Água medicinal “poderosamente radioactiva”? Sim, já foi recomendada por cá

O Museu da Farmácia do Porto tem uma nova exposição que leva à cidade alguns instrumentos curiosos da história do tratamento de doenças pelo mundo. Há máscaras da vergonha, o frasco da primeira penicilina administrada em Portugal e até vinho para o tratamento da embriaguez...

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O tenente Fernando Ramôa teve imensa sorte. Não por ter sofrido um grave acidente, em Outubro de 1944, nas Lajes, nos Açores, onde estava a cumprir serviço militar. Mas porque, nessa altura, estavam no arquipélago elementos das tropas Aliadas, envolvidas na Segunda Guerra Mundial, e na posse do que era, então, um quase milagroso segredo: a penicilina. Foi graças a ela que o tenente conseguiu recuperar da grave infecção decorrente do acidente e a cura pareceu tão extraordinária que a família do portuense preservou, durante décadas, o frasquinho que continha a substância salvadora.

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O tenente Fernando Ramôa teve imensa sorte. Não por ter sofrido um grave acidente, em Outubro de 1944, nas Lajes, nos Açores, onde estava a cumprir serviço militar. Mas porque, nessa altura, estavam no arquipélago elementos das tropas Aliadas, envolvidas na Segunda Guerra Mundial, e na posse do que era, então, um quase milagroso segredo: a penicilina. Foi graças a ela que o tenente conseguiu recuperar da grave infecção decorrente do acidente e a cura pareceu tão extraordinária que a família do portuense preservou, durante décadas, o frasquinho que continha a substância salvadora.

O frasco portador da primeira penicilina administrada a um português ficou, assim, guardada, até ser oferecida ao Museu da Farmácia e é, agora, um dos itens que pode ser visto na exposição que abre ao público esta sexta-feira, no Porto. Uma exposição que marca os 21 anos da inauguração do núcleo de Lisboa (o do Porto só abriu em 2010) e que traz ao Norte algumas peças que nunca por cá andaram.

Como uma farmácia portátil utilizada pelos astronautas do space shuttle Endeavour, no ano 2000, e que foi oferecida pela Nasa ao Museu da Farmácia. Ou a Máscara da Vergonha, uma peça em ferro colocada no rosto das mulheres, nos séculos XVI e XVII, que tem duas grandes orelhas (porque ela ouviu demais), uma língua comprida (porque falou demais) e se tinha “portado tão mal como um animal” (e tem, por isso, um nariz de porco). A descrição é de Paula Basso, sub-directora do museu, que aponta ainda a campainha colocado na testa da máscara, “para chamar a atenção sobre a pessoa que a usava e a humilhação ser maior”. E curava o quê? Diziam que era boa para “moralidade”.

A exposição que estará, até 31 de Março no edifício da Rua Eng.º Ferreira Dias, na zona industrial, parece, à primeira vista, coisa pouca e que se vê em poucos minutos. Não passa de uma espécie de corredor artificial montado no átrio do edifício, ainda antes de se entrar no museu propriamente dito, mas é olhar com atenção para cada uma das peças e absorver as suas histórias e não falta o que o faça sorrir ou pensar. É ver como a Farmácia Medeiros, de Lisboa, tinha entre os seus produtos de elite, em 1930, uma garrafa de “Vinho para o tratamento da embriaguez” - é, assim, tal qual, que se anuncia no rótulo -, ou com nos anos de 1920, as termas de Vidago tinham para vender “Água medicinal poderosamente radioactiva”. Ou pare ainda para pensar nas voltas que isto dá quando observar os Cigarros Asthmador, também da década de 1920, indicados “para o tratamento da asma”. 

Entre as peças que povoam esta exposição há muitas outras curiosidades, como um pequeno modelo em marfim de uma mulher grávida, em que é possível remover a barriga e ver o bebé alojado no útero (é do século XVIII), ou um cinto de castidade que era muito usado pelas mulheres no século XIX, quando a Revolução Industrial a levou a um universo fabril cheio de homens, e que elas usavam para se proteger de ataques inconvenientes. No campo mais recente, há a mochila que o alpinista João Garcia usou para transportar a heparina “que lhe salvou a vida no Evereste”, conta Paula Basso, ou uma pequena farmácia portátil oferecida por António Guterres, quando ainda presidia à ACNUR e costumava levar este tipo de utensílios para os campos de refugiados.

Além destes objectos, há muitos outros com histórias para contar, mas João Neto diz que ainda está à espera de, pelo menos, mais um. E oriundo do Porto. “O presidente do FC Porto, (Pinto da Costa) prometeu doar algo ao Museu da Farmácia, e estamos à espera, porque sabe-se que o dragão faz parte do imaginário da farmácia e na Idade Média acreditava-se mesmo que o sangue de dragão curava todas as feridas”, diz.

Brincadeira à parte (ainda que o director do Museu da Farmácia esteja mesmo à espera de uma doação de Pinto da Costa) há outra coisa que o espaço gostaria de ter no Porto, mas que ainda não tem - uma nova localização. “Não tem sido fácil, mas ainda não desistimos. Gostaríamos de ter um local com melhor acessibilidade, no centro da cidade”, diz. O caso poderia ter sido resolvido se a EMA tivesse escolhido o Porto para morada, já que existia a hipótese de o museu se instalar no edifício que acolhesse a agência europeia, mas com a ida para Amesterdão daquele órgão, é preciso esperar por outra solução.

A localização do Museu da Farmácia no Porto, fora do centro e entre os armazéns da zona industrial, acaba por afastar muitos potenciais visitantes que perdem assim a oportunidade de ver verdadeiras jóias como a Farmácia Estácio ou a Farmácia Islâmica, remontadas no interior do museu. Quem quiser passar por lá, pode fazê-lo entre as 10h e as 18h, de segunda a sexta-feira, ou aos sábados, das 14h às 18h.