Aqui ainda há bilhares. É o Salão de Chá Aviz, aberto há 70 anos

É um dos cafés históricos do Porto que se adaptou à animação nocturna portuense sem perder a identidade. Alteração dos valores da renda pode pôr em causa a continuidade do estabelecimento.

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Taco apontado para a bola branca a mirar um dos buracos do bilhar, José Mateus, tem o jogo praticamente ganho. Joga às grandes e faltam três tacadas até chegar à preta. Está controlado. O parceiro de equipa está confiante. Tacada dada, não dá a força certa e a bola fica à porta. Vitória garantida para os adversários. Perde a esperança. No entanto, há uma reviravolta. O adversário não aproveita o jogo “dado” e o colega de equipa de José acaba com a partida. Triângulo na mesa, agrupam-se as bolas e está preparado mais um jogo no piso inferior do Salão de Chá Aviz, há setenta anos na rua do Mestre, que no topónimo está escrito com um S no sítio do Z.

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Taco apontado para a bola branca a mirar um dos buracos do bilhar, José Mateus, tem o jogo praticamente ganho. Joga às grandes e faltam três tacadas até chegar à preta. Está controlado. O parceiro de equipa está confiante. Tacada dada, não dá a força certa e a bola fica à porta. Vitória garantida para os adversários. Perde a esperança. No entanto, há uma reviravolta. O adversário não aproveita o jogo “dado” e o colega de equipa de José acaba com a partida. Triângulo na mesa, agrupam-se as bolas e está preparado mais um jogo no piso inferior do Salão de Chá Aviz, há setenta anos na rua do Mestre, que no topónimo está escrito com um S no sítio do Z.

Quem frequenta o piso de cima do Aviz, pode não se aperceber da existência do salão de bilhares no piso de baixo. Há dez mesas, todas ocupadas, a meio da tarde em que lá passamos. É um dos poucos cafés que ainda tem bilhares na zona da Baixa portuense. Quem lá joga são clientes antigos e outros que vieram de outros sítios que entretanto foram fechando ou deixaram de ter mesas de bilhar.

José Mateus joga desde os 12 anos. Actualmente tem 66. Jogava no Embaixador, na rua Sampaio Bruno, depois no Sá da Bandeira. Agora passa de tarde no Aviz, “onde ainda resiste o snooker”. As caras são quase sempre as mesmas, diz. “Dá-se umas tacadas e duas de letra com os camaradas”, como conta. No piso inferior, onde estão os bilhares, ouve-se o burburinho da conversa e o som das tacadas. Joga-se por desporto, mas tem que haver um factor motivacional extra. Chamam-lhe o “cristo”. Quem perde põe 50 cêntimos na mesa. Ninguém sai de lá com o dinheiro: “É para abater na conta final”.

Domingos Gomes prepara-se para iniciar o jogo noutra mesa. Está à espera que o que está a decorrer termine. Jogava no Batalha, que frequentou durante 15 anos, no Garça Real e também no Sá da Bandeira. Não conhece outro na Baixa. É para ali que vão os “antigos” do bilhar, nem todos para jogar. Há quem só apareça para “bater palmas”.

É o caso de Joaquim Almeida naquela dia. Tem mais dois anos do que o Aviz e passa por lá desde que se lembra de andar pelas ruas do Porto. É cliente regular do café, onde também costuma jogar. Já lá esteve para o bilhar no dia anterior: “Hoje estou em estágio”. Viu a cidade a crescer, muitas vezes a partir do Aviz, onde ainda diz assistir às “mudanças dos tempos”. Este café diz ser um espaço comunitário, mais popular e com a porta aberta a todos. Passa mais tempo no piso de baixo, onde já existe uma cumplicidade entre quem frequenta o espaço: “Aqui não é preciso seguranças, Quem não vem por bem, nós próprios chamamos à atenção”, embora não aconteça muitas vezes por ser um espaço “tranquilo”, afirma.

Esteve a servir em Ultramar durante “4 anos e 210 dias”. Contou-os a todos. Ao Aviz levou as primeiras namoradas, na altura para conversar. Há dois sítios onde vai com mais frequência: ao salão de chá e ao Júlio Dinis, uma danceteria onde se dança “ a sério” e onde diz já ter ganho um prémio com um bolero.     

