Republicanos ainda não conseguiram acertar em cheio no Obamacare

A proposta apresentada pelo líder da maioria conservadora no Senado, Mitch McConnell, não convence a facção fundamentalista ligada ao Tea Party, e preocupa os moderados.

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O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, desvendou a sua proposta para revogar o Obamacare Reuters/KEVIN LAMARQUE

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apoiou a proposta para revogar a legislação de saúde conhecida como Obamacare produzida por um grupo restrito de senadores republicanos. Mas a proposta está longe de fazer a unanimidade na bancada conservadora. O homem que disse aos americanos que se iam cansar de tantas vitórias com ele na Casa Branca pode estar prestes a conhecer uma azeda derrota.

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O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apoiou a proposta para revogar a legislação de saúde conhecida como Obamacare produzida por um grupo restrito de senadores republicanos. Mas a proposta está longe de fazer a unanimidade na bancada conservadora. O homem que disse aos americanos que se iam cansar de tantas vitórias com ele na Casa Branca pode estar prestes a conhecer uma azeda derrota.

Durante a campanha, Donald Trump garantiu que assinaria uma nova lei do sistema de saúde que, além de alargar a cobertura e a qualidade das suas apólices, reduziria os custos dos tratamentos e dos prémios que pagam às seguradoras. Mas o processo legislativo está a demonstrar que o Partido Republicano, que combateu desde o primeiro minuto a reforma que foi a principal conquista legislativa da Administração de Barack Obama, afinal não tinha uma alternativa pronta para oferecer aos americanos.

Passar das (duras) palavras aos actos está a revelar-se uma missão verdadeiramente impossível no Congresso. Mesmo sem dispor de uma maioria tão confortável quanto a da Câmara de Representantes, a bancada republicana do Senado teria, em teoria, os votos suficientes para ultrapassar a oposição, em bloco, dos democratas – que já garantiram que das suas fileiras não sairá nem um voto para revogar o Obamacare, que segundo as últimas sondagens merece o apoio de 51% dos americanos.

Mas os senadores republicanos experimentaram as mesmas dificuldades que os seus colegas da Câmara para fazer uma proposta que pudesse ser posta à votação. Na Câmara de Representantes, um primeiro esboço negociado com a Casa Branca nem sequer chegou a plenário, inviabilizado pelos membros do chamado Freedom Caucus, que reúne os eleitos mais ligados ao movimento populista Tea Party. Depois de muita negociação, um segundo esboço, o American Healthcare Act, passou à justa em Maio, com 217 votos a favor e 213 contra.

Irreconciliáveis

Mas a proposta da câmara baixa jamais passaria no Senado, onde a estratégia política e os cálculos eleitorais são consideravelmente diferentes. O líder da maioria republicana, Mitch McConnell, convocou um grupo restrito de negociadores para burilar ideias e oferecer um novo rascunho. Esse trabalho, à porta fechada, resultou no Better Care Reconciliation Act, um documento de 142 páginas apresentado quinta-feira. As objecções e críticas foram imediatas. Às vozes dos especialistas e dos comentadores, juntaram-se muitos senadores do Partido Republicano, com exigências tão irreconciliáveis que se a proposta fosse levada a votação seria chumbada.

Quatro representantes da facção mais fundamentalista do partido, com os mais mediáticos Ted Cruz e Rand Paul à cabeça, denunciaram a proposta como uma versão light do Obamacare: para eles, qualquer coisa que não envolva a destruição completa das fundações em que assenta o sistema montado pelo anterior Presidente não serve.

Mas para os “moderados”, essa já não é uma opção viável, tendo em conta a popularidade de muitos dos elementos da reforma de Obama e os custos políticos demasiado altos de cortar o financiamento e restringir o acesso a seguros de saúde a blocos significativos do eleitorado, principalmente os reformados. “Tenho sérias reservas e muitas preocupações em relação a esta proposta”, dizia este domingo a senadora do Maine, Susan Collins, uma das vozes mais moderadas do partido. As suas dúvidas são partilhadas, “on the record”, por pelo menos mais seis senadores republicanos da facção moderada.

No programa This Week da ABC, Collins disse que o seu voto dependia da avaliação do Gabinete Orçamental do Congresso (CBO, na sigla em inglês), um departamento independente que avalia o impacto da legislação. No caso da proposta da Câmara, o CBO estimou que cerca de 23 milhões de pessoas perderiam os seus seguros de saúde em dez anos, e que os custos das apólices aumentariam 20%. E a receita federal sofreria um rombo de um bilião de dólares (milhão de milhões) com os cortes fiscais previstos, sobretudo para os contribuintes mais ricos.

A proposta de compromisso de Mitch McConnell acaba com algumas das provisões mais polémicas do Obamacare, como a obrigatoriedade de todos os cidadãos comprarem seguro de saúde ou pagarem uma multa. Mas mantém em vigor, ainda que substancialmente reduzidos, os subsídios que permitem que as famílias com menos recursos, ou os cidadãos com mais problemas de saúde, possam ter acesso a cuidados médicos – através do programa Medicaid, ou das chamadas bolsas de seguros.

Antes de 4 de Julho

O senador do Nevada, Dean Heller, não esperou pela avaliação do CBO para anunciar o seu voto contra, alegando que muitos milhares de residentes do seu estado vão ficar de fora do sistema. Mais de 200 mil pessoas ganharam acesso a cuidados médicos com o alargamento do programa Medicaid no Nevada, que nas presidenciais de 2016 deu a vitória à democrata Hillary Clinton. Heller, candidato à reeleição no próximo ano, é um de vários senadores em risco de abandonar Washington em função do seu voto.

Para tornar a proposta mais atractiva, o líder dos republicanos no Senado incluiu algumas provisões populares para os conservadores, como por exemplo o fim do financiamento à Planned Parenthood, a organização de planeamento familiar que distribui contraceptivos e faculta serviços de interrupção da gravidez.

O objectivo de McConnell é conseguir agendar a votação já esta semana, antes do feriado de 4 de Julho que assinala a Independência dos Estados Unidos. Mas isso pode não ser possível. “Parece-me evidente que não devemos forçar uma votação esta semana. Não temos informação suficiente. Nem temos o feedback dos nossos constituintes, que não tiveram tempo para avaliar o que a liderança do Senado propõe”, afirmou o senador Ron Johnson, do Wisconsin, no programa Meet the Press.

McConnell discorda. “Haverá muito tempo para analisar, discutir e melhorar o primeiro rascunho, antes de se levar a proposta a votação em plenário. E todos os senadores terão oportunidade para o fazer”, prometeu. Mais optimista ainda, o Presidente Donald Trump garantiu à Fox News que “já não falta muito” para acabar com a lei que leva o nome do seu antecessor na Casa Branca. “Estamos na recta final, muito perto de chegar à meta”, declarou.

Questionado sobre as semelhanças da versão do Senado com a proposta da Câmara que considerou “malvada”, e sobre as reticências dos membros do seu próprio partido, o Presidente disse que tinha pedido uma lei “com coração” e que foi isso que foi apresentado. “É impossível que todos fiquem contentes, mas temos um plano que é muito bom e que os senadores que estão interessados em marcar pontos ainda vão poder melhorar. Aliás, vão ter de o fazer, porque a alternativa é a carcaça morta do Obamacare”, comparou.