O que é que os problemas de saúde de JFK dizem sobre a sua vida e morte?

Investigadores analisaram o longo historial clínico do 35.º presidente dos EUA num trabalho que sugere que os graves problemas de saúde, que sempre tentou esconder, podem ter interferido no seu desempenho político. E, quem sabe, até na sua morte.

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John F. Kennedy na Sala Oval com o filho a espreitar por baixo da secretária, numa imagem captada em Outubro de 1963 Reuters/Biblioteca Presidencial John F. Kennedy

A imagem do assassinato de John F. Kennedy, o 35.º Presidente dos Estados Unidos, está na memória de muitos de nós. A 22 de Novembro de 1963, quando seguia no carro presidencial na Praça Dealey, em Dallas, no estado do Texas (nos Estados Unidos), foi morto a tiro por Lee Harvey Oswald, um empregado do armazém Texas School Book Depository, como se veio a saber. São muitas as especulações que envolvem o seu assassinato, mas há algo de que pouco se fala e (para alguns investigadores) podia ter evitado o pior: nesse dia, Kennedy tinha vestido uma cinta para aliviar as dores de costas, o que terá impedido que se inclinasse para a frente após o primeiro tiro, possibilitando assim o disparo fatal no crânio.

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A imagem do assassinato de John F. Kennedy, o 35.º Presidente dos Estados Unidos, está na memória de muitos de nós. A 22 de Novembro de 1963, quando seguia no carro presidencial na Praça Dealey, em Dallas, no estado do Texas (nos Estados Unidos), foi morto a tiro por Lee Harvey Oswald, um empregado do armazém Texas School Book Depository, como se veio a saber. São muitas as especulações que envolvem o seu assassinato, mas há algo de que pouco se fala e (para alguns investigadores) podia ter evitado o pior: nesse dia, Kennedy tinha vestido uma cinta para aliviar as dores de costas, o que terá impedido que se inclinasse para a frente após o primeiro tiro, possibilitando assim o disparo fatal no crânio.

Esta é uma dúvida que surge de novo num artigo publicado esta terça-feira na revista Journal of Neurosurgery: Spine. Mas nem só do “diagnóstico” do seu último dia de vida se faz o artigo, o trabalho realizado por dois médicos da Universidade de Ciências Médicas do Arkansas (nos Estados Unidos) é uma análise global das doenças de John F. Kennedy desde a infância até ao seu último dia de vida, com ênfase para as suas dores de costas. “Esta dor [de costas] afectou-o quase continuamente desde os seus anos de universitário em Harvard até ao dia do seu assassinato”, lê-se no artigo científico. 

Quem olhasse para John F. Kennedy nunca diria que sofria de várias doenças. Jovem, vigoroso e saudável são alguns dos adjectivos que lhe poderiam ser atribuídos quando foi eleito presidente dos Estados Unidos em Novembro de 1960. “Nos encontros televisivos com Richard Nixon, Kennedy parecia extremamente saudável, descontraído, bronzeado e cheio de energia, escreveu o médico e político David Owen no seu livro Na Doença e no Poder – Os Problemas de Saúde dos Grandes Estadistas nos Últimos Cem Anos (na edição portuguesa da Leya/D.Quixote, em 2011). Neste livro, David Owen também percorreu o historial clínico de Kennedy e questiona até que ponto os tratamentos que lhe foram induzidos afectaram a sua actuação política.

Mas antes de David Owen já muitos outros médicos e historiadores tinham analisado o historial de doenças de John F. Kennedy, algo que o presidente tanto tentou esconder durante a sua vida. Um exemplo é do historiador norte-americano Robert Dallek, que em 2002 publicou um relato sobre a saúde do presidente na revista The Atlantic e o livro Uma Vida Inacabada: John F. Kennedy, 1917-1963, em 2003. “Os problemas de saúde ao longo da vida de John F. Kennedy constituem um dos segredos mais bem guardados da história moderna dos EUA, porque se esses problemas fossem revelados enquanto ele estava vivo, as suas ambições presidenciais poderiam ter sido destruídas”, escreveu na The Atlantic.

Agora os dois médicos da Universidade de Ciências Médicas do Arkansas, Justin Dowdy e Glenn Pait, voltaram ao tema. “Providenciamos uma avaliação global dos diagnósticos e tratamentos adjacentes às suas dores de costas e avaliamo-los numa perspectiva moderna”, diz ao PÚBLICO Justin Dowdy. OS autores começaram por analisar o conteúdo na imprensa generalista e depois o da Biblioteca e Museu Presidencial John F. Kennedy, em Boston (nos Estados Unidos), onde lhes foi permitido analisar “historial médico mais restrito”, como raios-x da coluna lombar.

