PJ já sabe quem são os dois homens que vandalizaram gravura no Côa

Gravura com mais de dez mil anos foi irremediavelmente danificada a 25 de Abril último. Polícia já identificou os autores deste crime contra o património, que confessaram.

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O "Homem de Piscos" é a mais emblemática representação antropomórfica daquelas que foram identificadas no Vale do Côa dr

A Polícia Judiciária (PJ) da Guarda já identificou os dois homens responsáveis pelo acto de vandalismo que danificou de forma irremediável uma das mais singulares rochas gravadas do Parque Arqueológico do Vale do Côa, património mundial desde 1998.

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A Polícia Judiciária (PJ) da Guarda já identificou os dois homens responsáveis pelo acto de vandalismo que danificou de forma irremediável uma das mais singulares rochas gravadas do Parque Arqueológico do Vale do Côa, património mundial desde 1998.

Os suspeitos deste crime contra o património terão recorrido a um fragmento de xisto para escrever e desenhar sobre a gravura com dez mil anos conhecida como “Homem de Piscos”, rara representação de uma figura humana do Paleolítico.

Segundo um comunicado do Departamento de Investigação Criminal da Guarda que chegou às redacções ao início da tarde desta quarta-feira, a rocha foi vandalizada a 25 de Abril e os homens agora identificados — o documento não menciona nomes — pertencerão a um grupo de ciclistas que passeava no local. "Constituídos arguidos e interrogados nessa qualidade, os suspeitos confessaram a autoria dos referidos desenhos e inscrição legendária, os quais, segundo parecer técnico especializado, terão danificado, de forma irremediável, aquele mencionado património mundial", lê-se na pequena nota da PJ.

José Monteiro, coordenador superior da Polícia Judiciária da Guarda, disse ao PÚBLICO que os dois suspeitos admitiram ter gravado a rocha, mas "negaram qualquer intenção dolosa": "Ambos disseram que não se aperceberam de que estavam a fazer inscrições e desenhos sobre outras gravuras." No entanto, há que referir, sublinha, "quem é minimamente informado e anda por aquela região sabe que pode tropeçar nelas".

Diz o director da PJ da Guarda que, estando praticamente terminada a fase de investigação, caberá em breve ao Ministério Público decidir se vai acusar os dois suspeitos e, em caso afirmativo, em que modalidade. "O Ministério Público vai decidir de que serão acusados depois de avaliar se houve uma intenção directa de estragar [aquele património milenar] ou uma violação grosseira do dever de não estragar."

Se forem acusados de dano qualificado e não de negligência grosseira, os dois homens incorrem numa pena de prisão que pode ir dos dois aos oito anos, acrescenta José Monteiro. Os dois suspeitos não têm antecedentes criminais e são de Torre de Moncorvo, distrito de Bragança.

Tendo em conta a vasta área do parque e a dispersão das gravuras tantas vezes difíceis de identificar por dezenas de rochas, o director da PJ da Guarda defende que a melhor arma para a protecção deste património é a sensibilização. "É impossível ao parque assegurar a vigilância permanente de 38 locais." Acima de tudo, continua, é preciso que as pessoas percebam a importância do que ali está e que, na dúvida, se abstenham de fazer qualquer tipo de gravações em rochas ao ar livre naquela região.

Um homem "emblemático"

A gravura do "Homem de Piscos", disse ao PÚBLICO a 28 de Abril o director do parque arqueológico, António Martinho Baptista, "é a mais emblemática representação antropomórfica daquelas que foram identificadas no Vale do Côa". Mostra um homem com um falo erecto representado em plena ejaculação.

Os danos nela inflingidos — os suspeitos gravaram neste painel de rocha do sítio da Ribeira de Piscos uma bicicleta, um humano esquemático e a palavra "BIK" — "são irreversíveis" e só poderão ser atenuados pela "patine do tempo", acrescentou à data Martinho Baptista.

O atentado contra o património deste verdadeiro museu da arte paleolítica a céu aberto — recorde-se que  esta componente de ar-livre foi decisiva para que o Côa recebesse o selo de património da humanidade, da UNESCO (Organização das Nacções Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, na sigla em inglês) — mereceu duras críticas à gestão do parque e ao próprio Ministério da Cultura. O desinvestimento de que foi alvo nos últimos anos e o número insuficiente de vigilantes foram dois dos aspectos salientados.

A Associação dos Arqueólogos Portugueses criticou também o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, pela escolha de Bruno Navarro para presidir à Fundação Côa Parque, que gere o parque e o museu do Côa desde 2011.

Castro Mendes deverá ser ouvido sobre a situação no Vale do Côa na comissão parlamentar de Cultura, em Junho.