“A música faz-nos sentir sem idade”

O lendário pianista Menahem Pressler abre esta sexta-feira à noite o ciclo Pianomania! na Gulbenkian, em Lisboa.

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Menahem Pressler Jessica Rinaldi/The Boston Globe via Getty Images

Com 94 anos, o pianista Menahem Pressler é seguramente o intérprete com mais idade a manter-se activo no circuito das grande salas de concerto internacionais. Entre 1955 e 2008 foi o pianista permanente do Beaux Arts Trio, um dos mais notáveis grupos de câmara do século XX, com o qual se apresentou várias vezes na Gulbenkian. Quando o grupo se dissolveu, resolveu retomar a carreira a solo que tinha deixado em segundo plano há mais de meio século, tocando pela primeira vez com algumas das melhores orquestras do mundo, como é o caso da Filarmónica de Berlim. Esta sexta-feira, às 21h, Pressler será o convidado de honra na abertura do ciclo Pianomania!, que decorre na Gulbenkian até 26 de Janeiro. Será possível ouvir a sua interpretação do Concerto para Piano n.º 23, em Lá maior, K. 488, de Mozart, com a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Leo Hussain, no âmbito de um programa que inclui também a música de bailado da ópera Idomeneo, de Mozart, e o bailado Pétrouchka, de Stravinsky.

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Com 94 anos, o pianista Menahem Pressler é seguramente o intérprete com mais idade a manter-se activo no circuito das grande salas de concerto internacionais. Entre 1955 e 2008 foi o pianista permanente do Beaux Arts Trio, um dos mais notáveis grupos de câmara do século XX, com o qual se apresentou várias vezes na Gulbenkian. Quando o grupo se dissolveu, resolveu retomar a carreira a solo que tinha deixado em segundo plano há mais de meio século, tocando pela primeira vez com algumas das melhores orquestras do mundo, como é o caso da Filarmónica de Berlim. Esta sexta-feira, às 21h, Pressler será o convidado de honra na abertura do ciclo Pianomania!, que decorre na Gulbenkian até 26 de Janeiro. Será possível ouvir a sua interpretação do Concerto para Piano n.º 23, em Lá maior, K. 488, de Mozart, com a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Leo Hussain, no âmbito de um programa que inclui também a música de bailado da ópera Idomeneo, de Mozart, e o bailado Pétrouchka, de Stravinsky.

Nascido em Magdeburgo, em 1923, Menahem Pressler e a sua família mais próxima fugiram da Alemanha nazi para Israel em 1939. O início da sua carreira recebeu um forte impulso quando venceu o Concurso Internacional de Piano Debussy, em São Francisco, em 1946, e em 1955 foi um dos membros fundadores do Beaux Arts Trio. No mesmo ano tornou-se professor da Universidade de Indiana, tendo sido mestre de numerosos pianistas com carreiras internacionais. Numa breve entrevista telefónica, Pressler partilhou com o PÚBLICO a sua inesgotável paixão pela música.

Na Gulbenkian vai tocar o Concerto para Piano n.º 23, em Lá maior, de Mozart. Há alguma razão especial para a escolha desta obra?
Os concertos para piano de Mozart são magníficos, mas este em particular representa Mozart no auge da sua mais profunda expressão. É tão pessoal, tão belo. A sensação mais maravilhosa de tocar esta peça surge no andamento lento, quando a orquestra toca em pizzicato e o solista expressa os seus mais tocantes sentimentos ao piano. Abre-se um mundo novo. Mozart fica tão próximo de nós, que nos sentimos amados por ele. Tocar esta peça é uma experiência absolutamente incrível.