Percorramos então o historial clínico de John F. Kennedy. Nasceu em 1917 e logo aos três anos, o pequeno “Jack”, como também era chamado, teve escarlatina e foi hospitalizado durante dois meses. Aos 13 anos, perdeu muito peso e não crescia. E aos 17 anos esteve hospitalizado durante um mês, porque lhe foi diagnosticada uma colite (inflamação no intestino grosso).

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Presidente norte-americano abraça o seu filho, John F. Kennedy Jr., numa fotografia tirada em Newport, em Setembro de 1963 Reuters/Biblioteca Presidencial John F. Kennedy

Mas isto era apenas o início. As suas dores de costas terão começado quando tinha 20 anos, depois de uma lesão durante um jogo de futebol na Universidade de Harvard. “As dores de costas de John F. Kennedy começaram a ter um papel central na sua saúde daí para frente”, escrevem os autores no artigo.

Contra o convés no Pacífico

Outro dos episódios que pode ter agravado as suas dores foi o acidente no pequeno torpedeiro PT-109. John F. Kennedy não conseguiu logo entrar no serviço militar dos Estados Unidos. “Ele tentou alistar-se no exército mas foi rejeitado devido aos seus problemas de saúde, particularmente pelas suas costas”, referem os autores. Mais tarde, acaba por ser aceite na Marinha, pois o seu pai foi embaixador dos Estados Unidos na Grã-Bretanha. E em 1942 foi declarado apto para o serviço.

Pouco tempo depois tornou-se tenente do PT-109. No Pacífico, o torpedeiro foi abalroado por um contratorpedeiro japonês num estreito entre duas das ilhas Salomão. “O barco foi cortado em dois, matando dois membros da tripulação e deixando outros 11, incluindo o capitão, a nadar durante cinco horas até uma pequena ilha”, lê-se no livro Na Doença e no Poder. Kennedy terá sido atirado contra o convés e mais tarde deu a entender que muitas das suas dores resultaram desse acidente.  

Estes dois acidentes foram as principais causas das suas dores de costas? “Podem ter tido um contributo importante, sobretudo na fase inicial, mas pelo que sabemos dos seus registos médicos a causa da incapacidade a longo prazo foi multifactorial”, responde Bruno Santiago, neurocirurgião do Hospital CUF Infante Santo. “As dificuldades em estabelecer um diagnóstico exacto com os meios disponíveis nos anos 50, que ainda não beneficiavam dos avanços tecnológicos e de tratamento que hoje dispomos, tiveram também a sua responsabilidade.”

O historial de fraca saúde de Kennedy inclui ainda muitas dores de estômago. Em Novembro de 1943 foi-lhe diagnosticada uma úlcera do duodeno. E de acordo com Na Doença e no Poder, entre 1945 e 1947 teve várias dores de estômago e sintomas como náuseas, vómitos, febre, fadiga e pele castanho-amarelada. Em 1947, diagnosticaram-lhe a doença de Addison (falha total ou parcial das glândulas supra-renais) e foi hospitalizado em Londres, quando já era congressista pelo décimo primeiro distrito de Massachusetts.

Mas foi por causa das suas dores de costas que foi operado quatro vezes. A primeira cirurgia aconteceu logo em 1944. Depois de ter feito exames em vários hospitais, foi operado no Hospital Baptist de Nova Inglaterra (nos Estados Unidos), onde não lhe foi diagnosticada uma hérnia discal (como se esperava), mas sim uma fibrocartilagem com degeneração e demasiado mole. “Apesar de algumas recomendações para evitar a cirurgia acabou por ser operado, mais no sentido exploratório – uma vez que o diagnóstico não estava estabelecido – do que com uma convicção segura de que o problema seria uma hérnia discal”, começa por dizer Bruno Santiago.

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Em 1958, ainda como Senador do Massachusetts, John F. Kennedy a cumprimentar trabalhadores na rua Reuters/Biblioteca Presidencial John F. Kennedy

A segunda cirurgia realizou-se já quando John F. Kennedy era senador, em Outubro de 1954, no Hospital de Cirurgia Especial, em Nova Iorque. Nessa cirurgia foi-lhe implantada uma placa metálica para estabilizar a sua coluna lombar. Em 1955 volta ao mesmo hospital para retirar a placa de aço e os parafusos devido a uma infecção. O neurocirurgião português diz-nos que foi por “desespero” que Kennedy realizou a segunda cirurgia, mas que esta acabou mesmo por lhe provocar “múltiplas infecções” que só foram resolvidas com uma terceira cirurgia (em 1955) para a extracção do material cirúrgico. “Neste caso, as cirurgias foram um insucesso por não haver exames de imagem detalhados que mostrassem a patologia que provocava a dor”, explica.  

