Carlos Fino está a fazer-se doutor do outro lado do Atlântico

Antigo jornalista da RTP vive no Brasil há 13 anos. Está aposentado, mas não parou: está prestes a completar um doutoramento sobre as relações (e a falta delas) entre os dois países.

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Carlos Fino tem descoberto que Pero Vaz de Caminha estava enganado. Na carta que escreveu ao rei D. Manuel, a 1 de Maio de 1500, dando conta da chegada da frota liderada por Pedro Alvares Cabral ao Brasil, o escrivão elogiava as características do solo brasileiro. “Nesta terra, em se plantando, tudo dá”, é a frase que lhe é habitualmente atribuída. “Ele só viu uma parte do território quando aqui chegou”, comenta, entre sorrisos, o antigo jornalista da RTP, que desde há 13 anos vive em Brasília.

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Carlos Fino tem descoberto que Pero Vaz de Caminha estava enganado. Na carta que escreveu ao rei D. Manuel, a 1 de Maio de 1500, dando conta da chegada da frota liderada por Pedro Alvares Cabral ao Brasil, o escrivão elogiava as características do solo brasileiro. “Nesta terra, em se plantando, tudo dá”, é a frase que lhe é habitualmente atribuída. “Ele só viu uma parte do território quando aqui chegou”, comenta, entre sorrisos, o antigo jornalista da RTP, que desde há 13 anos vive em Brasília.

No “quintalzinho” de sua casa, Fino cultiva rosas e cuida de algumas árvores. Só que o terreno do Planalto Central, onde fica a capital brasileira, não podia ser mais distinto daquele que Pero Vaz de Caminha viu na costa, no século XVII. “A terra aqui pobre e tem muitas pragas”, conta o repórter que, entre outras funções, foi correspondente da RTP em Moscovo durante os anos 1980, em plena Guerra Fria. Essas condições do território obrigam-no a esforços redobrados para manter vivas as espécies que alimentam o seu hobby.

Carlos Fino precisa do escape entre flores e frutos para o ajudar a manter uma “disciplina diferente” daquela a que estava habituado enquanto foi jornalista, durante cerca de 40 anos. A responsabilidade dessa mudança é do projecto a que está dedicado, desde que se aposentou da RTP. O repórter está a escrever a sua tese de doutoramento. Chamou-lhe “A incomunicação de Portugal/Brasil. Razões do estranhamento” e ainda que o grau seja na área de Ciência da Comunicação, cruzam-se matérias de História e das Relações Internacionais.

“A investigação corresponde a uma interrogação com a qual vivi durante os oito anos em que fui conselheiro de imprensa na embaixada: como é que se formou este distanciamento entre Portugal e o Brasil”, precisa ao PÚBLICO, numa conversa por Skype. “Por um lado, há sempre, de uma e outra partes, uma espécie de tropismo no sentido da aproximação, mas, por qualquer relação misteriosa, o contacto entre Portugal e Brasil nunca se desenvolveu como poderia”, acrescenta.

A culpa é de Camões

A tese de doutoramento tem orientação partilhada por académicos da Universidade de Brasília e da Universidade do Minho. Nela, Carlos Fino investiga as raízes do afastamento entre os dois países que “começam na própria colonização” e depois têm um “encadear de factos históricos” – a tentativa de Portugal reconstituir o estatuto colonial do Brasil após o fim das guerras peninsulares; o “jacobinismo” dos primeiros anos da República brasileira ou os episódios com os dentistas daquele país, já no final do século XX – que criaram um mal-estar que “não tem sido possível reverter”.

O antigo jornalista defende também que Portugal não tem tido um verdeiro interesse pelo Brasil. E a culpa até a podemos encontrar em Luiz de Camões. “Falta um canto aos Lusíadas. Camões assinala a epopeia portuguesa em África e na Ásia, mas não a do Brasil. Não estando nos Lusíadas, essa parte da história não se fixou no imaginário nacional”, ilustra.

As portas do Brasil abriram-se para Carlos Fino em 2004. No ano anterior, tinha sido o enviado da RTP ao Iraque para a cobertura da segunda ofensiva norte-americana no país. Quando os bombardeamentos começaram em Bagdad, na madrugada de 20 de Março, estava em directo para a RTP, através de videofone. Foi por isso o primeiro jornalista no mundo a dar conta do início das operações militares dos EUA.

O “furo” teve grande impacto nos meios mediáticos brasileiros, já que a emissão do canal público português passava naquele país fruto de uma parceria com a TV Cultura, de S. Paulo. Nas semanas seguintes, fez directos para o canal paulista praticamente todos os dias, depois de terminado o trabalho para a RTP. Também respondeu a várias chamadas de outros órgãos de comunicação brasileiros. No final do conflito, Carlos Fino foi convidado a ir ao Brasil fazer uma série de conferências. Por coincidência, na mesma altura, o então embaixador de Portugal em Brasília, António Franco, convida-o para ser conselheiro de imprensa na embaixada, um cargo que tinha ficado vago. Aceitou e ocupou essas funções oficiais entre 2004 e 2012.

Quando deixou a embaixada de Portugal em Brasília, ainda pensou que pudesse continuar a fazer jornalismo a partir do Brasil, eventualmente como correspondente de algum órgão de comunicação social português. Afinal, era um homem habituado à função. Além de ter estado em Moscovo durante a Guerra Fria – e o colapso da União Soviética –, foi também correspondente da RTP em Washington e Bruxelas, tendo igualmente feito reportagem para o canal público em várias guerras, da Tchetchénia, ao Kosovo, passando pelo Afeganistão, além do Iraque.

“Ainda fiz alguns contactos. De uns nem sequer tive resposta. A própria RTP [com quem mantinha formalmente vínculo laboral] estava mais interessada em que eu saísse”, recorda. Carlos Fino acabou por aposentar-se. Entretanto, durante o período em que trabalhou na embaixada, conheceu a mulher com quem está casado. O plano de vida passou, por isso, por manter-se a viver no Brasil. “Ela ainda tem alguns anos para se reformar. Quando isso acontecer, vamos viver entre cá e lá”, antecipa.

Antes disso, tem também uma tese de doutoramento para acabar. O calendário inicial implicava que a entregasse em Outubro, mas o trabalho vai precisar de mais uns meses de maturação: “Talvez em meados do próximo ano”.