No piso de cima, os funcionários dividem-se entre as mesas do interior e da esplanada, virada para a livraria Moreira da Costa, o mais antigo alfarrabista do Porto, fundado em 1902. Das mesas do exterior vê-se passar quem trabalha nas imediações e turistas de mapa na mão que escolhem a direcção a seguir. Dali podem seguir pela rua da Fábrica ou escolher a rua de Ceuta, cidade conquistada sob o comando do Mestre de Aviz, ou a Praça D. Filipa de Lencastre, que foi casada com o mesmo, também conhecido por D. João I. Alguns ficam na esplanada.

No interior, durante a tarde, estão, sobretudo, clientes mais antigos, que de acordo com um dos sócios do espaço, Paulo Almeida, são clientes “fiéis” que aparecem àquela hora do dia. No entanto, durante o dia o público renova-se e “o ambiente” vai mudando à medida que as horas passam. À noite o espaço é frequentado principalmente por jovens que se transferiram para aquela zona da cidade quando a animação nocturna se transferiu para a Baixa. “Quase que parece São João todos os fins-de-semana”, diz.  

A actual gerência está lá desde 1998. “Infelizmente”, pouco se sabe da história do salão de chá. Não há muitos registos, dizem-nos. Não sabem em que dia ou em que mês abriu, mas dizem-nos que foi na sequência da abertura da rua de Ceuta, em 1947. Ali perto havia outros cafés, “com mais glamour”, que ainda estão abertos, como é o caso do Majestic ou do Guarany ou do Imperial, que agora é um restaurante de fast food. De acordo com Paulo Almeida, este espaço, apesar de conservar o “ar antigo”, nunca foi “tão pomposo”. Imagem de marca é o conjunto de azulejos com a figura do Mestre de Aviz, numa das paredes do café, e uma réplica da estátua da Menina de Bronze.

Era um local frequentado na época por advogados, políticos e por estudantes, sobretudo nos anos 60 e 70 do século passado, como comprovam as placas comemorativas cravadas nas paredes. Foi também sítio que as mulheres começaram a frequentar sozinhas. Nos anos 90 alguns músicos paravam no Aviz, assim como alguns actores que se apresentavam no Sá da Bandeira ou no Rivoli, não muito longe dali. De resto, afirma que isso ainda continua a acontecer.

Com a transferência das faculdades para zonas mais periféricas da cidade, nos anos 80 e 90, o negócio terá, segundo o gerente, começado a decair. Paulo, que trocou a radiologia por este negócio, conta que se recorda, já debaixo da sua gerência, de durante a noite não se ver ninguém na rua.

Há cerca de 10 anos, com o movimento iniciado na zona do café Piolho e nas ruas Galeria de Paris e Cândido dos Reis, “o negócio foi melhorando”. Hoje, diz, “é um café transversal que apanha várias gerações”. 

Negociar a renda para garantir continuidade

Não é por isso que as contas do café estão mais folgadas. Para que o café continue de portas abertas a renda terá que continuar não muito longe do valor actual. De acordo com a lei do arrendamento, após um período de transição previsto na lei em vigor, que recentemente passou de cinco para oito anos, o senhorio poderá denunciar o contrato, alterando o valor do arrendamento. Em vigor desde 2012, o Novo Regime do Arrendamento Urbano estabeleceu que as rendas anteriores a 1990 seriam actualizadas, permitindo o aumento das rendas mais antigas através de um processo de negociação entre senhorio e inquilino. Segundo Paulo Almeida, os valores do arrendamento actual, que podem subir para “cinco vezes mais”, estão actualmente a ser negociados com o senhorio. Até lá, o gerente tem a esperança que esta questão seja resolvida se o estabelecimento for classificado como protegido, no âmbito do projecto de lei socialista aprovado na Assembleia da República, no ano passado, que prevê excepções na lei do arrendamento para lojas históricas e entidades com interesse histórico e cultural.

Entretanto, esta gerência diz continuar a trabalhar em estratégias para manter o espaço actual. De acordo com o livro Rota dos Cafés Históricos de Portugal, de Vítor Marques, editado pela Caleidoscópio, assim como era comum noutros cafés, havia um engraxador a tempo inteiro no Aviz, que trabalhou ainda com actual gerência, mas por questões de saúde, desde o final dos anos 90, já lá não está. Neste caso, uma das estratégias poderia passar também por um regresso ao passado: “Quem sabe se um dia não voltamos a ter um engraxador no café”.