O repórter estava mesmo lá?

A credibilidade do autor do polémico livro sobre a campanha e presidência de Donald Trump já foi muitas vezes posta em causa, embora Michael Wolff tenha recebido vários prémios.

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Michael Wolff no hall de entrada da Trump Tower, em Nova Iorque Jabin Botsford/The Washington Post

A Michael Wolff já lhe chamaram muitas coisas – “directo”, “patético”, “calculista. O que nunca disseram dele é que fosse chato.

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A Michael Wolff já lhe chamaram muitas coisas – “directo”, “patético”, “calculista. O que nunca disseram dele é que fosse chato.

Provocador e polémico, Wolff tem tendência para lançar discussões e esticar os factos até ao limite, e por vezes ainda mais além, dizem os críticos. Tem sido acusado não apenas de recriar cenas nos seus livros e colunas em jornais, mas também de as criar a partir do zero.

Este é um contexto necessário para o seu livro mais explosivo, Fire and Fury: Inside the Trump White House, um relato da campanha eleitoral e do primeiro ano na Casa Branca de Donald Trump, cuja publicação o Presidente dos Estados Unidos está a tentar impedir.

Em extractos divulgados antecipadamente, no Guardian e na New York Magazine, Wolff diz que Trump e as pessoas que lhe são mais próximas ficaram surpreendidos pela vitória nas presidenciais de 2016, e não tinham preparação alguma para exercer cargos na Administração. Mesmo assessores e conselheiros de topo duvidam da inteligência do Presidente e fazem pouco dele abertamente.

Mas as revelações mais escandalosas estão nas declarações atribuídas a Steve Bannon, o último responsável pela campanha de Trump e ex-estratega da Casa Branca, até ter saído em Agosto. Bannon diz que a reunião entre o filho mais velho mais velho do Presidente, Donald Trump Jr. e representantes russos em 2016 “pode ter sido traição e pouco patriótico” – declarações que dão fôlego à investigação sobre a interferência da Rússia nas presidenciais.

Trump não está propriamente a pôr em causa o conteúdo do livro, nem Bannon recuou em relação ao que terá dito a Wolff. Antes, Trump reagiu contra Bannon, dizendo até que enlouqueceu.

Mas há quem esteja a pôr em causa o que Wolff escreveu. Ele escreve que Thomas Barrack Jr, um milionário amigo do Presidente, lhe disse que Trump “é não só maluco, como também estúpido”. Ao New York Times, Barrack negou ter dito tal coisa. Katie Walsh, ex-conselheira da Casa Branca, nega ter afirmado que “lidar com Trump é como perceber o que uma criança quer.”

Sarah Huckabee Sanders, porta-voz da Casa Branca, disse que as caracterizações que Wolff faz do funcionamento da Casa Branca “são o oposto do que eu vejo.”

Wolff, de 64 anos, diz que o seu livro se baseia em 200 entrevistas com membros da campanha e da Casa Branca de Trump, incluindo Bannon. Mas não é a primeira vez que o seu trabalho é posto em causa – por causa de citações, descrições e relatos nos seus muitos artigos e livros. Ele próprio já reconheceu que pode não ser de confiança. Em Burn Rate – um best-seller que escreveu sobre a sua experiência como empreendedor nos primeiros tempos da Internet – contou que acalmava os bancos que lhe pediam o pagamento de empréstimos inventando uma história sobre a cirurgia urgente de coração aberto de que o seu sogro precisaria. Os negócios faliram de vez em 1997.

A veracidade do livro foi muito contestada, por exemplo a reprodução tintim-por-tintim de longas conversas, apesar de Wolff tirar muitas notas.

A seguir a este livro, Wolff começou uma coluna na New York Magazine – e os problemas começaram quase de imediato. Judith Regan, uma editora e ex-colega de Wolff na universidade, disse que as declarações suas que ele reproduzia nunca existiram. Não tivera uma conversa pessoal com ele em mais de 30 anos.

A resposta dele: “Ela não fala comigo… Parece que o mundo está cheio de pessoas que já não falam comigo.”

Andrew Sullivan, colunista da revista New Republic, acusou também Wolff de pôr declarações na sua boca, quando ele escreveu, em 2001, que Sullivan “acredita ser o intelectual gay mais importante hoje na América”.

Em 2004, Michelle Cottle escreveu na New Republic que Wolff se tinha tornado no homem do momento no mundo dos media de Nova Iorque, depois de ter ganho dois prémios de comentário National Magazine Awards. “O seu espírito rápido, estilo de escrita estonteante e disposição para dizer absolutamente tudo sobre toda a gente tornaram a sua coluna leitura obrigatória”, escreveu.

Mas, acrescentava Cottle, “o que o aborrece os críticos de Wolff é que as cenas que relata nas suas colunas não são bem recriadas, são criadas – saltam da imaginação dele em vez de serem conhecimento real dos factos. Até Wolff reconhece que trabalhar a reportagem ao estilo tradicional não é o seu forte”. Exclusivo PÚBLICO/Washington Post