Dois gigantes tentam passar por um corredor apertado. E agora?

Soldados chineses e indianos estão envolvidos há mais de um mês num impasse numa zona fronteiriça dos Himalaias e ninguém quer sair a perder.

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O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, (à esquerda) e o Presidente chinês, Xi Jinping, durante uma cimeira dos BRICS, em Outubro de 2016 Danish Siddiqui / Reuters

Há mais de um mês que centenas de soldados chineses e indianos estão face a face numa zona dos Himalaias altamente contestada. A retórica está inflamada entre as duas maiores potências asiáticas, com a China a recordar a Índia de guerras passadas. Ninguém tem interesse em ver um conflito entre as duas nações mais populosas do mundo – alguém terá de ceder.

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Há mais de um mês que centenas de soldados chineses e indianos estão face a face numa zona dos Himalaias altamente contestada. A retórica está inflamada entre as duas maiores potências asiáticas, com a China a recordar a Índia de guerras passadas. Ninguém tem interesse em ver um conflito entre as duas nações mais populosas do mundo – alguém terá de ceder.

Em meados de Junho, um grupo de engenheiros do Exército de Libertação do Povo iniciou o prolongamento de uma estrada que deverá passar pela planície de Donglang (Dokalam, como é conhecida na Índia), perto dos Himalaias. Foram enviados pouco tempo depois vários soldados indianos para travar os trabalhos, que se aproximavam de uma região contestada pela China e pelo Butão, o principal aliado regional de Nova Deli.

Desde então, tanto a China como a Índia aumentaram o número de militares no local, onde se encontram praticamente frente a frente, de acordo com a imprensa dos dois países. Até agora não houve troca de tiros – embora as forças chinesas tenham destruído dois bunkers das tropas fronteiriças – mas a tensão entre os dois países agravou-se de forma dramática.

Esta semana, um porta-voz do Ministério da Defesa chinês garantiu que Pequim estava preparado para defender a sua soberania na região “a todo o custo” e deixou um aviso que dá pouca margem para dúvidas: “É mais fácil abanar uma montanha do que o Exército de Libertação do Povo.”

Na imprensa indiana, tradicionalmente muito nacionalista, multiplicam-se os apelos a uma acção forte por parte de Nova Deli. “Em vez de parecer desejosa por negociações, a Índia deve insistir que a China primeiro retire as suas tropas e pré-condições, enquanto não deve deixar dúvidas que irá manter a sua posição, aconteça o que acontecer”, escrevia recentemente um analista no Hindustan Times.

A polémica parece resumir-se a uma contenda histórica entre a China e o Butão, o pequeno reino budista encravado entre duas grandes potências, em torno da soberania sobre Dokalam, cuja verdadeira importância é a localização estratégica. Para a Índia, assegurar que a planície não é controlada por Pequim trata-se quase de uma questão de sobrevivência. A estrada planeada pela China dar-lhe-ia acesso ao chamado “pescoço da galinha”, um corredor de 20 quilómetros de largura que liga o grosso do território indiano aos estados mais a leste.

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Como sempre em questões deste género, é muito difícil discernir quem tem direito sobre o território – há precedentes históricos e mapas para todos os gostos. Apesar de não terem relações diplomáticas, a China e o Butão mantiveram desde os anos 1980 várias rondas de negociações para resolver as várias divergências fronteiriças entre si, mas muitas permanecem por resolver. A construção de uma estrada pela China é vista pelo Butão – e pela Índia – como uma violação do status quo.

As relações entre a Índia e a China nunca foram fáceis e um choque destes pode ser apenas reflexo da crescente assertividade no palco mundial que os dois países querem mostrar. “Em última instância, as origens deste confronto estão enraizadas nas tensões latentes sobre o lugar da Índia e da China como poderes asiáticos rivais”, escreve Ankit Panda, editor da revista The Diplomat.

Lembranças de guerra

Nas mentes de todos os intervenientes está a guerra sino-indiana de 1962, um conflito que teve origem numa disputa fronteiriça – e que a China acabou por vencer. Em Pequim, dirigentes e órgãos de propaganda não se esqueceram de “recordar” os erros de cálculo feitos pelos líderes indianos na altura. Mais de meio século depois, os dois países são hoje completamente diferentes e poucos se atrevem a arriscar prever a eclosão de um conflito armado entre duas potências nucleares.

Desde 1962, a China e a Índia envolveram-se em disputas semelhantes, mas sempre se conseguiu alcançar algum tipo de acordo, disse recentemente o ex-embaixador indiano em Pequim, Shivshankar Menon, em entrevista ao The Hindu. “Desde os anos 1980 que andamos aos encontrões na periferia que partilhamos, portanto agora precisamos de um novo diálogo estratégico para discutir como resolver estes problemas”, afirmou.

Porém, como diz ao New York Times o investigador do American Foreign Policy Council, Jeff Smith, “as mensagens veiculadas são muito semelhantes” às de 1962. Desde que o impasse em Dokalam se instalou, as redes sociais dos dois países foram inundadas de slogans nacionalistas e de apelo à guerra. Tanto a China como a Índia são hoje governadas por líderes nacionalistas, empenhados em afirmar-se internacionalmente.

Apesar da retórica, há sinais de que a tensão está sob controlo. O comércio entre os dois países – a China é uma das principais parceiras comerciais da Índia – não sofreu qualquer impacto no último mês, por exemplo. Nos próximos dias, uma importante comitiva governamental indiana irá estar em Pequim para uma reunião no âmbito dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e é expectável que se possa discutir o assunto.

“Ninguém está interessado numa guerra, mas ambos os lados vêem as suas reputações em jogo e isso pode dar origem a um impasse prolongado”, diz à BBC o investigador do Centro para a Investigação de Políticas de Nova Deli, Srinath Raghavan.