPD negar a hipótese de uma “grande coligação”, aprofunda-se o que já é um período absolutamente inédito na política alemã. O Presidente, Frank-Walter Steinmeier, foi essencial no recuo de Martin Schulz na sua promessa de não se coligar com Merkel após ao falhanço das negociações para a coligação Jamaica (CDU, Verdes e Liberais), deverá insistir em novas conversações para esta coligação.

Se estas voltarem a falhar, Merkel não tem mais hipóteses do que formar um Governo minoritário, algo que é visto como uma quase-impossibilidade na Alemanha. Ou repetir as eleições, outra solução tão estranha no país que nem há um caminho constitucional para o fazer sem indicar primeiro um chefe de Governo.