Foi também um concerto de Mozart que tocou quando fez, aos 90 anos, a sua estreia com a Filarmónica de Berlim. Como surgiu essa oportunidade?
Tive muita sorte em tocar pela primeira vez num concerto especial com Semyon Bychkov, um grande maestro e um homem maravilhoso. Toquei o Concerto em Ré maior [nº26, K. 537], uma peça que transmite grande alegria de viver. Tinha feito vários concertos com a Orquestra de Paris e o manager mostrou mais tarde o DVD que gravaram nessa altura a Simon Rattle. Ele sabia que Bychkov estava a programar esse concerto, mostrou-lhe a minha interpretação e perguntou-lhe se me queria como solista. Ele aceitou e foi fantástico. Pouco depois de regressar aos EUA, descobri que tinha um aneurisma e corria perigo de vida. Com a minha idade ninguém me queria operar, mas um grande médico conseguiu tratar-me e aqui estou para contar a história. Aqui estou eu, sentindo a alegria de viver, viajando de país para país, de cidade em cidade, tocando e fazendo música. Sou um homem de sorte, tenho a sorte de todos serem generosos comigo, a sorte de ter o apoio de Annabelle [Whitestone] que é a minha manager e é tudo para mim – porque ela é toda a minha vida e também uma amante de música, o que é uma coisa maravilhosa.

Qual é o segredo para manter tanta energia e continuar a fazer concertos?
Tenho a energia e também o desejo de o fazer. Sinto-me preenchido depois de cada novo concerto. Parte do segredo talvez seja o amor que tenho pelos grandes compositores: Mozart, Schumann, Beethoven, Brahms, Chausson, Ravel, Debussy... Estes mestres ocupam um lugar primordial nas nossas vidas, estou muito grato como pianista por terem escrito esta música que nos enriquece tanto como intérpretes. Sentimos e aprendemos essa música, estudamos e interpretamos essas obras em público ao longo de toda a vida, tentando ser cada vez melhores. Pode parecer estranho, mas a um certo ponto deixamos de sentir a nossa idade. A música faz-nos sentir sem idade. Agora, aos 94 anos, ainda posso fazê-la, quero fazê-la e continuarei a fazê-la.

Ainda se preocupa em conhecer novas obras e novos compositores?
Nesta idade já não tenho que provar nada, o que posso tocar ainda é um milagre para um homem da minha idade. Gosto de tocar o que me apetece: Mozart, Schumann... Quando se fala muito em repertório novo, parece que o antigo não é bom, mas todas as peças que toco são de compositores notáveis. Não se trata tanto de pesquisar novo repertório, mas sim de aprofundar o significado das grandes obras, de mergulhar cada vez mais nessa música sublime.

Durante 53 anos foi o pianista do Beaux Arts Trio. A experiência como músico de câmara influenciou a sua abordagem como solista?
Mais importante do que brilhar como solista é a procura do significado profundo da música. Comecei a minha carreira a solo e depois estive com o trio mais de meio século. Adorava o meu trio, ainda adoro quando ouço alguma gravação por acaso. O que fizemos foi de uma grande dedicação e devoção, mas também de grande exigência crítica. Quando terminámos, acabei por redescobrir que era igualmente bom como solista. Poderia ter-me retirado, mas aqui estou. Já viu a minha agenda? Incrível. Poucos solistas têm uma agenda assim!

A decisão de terminar com o Beaux Arts Trio foi difícil?
Não, estava emocionalmente preparado. Eu era o que estava no grupo há mais tempo. O António Meneses, fantástico violoncelista, estava connosco há dez anos e o último violinista [Daniel Hope] teve de sair. Senti que era melhor terminar. Mas orgulho-me muito do nosso percurso e das nossas 61 gravações, entretanto reeditadas.

A sua carreira como professor foi também muito gratificante. Ainda continua a ensinar?
Tive dezenas de estudantes extraordinários e continuo a ensinar. Não conheço outro professor que tenha tanta experiência como eu em tocar por todo o mundo. Posso transmitir experiências aos meus alunos que mais ninguém pode e eles sabem disso. Faço verdadeiramente o que quero e o que quero é o que eu amo; quando sabemos o que amamos e podemos fazê-lo, é tudo. É um milagre poder tocar o repertório maravilhoso que os grandes compositores nos deixaram e conseguir partilhá-lo com tantas gerações de músicos e ouvintes.