A orquestra de ruídos de Luigi Russolo aterra no Maria Matos

Mais de cem anos depois daquela que foi uma visão futurista, Luciano Chessa retoma o projecto, agora com novas composições de Blixa Bargeld, Mike Patton ou Pauline Oliveros.

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Luciano Chessa era criança ainda quando, nos anos 80, os pais lhe compraram uma luxuosa colecção da Mondadori/Deutsche Grammophon, La Grande Musica, composta por dez caixas, cada uma contendo quatro LP. Tratava-se de uma História exaustiva da música ocidental, desde a medieval à contemporânea, um essencial tronco comum que lhe permitiria compreender e encaixar a restante música à sua volta. No livro que acompanhava o último volume, Chessa viu pela primeira vez a reprodução de uma partitura escrita em 1913 por Luigi Russolo (Risveglio di Una Città). “Esse fragmento era fascinante, misterioso”, recorda em entrevista ao PÚBLICO. “A música não tinha sido composta para violinos, flautas ou trombones, mas exclusivamente para os instrumentos da primeira orquestra de Russolo: 16 intonarumori, para ser preciso. Embora o fragmento de Russolo estivesse reproduzido no livro, fiquei desiludido quando descobri que a gravação da peça não estava incluída na caixa de quatro LP.”

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Luciano Chessa era criança ainda quando, nos anos 80, os pais lhe compraram uma luxuosa colecção da Mondadori/Deutsche Grammophon, La Grande Musica, composta por dez caixas, cada uma contendo quatro LP. Tratava-se de uma História exaustiva da música ocidental, desde a medieval à contemporânea, um essencial tronco comum que lhe permitiria compreender e encaixar a restante música à sua volta. No livro que acompanhava o último volume, Chessa viu pela primeira vez a reprodução de uma partitura escrita em 1913 por Luigi Russolo (Risveglio di Una Città). “Esse fragmento era fascinante, misterioso”, recorda em entrevista ao PÚBLICO. “A música não tinha sido composta para violinos, flautas ou trombones, mas exclusivamente para os instrumentos da primeira orquestra de Russolo: 16 intonarumori, para ser preciso. Embora o fragmento de Russolo estivesse reproduzido no livro, fiquei desiludido quando descobri que a gravação da peça não estava incluída na caixa de quatro LP.”

Na altura, Luciano desconhecia ainda que uma gravação fiel daquela música teria sido impossível, devido ao desaparecimento total dos intonarumori (explicação já a seguir) durante a Segunda Guerra Mundial. Só que o fascínio que aquela partitura enigmática lhe despertou foi de tal forma intenso que se tornou no grande interesse da sua vida futura.

Os intonarumori foram criados e fabricados pelo artista futurista italiano Luigi Russolo entre 1910 e 1930 tendo em vista a criação de uma orquestra que incorporasse os sons mecânicos que se tinham tornado omnipresentes nos cenários urbanos. O encontro de Luciano com essa música estranha produzida por tão bizarros instrumentos poderia não ter resistido ao primeiro contacto. Acontece que a descoberta da partitura coincidiu com as suas aulas de piano com a pianista e compositora (Gisella Frontero), que havia de familiarizar o jovem músico com as ideias e as concepções estéticas de John Cage, o que o preparava para lidar com qualquer música menos atinada com as convenções.

A orquestra de intonarumori que Luciano reconstituiu (com enorme dificuldade, devido à pouquíssima informação disponível e ao facto de muita dela se ter perdido para sempre) a partir do que restou das indicações de Russolo apresenta-se esta quinta-feira no Teatro Maria Matos, em Lisboa, num concerto integrado na programação do Projecto P! (evento de celebração dos 100 anos da conferência futurista de Almada Negreiros). Só a formação como medievalista, confessa Luciano, o terá capacitado para atribuir algum sentido aos fragmentos encontrados da ideia de Russolo, permitindo-lhe assim reconstruir os instrumentos, formar a sua própria orquestra e recuperar algum do reportório que tinha sido composto para esta formação peculiar.

Embora saiba que nem os instrumentos que reconstruiu serão exactamente como Russolo os terá imaginado nem as peças que encontrou poderão ser reinterpretadas com fidelidade pela sua orquestra de intonarumori, Luciano Chessa recusa-se a sentir-se "encurralado, chantageado ou feito refém" por estas limitações. “Esta é a minha versão da orquestra do Russolo. Entreguei a minha sensibilidade e a minha criatividade ao projecto e diria que esta reconstrução é provavelmente 75-80% do Russolo e 20-25% minha. Aceito isso.”

Só que Luciano Chessa não se limitou a tentar recuperar o passado. Ao reportório original composto para a orquestra de Russolo, juntou uma série de encomendas a compositores experimentais contemporâneos para a sua orquestra de 16 instrumentos. Entre eles, Pauline Oliveros, Elliott Sharp, Blixa Bargeld ou Mike Patton. Blixa, descreve Chessa, “compôs uma peça tal como um compositor clássico como Mendelssohn teria feito”, Mike Patton gravou os intonarumori e criou uma peça digital a partir desses registos, Pauline enviou-lhe “uma partitura verbal”, exemplifica.

Todas essas peças estão incluídas no álbum Orchestra of Futurist Noise Intoners, que lançou em 2013. Algumas delas (de um reportório que não tem parado de crescer, graças às encomendas de Luciano Chessa) apresentam-se esta quinta-feira na sala lisboeta, com os intonarumori a serem interpretados sob a direcção de Luciano por um grupo de músicos portugueses dados à experimentação em que se incluem Bruno Silva, Joana Gama, Joana Guerra, Joaquim Albergaria, Luís Lopes, Pedro Sousa, Ricardo Jacinto, Shela, Travassos ou Maria Radich.