Empresas que não cumpram igualdade salarial podem ser impedidas de celebrar contratos com o Estado

Proposta de lei foi aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, numa altura em que as mulheres nos quadros superiores das empresas portuguesas recebem 72,1% do que os homens auferem, segundo relatório que coloca Lisboa no topo do ranking das regiões mais desiguais.

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As empresas portuguesas vão ser obrigadas a corrigir as desigualdades salariais entre homens e mulheres. Esta quinta-feira (no mesmo dia em que foi apresentado um relatório que concluiu que as trabalhadoras portuguesas ganham em média menos 240 euros do que os homens), o Conselho de Ministros aprovou uma lei que prevê penalizações para as empresas incumpridoras. 

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As empresas portuguesas vão ser obrigadas a corrigir as desigualdades salariais entre homens e mulheres. Esta quinta-feira (no mesmo dia em que foi apresentado um relatório que concluiu que as trabalhadoras portuguesas ganham em média menos 240 euros do que os homens), o Conselho de Ministros aprovou uma lei que prevê penalizações para as empresas incumpridoras. 

Nos termos da proposta - que terá ainda que passar pelo crivo da Assembleia da República -, a discriminação salarial em razão do sexo constitui uma contra-ordenação grave. Nos termos do Código do Trabalho, as penalizações podem passar pela limitação ou mesmo proibição de assinar contratos com o Estado, da adjudicação de obras a programas de subsidiação de estágios laborais, passando pelo concurso a fundos estruturais europeus. 

Nos primeiros dois anos, a proposta do Governo prevê que a lei seja aplicável apenas às empresas com 250 ou mais trabalhadores. A partir do terceiro ano, aplicar-se-á às empresas com 100 ou mais trabalhadores, o que deixa de fora milhares de micro e pequenas empresas.

Mas, e antecipando-se a eventuais críticas quanto à universalidade da lei, a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, esclarece que não é bem assim. “Qualquer trabalhador abrangido pelo Código do Trabalho, independentemente da dimensão da empresa em que trabalha, verá reconhecido o direito de requerer à CITE [Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego] um parecer sobre a existência ou não de discriminação salarial no seu local de trabalho em razão do género. As empresas visadas ficam então, tal como todas as outras, obrigadas a demonstrar o contrário ou, em alternativa, a adoptar medidas correctivas.”

Na prática, o que se pretende é que as empresas assegurem políticas remuneratórias transparentes, “com base em critérios objectivos e não enviesados pelas questões de género”. “É uma mudança de paradigma", sustenta Rosa Monteiro.

A proposta governamental foi aprovada no mesmo dia em que um relatório da CITE quantificou a existência de uma desigualdade em função do sexo que não é de hoje: no final de cada mês, e para um trabalho igual, as mulheres recebem um cheque de apenas 966,9 euros, contra os 1207,8 euros auferidos pelos homens. É uma diferença média de 240,9 euros que se repete todos os meses, segundo os dados de 2015, e que, além do salário, inclui componentes como o trabalho suplementar, prémios e outros benefícios.

Quando a análise incide apenas sobre a remuneração média mensal de base, isto é, sem horas extras ou prémios de produtividade, por exemplo, as disparidades mantêm-se, ainda que ligeiramente atenuadas: elas ganham 825 euros contra os 990 euros dos homens. É uma diferença percentual de 16,7%, que se traduz num “desconto” de 165 euros no salário que elas levam para casa.

Se entre os “praticantes e aprendizes”, a disparidade salarial assente no género é menor, com elas a ganharem 92% do ganho médio mensal dos homens, é nos “quadros superiores” que as diferenças se agravam. Nesta categoria, elas ganham apenas 72,1% do salário pago aos homens. E se é verdade, por outro lado, que, entre 2014 e 2015, o diferencial nas remunerações base se reduziu em 1,4 pontos percentuais nos profissionais semi-qualificados, nas categorias de topo a tendência foi inversa. As mulheres com funções profissionais “altamente qualificadas” viram agravada a disparidade salarial em 2,2 pontos percentuais e as profissionais qualificadas em 0,5 pontos percentuais.

Trabalho doméstico e crianças

Refira-se a este propósito que as mulheres afectam diariamente mais uma hora e 40 minutos ao trabalho doméstico e à prestação de cuidados a crianças e adultos do que os homens, segundo o mesmo relatório. Que conclui ainda que os homens despendem em média por dia mais 27 minutos no trabalho pago.

Ora, num país que, segundo a secretária de Estado, “valoriza muito a cultura presentista e as longas jornadas”, e em que a conciliação entre o trabalho e a vida familiar “se joga sobretudo no feminino”, a menor presença de mulheres em cargos de chefia, aliada às componentes variáveis do salário, pode ajudar a explicar algumas disparidades. Mas não todas. E é, para Rosa Monteiro, “chocante que a posse de mais qualificações não garanta às mulheres o princípio efectivo da igualdade”.

Disparidades entre licenciados

Dito isto, os parágrafos seguintes do relatório corroboram as conclusões anteriores ao demonstrarem que no grupo dos licenciados elas ganham em média apenas 70,7% do salário pago aos homens, enquanto entre os que não foram além do 1.º ciclo do ensino básico elas auferem 82,8% do ganho médio mensal masculino.

Lisboa é a região onde a discriminação salarial é mais aguda. A cada final do mês elas vão para casa com menos 232,8 euros na remuneração base, num diferencial que aumenta para os 321,2 euros no ganho médio mensal. Por outro lado, as regiões onde as disparidades não são tão grandes são também aquelas onde preponderam as profissões menos qualificadas e que ostentam, por isso, os níveis remuneratórios mais baixos do país: Algarve e Açores. 

Em dois anos, 774 mil trabalhadores

A proposta prevê que o Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho disponibilize em cada ano informação sobre as diferenças remuneratórias, por sector e por empresa. Face a irregularidades, o GEP informa a inspecção do trabalho a quem compete notificar as empresas, dando-lhes dois anos para fazerem a avaliação das diferenças remuneratórias e para, a partir daí, adoptarem medidas de correcção, caso se revelem injustificadas. Nos primeiros dois anos, a lei deverá abarcar os 774.569 trabalhadores ao serviço de empresas com 250 e mais funcionários. No terceiro ano, alargar-se-á a mais 1,8 milhões de trabalhadores.