Mesmo perante a violência islamista, Duterte não resiste a uma piada sobre violação

Presidente das Filipinas explica aos militares o que podem fazer durante a lei marcial, no combate à insurreição islamista no Sul do país: "Se tiverem violado três mulheres, cumpro a sentença. Mas se se casarem com quatro, levam porrada."

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Um pequeno grupo de combatentes que se dizem leais aos extremistas do Daesh continua a lutar pelo controlo da cidade de Marawi, numa região das Filipinas de maioria muçulmana. Desde que a ofensiva foi lançada, na terça-feira da semana passada, já morreram 97 pessoas, entre as quais 19 civis, e quase 200 mil foram obrigadas a sair da cidade.

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Um pequeno grupo de combatentes que se dizem leais aos extremistas do Daesh continua a lutar pelo controlo da cidade de Marawi, numa região das Filipinas de maioria muçulmana. Desde que a ofensiva foi lançada, na terça-feira da semana passada, já morreram 97 pessoas, entre as quais 19 civis, e quase 200 mil foram obrigadas a sair da cidade.

A resposta do Exército filipino foi imediata, mas está a ser dificultada pela presença de civis nesta cidade e a ser olhada com apreensão por organizações de defesa dos direitos humanos: o Presidente, Rodrigo Duterte, instaurou a lei marcial, diz que não lhe interessa a opinião do Congresso e voltou a desviar as atenções do essencial com o seu controverso sentido de humor. 

Os primeiros tiros foram disparados há quase uma semana por elementos do grupo islamista filipino Maute, em conjunto com o mais conhecido Abu Sayyaf – o grupo extremista responsável por vários sequestros e execuções de cidadãos filipinos e estrangeiros há mais de uma década.

Tal como quase tudo o que se passa por estes dias em Marawi, não é claro o que fez acordar esta insurreição islamista – ou uma operação falhada do Exército e da polícia para capturar o líder do grupo Abu Sayyaf, Isnilon Hapilon, ou uma operação planeada pelos extremistas e que apanhou as autoridades de surpresa. O que parece certo, segundo os relatos de habitantes citados por agências internacionais, é que Hapilon estava em Marawi na terça-feira passada com dezenas de combatentes do seu grupo para falar com o líder de um outro grupo extremista, o Maute, que tem algumas centenas de combatentes.

Marawi é a capital da província de Lanau do Sul, que fica na ilha de Mindanau. Apesar de a maioria das Filipinas ser católica, grande parte desta ilha é de maioria muçulmana – e os confrontos da última semana são surpreendentes porque os maiores grupos islâmicos que em tempos lutaram pela independência acabaram por abandonar essa luta e vivem agora em paz e com grande autonomia na região. Em Marawi vivem pouco mais de 200 mil pessoas, 99% das quais muçulmanas, em respeito pela sharia (a lei islâmica) – com todas as obrigações mas sem as punições violentas que organizações extremistas como o Daesh aplicam nos territórios conquistados em países como a Síria e o Iraque.

Vídeos e fotografias partilhados em redes sociais como o Twitter e o Facebook por habitantes de Marawi que ficaram para trás mostram grupos de homens armados a patrulharem algumas ruas da cidade, vestidos de negro e a abrirem caminho com um veículo blindado com a bandeira do Estado Islâmico presa na grelha frontal. Este domingo foram também partilhadas imagens dos corpos de oito homens alinhados na beira de uma estrada, com as mãos atadas, buracos de bala na cabeça e cartões colocados ao pescoço pintados com a palavra "traidores" – as autoridades civis locais dizem que foram executados pelos extremistas do Maute e do Abu Sayyaf quando tentavam sair da cidade num camião. Não terão conseguido recitar versículos do Corão e foram executados, segundo as autoridades filipinas.

O objectivo dos extremistas também é pouco claro – de acordo com as próprias autoridades não chegavam a meio milhar no início dos confrontos, e as suas possibilidades de sucesso seriam sempre muito limitadas. A versão mais consensual para os analistas é que o Abu Sayyaf e o Maute estão num processo de união, depois de ambos os grupos terem jurado lealdade ao líder do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi – no ano passado, Isnilon Hapilon foi nomeado líder do autoproclamado Estado Islâmico nas Filipinas. Com a acção desta semana, os islamistas radicais esperam estabelecer-se definitivamente como os representantes do Daesh nas Filipinas, aproveitando também o regresso ao país de muitos jihadistas que tinham partido para lutar na Síria e no Iraque.

Ainda não é clara a dimensão da insurreição islamista no Sul das Filipinas, mas o Presidente, Rodrigo Duterte, já instaurou a lei marcial em toda a ilha de Mindanau. De acordo com a Constituição (aprovada depois do fim da ditadura de Ferdinando Marcos, em 1986), o Congresso tem de ratificar a instauração da lei marcial e aprovar a sua renovação ao fim de dois meses – o Congresso vai ser consultado esta segunda-feira e deverá aprovar a decisão do Presidente, mas Duterte já disse que nada o fará recuar, nem mesmo os membros da Câmara dos Representantes e do Senado.

Este fim-de-semana, no mesmo discurso em que pôs em causa a legitimidade do Congresso, o Presidente filipino voltou a recorrer ao seu muito controverso sentido de humor, e foi criticado por organizações como a Human Rights Watch.

"Irei para a prisão por vocês. Se tiverem violado três mulheres, cumpro a sentença. Mas se se casarem com quatro, levam porrada", disse o Presidente das Filipinas quando explicava aos militares o que podiam ou não podiam fazer enquanto vigorar a lei marcial. A Humans Right Watch mostrou-se preocupada com a mensagem que pode passar para alguns militares e também para os grupos de vigilantes que costumam formar-se nas Filipinas para ajudarem em operações como o sangrento combate ao tráfico de droga.

A juntar a esta "piada de caserna" – como lhe chamou o porta-voz do Governo filipino –, há também a confusão gerada pelas diferentes interpretações da lei marcial. Enquanto o Presidente diz que os militares podem interrogar, deter e prender sem precisarem de autorizações das instituições civis, vários constitucionalistas já vieram dizer que a Constituição do país limita o poder militar precisamente por causa da ditadura de Marcos.