A última cirurgia aconteceu já em Setembro de 1957, quando lhe foi diagnosticado um abcesso superficial na região lombar. “Os anos seguintes foram um período de relativa boa saúde para Kennedy”, referem os autores, que assinalam que em 1958 foi reeleito senador com 73,6% do voto popular.

Dores de costas interferiram na política?

John F. Kennedy acabou por recorrer também a injecções nas costas com analgésicos e metanfetaminas para conseguir suportar as dores, como refere o neurocirurgião português. Há então sobretudo dois nomes a apontar: o da médica Janet Travell e o do médico Max Jacobson. A ligação a Janet Travell começou em 1955, e a técnica da médica consistia em “inundar” os músculos lombares de Kennedy com procaína e novocaína. Ora, a procaína é um substituto sintético da cocaína e actua no sistema nervoso central, o que provoca falta de atenção, cansaço ou alterações de humor. Travell acabou por se tornar na médica principal de Kennedy quando este chega à Casa Branca nos anos 60.

Já o médico Max Jacobson, para muitos o “Dr. Feelgood” (Doutor Sentir-se Bem), era também conhecido por dar “energia extra” a pessoas de sucesso, ambiciosas e ricas. De acordo com os autores do artigo, Kennedy terá recebido o seu primeiro “cocktail de vitaminas”, que incluía derivados da anfetamina no Verão de 1960, durante a sua campanha eleitoral e pouco antes do debate televisivo com Nixon. Os autores sugerem que as injecções de Jacobson possam ter interferido na “performance” de Kennedy na reunião de Viena em 1961 com Nikita Khrushchev (líder soviético entre 1953 e 1964), pois causaram-lhe um estado de exaustão e de flutuações de humor. Já David Owen, em Na Doença e no Poder, especula que também tenha acontecido o mesmo durante a tomada de decisão para a invasão à Baía dos Porcos, uma tentativa falhada de invadir o Sul de Cuba.

A reviravolta no tratamento de John F. Kennedy terá acontecido no final de 1961 com o médico Hans Kraus, que começou a tratar o presidente com massagens e construiu um programa de exercícios e reabilitação na piscina e no ginásio. “Surge uma solução que foi extremamente eficaz e que, nos dias que correm, é a primeira atitude ou recomendação para os doentes com dor nas costas mais prolongada e refractária – o treino activo dos músculos que suportam a coluna e a bacia com fisioterapia. No caso de John F. Kennedy foi feito com natação, elevação de pesos e exercícios de fortalecimento dos músculos e massagens”, explica Bruno Santiago.

Em 1963, o seu estado de saúde melhorou, mas em Novembro desse ano foi assassinado. Nessa altura, John F. Kennedy usava uma cinta. “Tinha uma cinta que hoje não é utilizada, e que unia o tronco às coxas com várias faixas muito bem apertadas”, descreve Bruno Santiago. No dia do assassinato, quando levou o primeiro tiro, a cinta terá impedido que se inclinasse para a frente. Permitiu assim o tiro fatal? Fica a dúvida. “Não temos a certeza se a cinta teve um papel fundamental no dia do assassinato”, considera Justin Dowdy, autor do artigo. “Não sabemos se seria suficientemente rígida para isso, nem se evitaria outra bala no tronco, que também poderia ser fatal”, diz por sua vez Bruno Santiago. “Apesar de ser uma conjectura e de ser impossível sabê-lo, não deixa de ser intrigante o impacto que pequenos pormenores podem ter no curso da história.”

E John F. Kennedy não está sozinho na sua doença. Bruno Santiago avisa que a lombalgia (dor na região lombar) e as patologias da coluna vertebral são a principal incapacidade física e de absentismo laboral nas sociedades modernas, sendo mais frequente entre os 35 e os 55 anos. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, de 2013, cerca de 7 em cada dez pessoas têm episódios de dor lombar ao longo da vida. Em Portugal, segundo o Estudo Epidemiológico de Doenças Reumáticas em Portugal, também de 2013, prevê-se que a lombalgia afecte cerca de 26% da população.

Por todo o seu historial clínico, o neurocirurgião descreve o 35.º Presidente dos Estados Unidos da seguinte forma: “Analisando tudo o que conseguiu atingir, mesmo fisicamente debilitado, era um homem com uma determinação e perseverança ímpares.”