Coimbra devoluta, ou a cidade como pele de leopardo

Derivas: Coimbra passa pelo centro de uma cidade desconhecida. Até domingo, o espectáculo-percurso da Circolando vai da Baixa à Alta para ocupar os espaços vazios.

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Lugares abandonados, devolutos, degradados. As ilhas vazias de gente que se formam no meio da malha urbana quando as pessoas abandonam os sítios. A Circolando está em Coimbra para preencher esses espaços, ainda que provisoriamente, com Derivas: Coimbra, espectáculo-percurso que percorre as ruas da cidade até este domingo.

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Lugares abandonados, devolutos, degradados. As ilhas vazias de gente que se formam no meio da malha urbana quando as pessoas abandonam os sítios. A Circolando está em Coimbra para preencher esses espaços, ainda que provisoriamente, com Derivas: Coimbra, espectáculo-percurso que percorre as ruas da cidade até este domingo.

Não há uma pretensão de maquilhar os lugares com cenografia. Aqueles espaços – edifícios, salas, terrenos – são o que são desde o abandono, com vegetação selvagem, dejectos de pássaro, paredes de tinta gasta, teias de aranha, vidros partidos. E é isso que o público também verá nos sete pontos que vai percorrer entre a Baixa e Alta. “Crueza. Uma estética de simplicidade”, resume André Braga, que juntamente com Cláudia Figueiredo assume a direcção artística do espectáculo.

Uma urbe é interrompida e retomada à medida que cresce e se desenvolve. O director artístico recorre a uma metáfora do arquitecto italiano Francesco Careri, para quem a cidade é uma espécie de pele de leopardo, que vai criando manchas vazias enquanto se expande. Os espaços escolhidos reflectem essa ideia de vazio no meio da ocupação e o trajecto propõe transpor os muros que isolam o “espaço que não é público”.

“Há uma fase inicial de percorrer a cidade, de nos perdermos na cidade e andar à deriva, à procura de lugares inesperados." Aqui o espectador é chamado a assumir um papel de flâneur, embora mais atento do que ocioso. “Queremos que as pessoas façam uma viagem."

O circuito tem o seu primeiro ponto no Largo do Romal, na Baixa da cidade. Depois de divido em sete grupos, o público passa por sítios como a antiga loja Turíbio, um velho campo de futebol perto da Torre do Anto ou um andar devoluto num prédio do Pátio da Inquisição. O percurso acaba na Rua Velha, também na Baixa.

Lojas que já foram igrejas

Se a cidade é como uma pele, então também tem camadas. Derivas: Coimbra pega nessa ideia de história e de passagem do tempo de cada lugar. Estas camadas estão à vista, exemplifica André Braga, em lojas de automóveis que já foram igrejas. Cada passagem por um local é construída com elementos da sua história, através da recolha de depoimentos. Histórias que oscilam entre o bem e o mal, a verdade e a mentira, a Baixa e a Alta. O horário acrescenta uma dicotomia: começa de dia e acaba de noite.

É um espectáculo-percurso, à semelhança do que a Circolando tem vindo a fazer no Porto, com o ciclo Espírito do Lugar. Mas a Norte há uma diferença: a companhia trabalha na periferia e não no centro, como acontece em Coimbra. Por isso aqui o itinerário “não é tão perdido quanto isso”, rasga prédios e procura novos caminhos na cidade.

Desde que começou a sair das salas, “a procurar outros cenários, outros espaços, e a ir ao encontro das pessoas”, a companhia manifesta uma vontade de não se acomodar num lugar. O mesmo é aplicável às linguagens utilizadas: uma mistura de teatro, novo circo e artes performativas. A Circolando encontrou na aparente decadência da cidade o seu espaço. Ir ao encontro dos edifícios devolutos e das pessoas que os orbitam “também é uma questão política”, sublinha André Braga.

A selecção dos pontos de passagem de Derivas passou por esse encontro com habitantes, mas teve igualmente uma componente algo fortuita. “Foram dez dias a passear, a entrar em becos, a bater a portas”, conta.

O espectáculo, uma co-criação da Circolando com o Convento São Francisco, estreia esta quarta-feira e percorre as ruas de Coimbra até domingo, dia 18, com excepção de sábado. Derivas conta ainda com a participação especial do grupo Segue-me à Capela, do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra e de BØDE.