Dezassete polícias vão responder em tribunal por racismo e tortura

Agentes suspeitos de espancamento de jovens da Cova da Moura vêem acusação confirmada pelo Tribunal de Instrução Criminal de Sintra. Apenas uma subcomissária foi ilibada.

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Imagem de uma manifestação realizada poucos dias após os incidentes na esquadra, em frente ao parlamento, em Lisboa Nuno Ferreira Santos

Os polícias suspeitos de racismo e de torturarem jovens negros do bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa, vão responder em tribunal por estes e outros crimes. A decisão foi tomada nesta segunda-feira pelo Tribunal de Instrução Criminal de Sintra, que apenas ilibou uma subcomissária.

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Os polícias suspeitos de racismo e de torturarem jovens negros do bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa, vão responder em tribunal por estes e outros crimes. A decisão foi tomada nesta segunda-feira pelo Tribunal de Instrução Criminal de Sintra, que apenas ilibou uma subcomissária.

Tudo sucedeu em Fevereiro de 2015. Vários jovens deslocaram-se à esquadra de Alfragide, na Amadora, após a detenção de um rapaz de 24 anos, que teria apedrejado uma carrinha da PSP que patrulhava o bairro da Cova da Moura.

Os polícias detiveram cinco deles e alegaram que eles "tentaram invadir" a esquadra. Depois de terem sido libertados, 48 horas mais tarde, os jovens queixaram-se de agressões, tortura e discriminação racial.

Após uma prolongada investigação, levada a cabo pela Unidade Nacional Contra Terrorismo da Judiciária, o Ministério Público deu-lhes razão. Concluiu que tinham sido espancados pelos agentes e que estes tiveram colegas de trabalho a fazer tudo o que podiam para os encobrir – incluindo falsificar testemunhos e autos de detenção.

Os factos descritos nos autos da polícia sobre o que se passou a 5 de Fevereiro de 2015 “não se verificaram”, assegura o despacho de acusação, na sequência do qual um dos arguidos, uma subcomissária da PSP, pediu a abertura de instrução do processo. Apenas ela não irá a julgamento: não há provas de que tenha estado naquela esquadra, não terá presenciado as agressões, nem há indícios que tenha limpado o sangue que delas resultou, disse a juíza de instrução criminal de Sintra, Ana Paula Costa. A magistrada mostrou "sérias reservas" quanto aos depoimentos de alguns dos queixosos, segundo o qual teria sido esta agente a limpar o chão, uma vez que se encontravam manietados e incapazes de ver a pessoa a quem os polícias pediram para eliminar estes vestígios. 

Além disso, entendeu a juíza, a subcomissária não podia ser pronunciada pela prática do crime omissão de denúncia, uma vez que não pertencia à Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial da Amadora, onde tiveram lugar as alegadas agressões. Por isso, nenhum dos 17 arguidos acusados era seu subordinado.

A subcomissária mudou de esquadra poucos meses depois dos acontecimentos, encontrando-se agora a trabalhar na zona do Porto, referiu o seu advogado, António Santos Pereira. 

A defesa da subcomissária da PSP “já antevia” esta decisão, depois de o Ministério Público, durante a fase de instrução, ter considerado que não havia “matéria de direito nem matéria de factos para pronunciar” a agente, afirmou o seu advogado.

Para a defesa de 16 dos 17 arguidos, esta decisão é mesmo encarada como "um muito bom sinal", que se pode reflectir na decisão final do julgamento que deverá começar no próximo ano. “Mostra a fragilidade e as incongruências da acusação”, disse Isabel Gomes da Silva, convicta “de que a acusação cairá”, sem no entanto expor os argumentos que sustentam esta convicção. “Em julgamento a verdade será reposta”, disse apenas.

Já os representantes legais dos queixosos estão a avaliar a possibilidade de recorrerem da não pronúncia da subcomissária, sublinhando, no entanto, que o objectivo não é começar uma “qualquer caça às bruxas, mas apurar exactamente quem praticou os actos de que vêm acusados”. Num comunicado enviado pela advogada dos jovens, Lúcia Gomes sublinha que o que pretendem com este processo é obter “justiça efectiva para os profissionais da PSP que não souberam honrar a sua farda e estatuto, abusaram do seu poder, motivados pelos mais básicos sentimentos de discriminação étnica e racial”.

Quase todos os agentes sob suspeita continuam ao serviço, depois de alguns terem ficado de baixa médica, informou a representante legal dos acusados. "Estão todos fora da esquadra de Alfragide, porque assim o pediram", assegurou Isabel Gomes da Silva.

Em Setembro o Ministério Público requereu que fossem suspensos de funções, mas a juíza de instrução criminal entendeu que não se justificava tal medida. O Ministério Público insistiu e aguarda decisão sobre o recurso. A PSP tinha também por hábito suspender os agentes pronunciados por crimes graves, com base no seu regulamento disciplinar, mas não é certo que agora o faça: alguns tribunais têm posto em causa a legalidade deste procedimento.

Além de racismo e tortura, os 17 polícias responderão por sequestro, injúrias, ofensas à integridade física e falsificação agravada de documento. “Se eu mandasse exterminava todos os africanos”, terá dito um deles aos jovens enquanto estavam detidos, de acordo com a acusação.

“A raça africana tem de desaparecer da face da terra” e "deviam ir para o estado islâmico", terão sido outras frases proferidas, ainda segundo a acusação. O despacho descreve também como um dos arguidos atingiu um dos rapazes com uma shotgun de serviço, que dispara balas de borracha, ao mesmo tempo que dizia “Vão morrer todos, pretos de merda!”.