“As hortas, as árvores. Estava tudo tão bonito e ardeu tudo”

Incêndio que começou na Sertã no domingo continuava activo em Mação nesta quarta-feira. Aqui, ao fim do dia, o presidente da câmara estimava que a área ardida superasse os 17 mil hectares.

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Luísa Pereira tinha no quintal mirtilos, vários tipos de vinha, pessegueiros, medronheiros. “Tinha árvores de toda a qualidade. Foi-se tudo”, conta, numa aldeia de Casas da Ribeira — concelho de Mação — ainda fumegante. Ali várias casas arderam, a maioria delas devolutas, mas também uma de primeira habitação.

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Luísa Pereira tinha no quintal mirtilos, vários tipos de vinha, pessegueiros, medronheiros. “Tinha árvores de toda a qualidade. Foi-se tudo”, conta, numa aldeia de Casas da Ribeira — concelho de Mação — ainda fumegante. Ali várias casas arderam, a maioria delas devolutas, mas também uma de primeira habitação.

Entre as quatro e as cinco horas da tarde desta quarta-feira o incêndio de Mação, que ao fim do dia tinha três frentes activas, chegou à aldeia. Luísa, que tem 65 anos e que há seis voltou a Casas da Ribeira para a passar a reforma, conta que só teve tempo de ligar a rega automática no quintal, pôr uma mangueira por cima de si própria e correr. “Já não vou replantar nada. Não vale a pena.”

Durante o dia a situação foi volátil. No posto de comando, em frente à sede da GNR de Mação, as informações chegavam por via da autarquia, e a cada hora havia notícia de uma aldeia diferente que estaria ameaçada. As chamas andaram por localidades como Pereiro, São José das Matas, Aldeia de Eiras e Castelo.

Ao fim da tarde, o presidente da Câmara Municipal de Mação, Vasco Estrela, dizia que uma parte importante do incêndio no concelho estava “relativamente controlada”.

Mas se a meio do dia o vice-presidente da câmara explicava que metade da área florestal do concelho de Mação — composta essencialmente por eucaliptos, pinheiros e acácias — já tinha ardido, ao cair da noite Vasco Estrela estimava que a superfície atingida pelas chamas andasse entre os 17 e os 18 mil hectares.

Havia registo de três feridos, sendo um deles uma idosa que perdeu a primeira habitação em Casas da Ribeira e outro um bombeiro. Ambos receberam cuidados médicos devido a queimaduras.

O incêndio de Mação, distrito de Santarém, começou no domingo, no município da Sertã (Castelo Branco), mais a Norte. Nos últimos dias alastrou-se também a Proença-a-Nova. Nesta quarta-feira de manhã estava a três quilómetros de Mação, mas ao longo do dia as chamas foram consumindo floresta e, apesar da actividade incessante dos aviões canadair e dos operacionais no terreno, ao cair da noite já se aproximavam da vila.

“Tenho medo”

Em Casas da Ribeira, Helena Mota passeava o ofegante Black pelo meio das ruas de aldeia, observando, com um lenço a tapar a boca, os estragos que o incêndio causara. Pelo final da tarde, ainda havia bombeiros a apagar pequenos incêndios em casas devolutas e terrenos. Apesar de ser de Campo Maior, Helena vive ali há cerca de vinte anos com o marido, natural da terra. “Comprámos um palheiro, renovámo-lo, fizemos ali a nossa casinha. Empatámos aqui as nossas economias”, contava, ao lado do cão.

A casa salvou-se, mas em redor das habitações ardeu quase tudo, desde pinhal a terrenos agrícolas. O fogo já tinha rondado Casas da Ribeira na noite de terça, mas na tarde de quarta chegou lá. “Às 11h começámos a ver uma coluna de fumo na horta da Rabaça”, dizia, apontando para o outro lado da aldeia. Depois foi-se aproximando. “Hoje (ontem) foi medonho.” Os bombeiros estiveram sempre presentes, garantia.

Quando lhe perguntam quantas pessoas vivem na aldeia faz a contabilidade pelos nomes. Vai rua a rua até somar cerca de 20, numa população que está envelhecida. Mas já foram mais de 40, lembra. Hoje não sente grande encanto pela terra. Motivam-na tricas pessoais, mas os incêndios também não ajudam. “Tenho medo. Claro que tenho.”

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Maria da Conceição regava os escombros fumegantes de o que já foi uma casa na aldeia de Santos, também no município de Mação. Os bombeiros disseram-lhe que já não havia perigo, mas fê-lo na mesma, apenas por precaução.

O fogo passou por ali durante a noite de terça-feira, quando os cerca de 17 habitantes da aldeia já tinham sido retirados. Alguns ficaram, para salvarem as casas das chamas, mas tiveram reforços.

“Foi em 2003, é assim agora”

Ao final da manhã desta quarta-feira, quando tudo estava mais calmo, Maria contava que as casas que arderam eram na maioria devolutas. De resto, arderam terrenos agrícolas e algumas estruturas, como barracões. “Foi em 2003, é assim agora”, lamentava esta mulher, nascida em Santos, para onde voltou já reformada.

Durante a tarde de terça-feira já se assistia à aproximação da coluna de fumo. “Estávamos à espera dele.”

A partir das 18h “o vento virou” e, por volta das 21h” a aldeia começou a ser evacuada. “As hortas, as árvores. Estava tudo tão bonito e ardeu tudo. É uma tragédia”, suspirava, enquanto apontava para as encostas de eucaliptos, pinheiros e acácias que cercam Santos, descrevendo por onde as chamas vieram e lembrando o som que fazia.

Pedro Pais, umas casas ao lado, contou que o que lhes valeu foi uma motobomba, normalmente utilizada para fins agrícolas. Já não há água da rede, mas a electricidade não faltou. De t-shirt que já foi branca e calças que denunciam a noite sem dormir e em sobressalto, falava em cerca de 10 casas ardidas, mas todas estariam desabitadas.

“Foi muito feio.” O fogo terá chegado por volta da meia-noite e chegou a poucos metros das casas em alguns pontos de Santos. Pedro Pais não mora na aldeia do concelho de Mação, mas vive lá o sogro, de 76 anos, uma faixa etária que corresponde à da maioria da restante população. Mostra nas traseiras da casa o ponto que as chamas atingiram enquanto explica que veio de Oeiras para ajudar a evitar o pior.

Aliás, foi esse movimento que impediu que o incêndio que veio da Sertã e foi descendo até Mação fizesse mais estragos em Santos, contam Delmira Oliveira e Helena Inocêncio. “O que valeu aqui foram os filhos e os netos que vieram todos.” Houve também quem viesse de aldeias vizinhas para ajudar. Os bombeiros só chegaram quando a fase mais crítica já tinha passado, dizem.

A situação acalmou por volta das 4h, estimam. Referem, no entanto, que o apoio já melhorou em relação ao incêndio de 2003, quando “ninguém evacuou nada e isto ardeu tudo”, lembra Delmira.

Também com 2003 na memória, Pedro Pais diz que agora resta esperar pelos próximos 15 anos, pelo próximo grande incêndio.

Num balanço feito pelas 19h15, a Protecção Civil afirmava que os fogos nos distritos de Castelo Branco, Portalegre, Santarém e Coimbra eram os que concentravam mais meios, havendo registo de 12 feridos ligeiros.

Os incêndios florestais não são caso único em Portugal e na Europa afectam em maior escala os países do Sul. Os dados do sistema de informação europeu sobre fogos florestais mostram, no entanto, que Portugal apresenta um valor muito superior aos seus parceiros em termos de área ardida.

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