Bacalhau seco e salgado continua a ser rei à mesa dos portugueses

A Lugrade lançou lote com 20 meses de cura e já teve que duplicar produção, mas os custos de envelhecimento e condições de demolha estão a empurrar a restauração e os consumidores para o demolhado ultracongelado.

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Nelson Garrido

É à mesa que bacalhau e azeite andam sempre associados e talvez isso ajude a explicar por que a Lugrade foi sempre uma empresa focada na produção e comercialização de bacalhau seco salgado. O fundador trabalhou numa unidade de produção de azeite, que era exportado para a Noruega e pago em bacalhau. “Foi assim que o meu pai começou a entender do negócio do bacalhau”, explica o sucessor, Joselito Lucas, que hoje administra a empresa em conjunto com o irmão Vítor.

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É à mesa que bacalhau e azeite andam sempre associados e talvez isso ajude a explicar por que a Lugrade foi sempre uma empresa focada na produção e comercialização de bacalhau seco salgado. O fundador trabalhou numa unidade de produção de azeite, que era exportado para a Noruega e pago em bacalhau. “Foi assim que o meu pai começou a entender do negócio do bacalhau”, explica o sucessor, Joselito Lucas, que hoje administra a empresa em conjunto com o irmão Vítor.

Portugal é historicamente o país com maior consumo de bacalhau seco e salgado. O bacalhau é o ícone da nossa gastronomia, e a diversidade e criatividade de receitas a ele associadas claramente diferenciam a cozinha portuguesa de todas as outras. Há uma cultura de bacalhau que vem desde a Idade Média. E que passou a culto com a sua associação ao Natal, uma forma hábil de então contornar o jejum proibitivo da Igreja.

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Os irmãos Joselito e Vítor Lucas Nelson Garrido

O seco e salgado está-nos no sangue e todos querem o melhor para o Natal. É por isso que, desde há dois anos, a Lugrade aposta em subir a parada. Um lote muito especial com 20 meses de cura e capaz de satisfazer os mais exigentes e caprichosos.

Chamam-lhe o lote “Vintage 20 Meses”, que no ano passado teve duas mil unidades e passa para mais de quatro mil este ano. Os peixes foram capturados na baía de Keflavik, na Islândia, no dia 9 de Fevereiro de 2016, ou seja, no período óptimo antes da desova, que ocorre a partir de Abril. Depois de escalado e salgado no próprio dia da captura, o bacalhau é transportado para Portugal, seguindo-se a cura de 17 meses em sal, mais três no túnel de secagem e outros três de repouso antes de começar a ser embalado.

“São à volta de 25 toneladas que durante estes 20 meses representam centenas de milhares de euros parados”, esclarece Joselito Lucas, não para justificar o preço a que chega ao mercado (à volta de 25€/quilo), mas a principal razão pela qual é cada vez mais frequente o bacalhau com curas rápidas, que cada vez mais encontramos no mercado e na restauração. E os portugueses queixam-se da qualidade.

Em muitos casos, os produtores de bacalhau estão agora a exigir aos clientes a compra logo no início do processo, para recolha depois de completado o processo de cura. É uma espécie de compra en primeur, como acontece com os grandes vinhos em França.

Para lá do especial Vintage, a Lugrade tem durante todo o ano o lote Seleção Diogo Rocha, com oito meses de cura, que associa ao chef do restaurante Mesa de Lemos, que desenvolve receitas e é uma espécie e embaixador da marca. Em maior quantidade — cerca de 400 toneladas por ano — o Lugrade Islândia tem seis meses de cura.

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Nelson Garrido

Com sete meses de envelhecimento, o Cura Amarela, que resulta de uma passagem por água doce antes da secagem e que lhe provoca a oxidação de tons dourados. Pede, por isso, tratamento diferente no processo de demolha. Como é menor o teor de sal, deve ser acrescentado sal no primeiro dia de demolha, de modo a que não diminua o período ideal de hidratação.

“Embora muitas pessoas pensem o contrário, o cura amarela não tem que ver com a qualidade do bacalhau, resultando apenas da passagem por água doce e consequente oxidação”, descreve o administrador da empresa, que faz questão de desmontar também outra espécie de equívoco que atribui uma menor qualidade ao bacalhau demolhado ultracongelado. “O que acontece é que é normalmente de pouca ou nenhuma cura, mas se for demolhado e congelado depois de uma boa cura não há qualquer alteração da qualidade”, garante.

A mesma ressalva deixa Gonçalo Bastos, administrador da Caxamar, outra das empresas que dá particular atenção à qualidade do bacalhau salgado seco. Também aqui é utilizado apenas sal marinho português de primeira escolha e os peixes — apanhados antes da desova — são escalados e salgados logo após a apanha. Sem congelamento, viajam para Portugal, onde recebem a segunda salga, seguindo-se os 10 a 12 meses de cura. “Depende do comportamento do peixe, já que a matéria orgânica vai perdendo capacidade de hidratação. Depende da salga e não da seca”, explica o empresário.

É assim que são definidas as escolhas Linha d’Ouro e Caxamar Seleção, cujos peixes levam etiqueta própria e são definidas internamente como linhas super premium e premium. “E, tanto seco como demolhado, a qualidade é a mesma”, garante Gonçalo Bastos.

Para a crescente procura do bacalhau demolhado ambos os empresários apontam o boom da restauração no centro das cidades associado ao turismo. Espaços pequenos, sem condições para armazenamento ou demolha, ditaram o recente crescimento da procura depois de um primeiro impulso há uns anos, motivado pelas exigências da ASAE para a demolha. Um fenómeno que passou mas cujas consequências perduram.

Na Caxamar, o bacalhau demolhado deverá representar já este ano metade das vendas de mais de sete toneladas. Muito diferente é a escala da Lugrade, que produz uma média de 20 toneladas diárias de todo o tipo de produtos associados ao bacalhau. Depois de 29 anos exclusivamente concentrada no seco salgado, abriu em 2016 uma nova unidade industrial para produção própria de bacalhau demolhado ultracongelado.