Supremo brasileiro dá vitória a índios ao negar indemnização ao estado de Mato Grosso

Decisão deu força aos debates acerca do “marco temporal”, entendimento que quer limitar os direitos indígenas no Brasil.

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O Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro negou nesta quarta-feira o pedido de indemnização feito pelo estado do Mato Grosso, por desapropriação de terras para demarcação de reservas indígenas.

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O Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro negou nesta quarta-feira o pedido de indemnização feito pelo estado do Mato Grosso, por desapropriação de terras para demarcação de reservas indígenas.

O estado, localizado no centro do país, possui uma poderosa indústria agrícola assim como um histórico de conflitos agrários, alegava que os territórios em questão pertenciam ao estado antes de se tornarem reserva demarcada e que, portanto, era preciso uma indemnização. Já a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão oficial brasileiro, alegou que as terras eram imemorialmente indígenas e que, por isso, o seu reconhecimento era garantido pela Constituição de 1988.

De maneira geral, o julgamento girou em torno da questão de se poder afirmar que as terras pertenciam ao governo do estado antes de terem sido reconhecidas e demarcadas como reserva indígena, ou se, de facto, tratava-se de um território tradicionalmente ocupado pelos índios e, portanto, sem qualquer possibilidade de posse por parte do Mato Grosso.

Para o STF, que decidiu de forma unânime, prevaleceu a segunda hipótese: a região sempre foi território de ocupação indígena. Segundo os ministros (nome dado aos juízes do STF no Brasil) , o processo contava com muitas provas que sustentam essa realidade. Além disso, de acordo com a Folha de São Paulo, a ministra Rosa Weber chegou a criticar a tese do governo do Mato Grosso, afirmando não apoiar de forma alguma o argumento de que as terras em questão poderiam ser consideradas devolutas, posicionamento que se repetiu no voto de alguns outros juízes.

Apesar de pontual, a decisão foi recebida com entusiasmo pelos activistas dos direitos indígenas. Em entrevista ao portal G1, o índio guarani kaiowa Adilio Benites afirmou: "É uma vitória muito importante para o nosso povo, nossa família que está lá no Mato Grosso sofrendo e lutando por saúde, território."    

Marco temporal

O julgamento teve um peso especial para o Governo brasileiro, porque ocorreu numa altura em que voltaram à tona os debates acerca do chamado "marco temporal".

O “marco temporal” é um entendimento que surgiu em 2009, durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol (uma das maiores demarcações já realizadas no Brasil) pelo STF. De acordo com ele, só seria possível garantir os direitos dos índios à terra, caso eles estivessem a ocupá-la no momento da promulgação da Constituição de 1988.

Tal interpretação, apesar de defendida por alguns ministros do supremo, é criticada por uma série de organizações não-governamentais por ignorar o facto de que, muitas vezes, os índios tinham sido expulsos de seus locais de origem. Para o constitucionalista brasileiro José Afonso da Silva, o marco temporal é inconstitucional pelos entraves que impõe. No entanto, em meados de Julho, o Presidente Michel Temer assinou um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) para determinar que toda a administração federal passe a adoptá-lo como parâmetro.

De acordo com a nota oficial divulgada pela AGU em 19 de julho, a medida não inova pois apenas consolida um posicionamento estabelecido pelo julgamento do caso Raposa Serra do Sol. Do outro lado, advogados e activistas afirmam que não é possível estender o que foi decidido neste caso para todos os outros.

Segundo a Folha de São Paulo, a acção de Michel Temer paralisou 748 processos e foi motivada em grande parte pela necessidade de buscar apoio junto à bancada ruralista do Congresso, para escapar às denúncias por corrupção apresentadas pela Procuradoria Geral da República.

Havia alguma esperança de que os ministros se pronunciassem sobre a questão do marco temporal nesta quarta-feira, no entanto, não houve comentários sobre o tema.