Recapitalização da Caixa: a culpa, afinal, foi da crise

Relatório preliminar da comissão de inquérito à CGD desresponsabiliza sucessivos governos pelas necessidades de capital do banco público. As conclusões, que PSD e CDS não deverão aceitar, apontam erros de análise e conjuntura internacional.

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Carlos Pereira (PS) é o relator da comissão Rui Silva/Aspress

O relatório preliminar da comissão de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) aponta a “dimensão” insuficiente do reforço de capital realizado em 2012, a crise do subprime quatro anos antes e as exigências do Banco Central Europeu (BCE) como principais factores que empurraram o banco público para um novo Plano de Financiamento e Capital no ano passado.

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O relatório preliminar da comissão de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) aponta a “dimensão” insuficiente do reforço de capital realizado em 2012, a crise do subprime quatro anos antes e as exigências do Banco Central Europeu (BCE) como principais factores que empurraram o banco público para um novo Plano de Financiamento e Capital no ano passado.

O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, iliba os sucessivos governos da situação financeira da CGD, pois, de acordo com o relator, “em nenhuma situação” ocorreram declarações na comissão de inquérito, que permitissem concluir da existência de práticas de pressão da tutela para aprovação de crédito, nos períodos em análise (2000-2015).

“Nas questões relacionadas com a alegada necessidade de capital, decorrente das opções de concessão de crédito, os testemunhos recolhidos afastam a ideia de pressões da tutela e estabelecem as explicações para, quanto muito, erros de análise de projecto e de previsão ou à inesperada dimensão da crise económica e financeira que teve início com o subprime em 2008”, lê-se no relatório, que será entregue nesta terça-feira aos partidos que integraram a comissão de inquérito.

O relatório preliminar, elaborada pelo deputado socialista Carlos Pereira, que é o relator da comissão, será agora alvo de análise dos partidos e até ao final da semana poderá sofrer alterações, antes de ser apresentado e submetido a votação final. Certo é que PSD e CDS não deverão aceitar estas leituras, e o relatório deverá apenas ser aprovado pelos partidos que suportam o Governo.

As conclusões ocupam cerca de 80 das 400 páginas do relatório, no qual Carlos Pereira elenca os motivos para que, em 2016, a Caixa necessitasse de uma nova injecção de capital. Foi, no entender dos deputados socialistas, uma "tempestade perfeita" que se abateu sobre o banco público.

À cabeça surge a operação de recapitalização efectuada em 2012, que a comissão de inquérito concluiu que foi “concretizada pelos mínimos”, 900 milhões de euros. Este “erro de análise” aliado à utilização de CoCos (Contingent Convertible Bonds) – um instrumento financeiro utilizado para a recapitalização dos bancos por parte do Estado –, cuja elevada renumeração “não favorece” a reestruturação das entidades bancárias, contribuiu para aumentar as dificuldades da CGD.

Tudo isto num clima financeiro adverso, em que o subprime “transformou-se” em “crise económica e financeira”, aprofundando os incumprimentos. O PS considera também que a política expansionista do BCE, que “levou à redução de juros e queda da margem financeira” do banco e, “não menos importante”, o aprofundamento das exigências do regulador europeu quanto aos rácios de capital colocaram a Caixa na actual situação deficitária.

O relator daquela que foi a mais longa comissão de inquérito – começou a 20 de Junho de 2016, por iniciativa potestativa do PSD e do CDS –, debruça-se também sobre as “complexidades e adversidades” da comissão de inquérito. “Um inquérito parlamentar efectuado a um banco em pleno funcionamento levantou muitas questões que afectaram o andamento dos trabalhos e que conduziu, inclusive, à demissão do seu primeiro presidente”, escreve Carlos Pereira, lembrando ainda a “recusa” de várias instituições como o Ministério das Finanças, o Banco de Portugal (BdP), a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM) e a própria CGD em facultar toda a documentação requerida pelos deputados. Foi, admite, um entrave ao trabalho da comissão, criando dúvidas factuais sobre o impacto da exposição do conteúdo de certos documentos na vida do banco.

Estes entraves, motivaram mesmo uma queixa do Parlamento ao Tribunal da Relação, exigindo que os documentos solicitados pela comissão fossem entregues. Os juízes decidiram duas vezes a favor dos deputados, mas Caixa, CMVM e BdP recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que considerou “admissíveis” as reclamações da comissão de inquérito, que serão agora alvo de análise antes da decisão final.