Quando depois do parto não fica só uma história bonita para contar

Os médicos ressalvam que as sequelas graves após um parto são raras. Mas, por vezes, quando nasce um bebé, nascem também problemas de saúde para as mães. Catarina Macedo Ferreira, Isa Gonçalves e Joana Rodrigues partilham três experiências diferentes.

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Catarina Macedo Ferreira, 30 anos, conversa descontraidamente enquanto dá bolachas à pequena Graça, de um ano. É a quarta filha da fotógrafa e — provavelmente — a última. O sorriso de Catarina ilumina-se sempre que fala da Graça, do Sebastião, do Xavier ou da Leonor. No entanto, admite que talvez tenha chegado a altura de “fechar a loja” e tratar de si. As várias gravidezes, que resultaram num parto normal e em três cesarianas, trouxeram marcas que foi deixando arrastar.

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Catarina Macedo Ferreira, 30 anos, conversa descontraidamente enquanto dá bolachas à pequena Graça, de um ano. É a quarta filha da fotógrafa e — provavelmente — a última. O sorriso de Catarina ilumina-se sempre que fala da Graça, do Sebastião, do Xavier ou da Leonor. No entanto, admite que talvez tenha chegado a altura de “fechar a loja” e tratar de si. As várias gravidezes, que resultaram num parto normal e em três cesarianas, trouxeram marcas que foi deixando arrastar.

Os músculos abdominais ficaram muito afastados e tem aquilo a que se chama uma “grande diástase”. O peso das gravidezes e a pouca força abdominal trouxeram outro problema que afecta também a actividade profissional: incontinência urinária. “Gosto imenso de estar grávida e de ter bebés, mas sinto que chegámos a um bom equilíbrio e que preciso de tratar de mim. Estou num processo para fazer uma [cirurgia chamada] abdominoplastia.”

O gosto de Catarina pela fotografia acentuou-se quando começou a fotografar os filhos e a partilhar o resultado no seu blogue, Ties, juntando relatos de alguns episódios da família. A experiência acabou por se tornar profissional, mas o blogue não perdeu o lado pessoal. Foi lá que partilhou algumas das marcas que as gravidezes tinham deixado e as tentativas que fez para reverter o problema com ginástica especializada e fisioterapia. “Quando em 2009 nasceu a Leonor, a minha primeira filha, eu tinha apenas 22 anos e não havia tanta comunidade online. Não fiz curso de preparação para o parto nem recuperação acompanhada.”

Foi só no segundo filho, Xavier, agora com seis anos, que sentiu que algo não estava bem. Começaram as perdas de urina. “Por estranho que pareça, o que sentia eram dores nas costas, porque não tenho força abdominal. Os músculos afastaram-se e tenho uma diástase (espaço entre os retos abdominais) de quatro dedos. Mas sempre associei as dores a andar muito com eles ao colo e é tão bom ter filhos que nem pensamos no resto.”

Depois de nascer Sebastião, hoje com três anos, fez uma avaliação e começou o trabalho para reduzir a diástase, mas com a nova gravidez agravou-se tudo e agora percebeu que o caminho terá mesmo de ser cirúrgico, até porque também tem uma hérnia umbilical para tratar.

Diogo Ayres de Campos, obstetra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, explica que “diástases tão exuberantes são raras”. Já a incontinência urinária é a consequência mais comum depois dos partos, sobretudo em partos vaginais em que se utilizaram ventosas ou fórceps. Regra geral, os episódios revertem e menos de 1% das mulheres ficam com problemas a longo prazo.

Ainda assim, o médico reconhece que após o nascimento de um bebé as mulheres “concentram-se na nova dinâmica familiar” e acabam por não conversar com os profissionais de saúde sobre os problemas com que ficam, até porque “relativizam as consequências” de um momento único como é gerar a vida de um filho.

Ao mesmo tempo, não há registos nacionais eficazes sobre estas queixas. É impossível dizer quantas pessoas ficaram com sequelas mais definitivas.

Destaca também casos mais estéticos, como as estrias, e outros relacionados, por exemplo, com hemorróidas ou derrames nas pernas e hérnias. As dores nas cicatrizes são outra queixa.

“Só pensamos no bebé”

Isa Gonçalves tem 30 anos e um filho com um ano. O parto complicou-se e terminou com ventosas. Apesar de ter sido sujeita a um corte (episiotomia) para facilitar a saída do bebé, tal não evitou um rasgão quase até ao ânus, o que obrigou a mais pontos. Algumas semanas depois teve um episódio de uma hemorragia intensa. Falou ao telefone com a médica. Não chegou a ir ao hospital. E a hemorragia repetiu-se. Foi já numa urgência que percebeu que tinha ficado com restos de placenta. Teve de ser anestesiada e de fazer uma raspagem. E recomeçar a recuperação, já que o colo do útero fora de novo aberto.

Apesar de ser enfermeira, foi apenas nas aulas de ginástica durante a gravidez que Isa ouviu falar da importância de trabalhar o períneo (o conjunto de músculos que compõem a zona pélvica). “Mas mesmo tendo ouvido falar, a verdade é que no pós-parto andamos a mil e só pensamos no bebé.” Quando regressou à ginástica de recuperação, marcou uma avaliação do pavimento pélvico com uma fisioterapeuta. Fez um teste e percebeu que tinha perdas de urina. Tem estado a tratá-las com exercícios. Ainda não está totalmente bem: elas persistem quando tosse ou ri muito, por exemplo. “Também fiquei com muitas dores na cicatriz. Cheguei a achar que tinha uma ferida. As relações sexuais foram muito dolorosas, mas com o tempo e massagens próprias foi melhorando.”

“A maioria das mulheres não fica com nada e é bom que se diga isso”, diz Teresa Bombas, obstetra e também presidente da Sociedade Portuguesa da Contracepção. “Mas é sempre muito importante, em qualquer fase da vida, fazerem exercícios de fortalecimento do pavimento pélvico, e há fisioterapia para os casos mais graves.”

Avaliação precisa-se

São casos como os de Catarina ou os de Isa que chegam às consultas de Patrícia Mota, fisioterapeuta especializada em saúde da mulher, no Centro Pré e Pós Parto, em Lisboa. A especialista lamenta que a avaliação após o parto ainda seja muito limitada. E lembra que “os problemas podem ser comuns a muitas mulheres, mas não quer dizer que sejam normais”.

O caso de Joana Rodrigues é diferente, mas ainda não tem um nome para lhe dar. Aos 34 anos, a consultora de comunicação tem três filhos — Madalena, com seis anos, Teresa, com três, e Diogo, com quase quatro meses. Na primeira gravidez teve alguns derrames. Piorou na segunda. “Fiquei com mais derrames e manchas na perna direita e uma veia que se notava mais.”

Sentia dores e cansaço, mas após o parto as marcas diminuíram. “Na última gravidez, já tinha uma vida mais sedentária, e numa viagem de trabalho a conduzir até ao Algarve piorou.” Ficou com mais manchas na perna, a veia voltou a ficar saliente, atingindo uma espessura de mais de um dedo.

“Como estava grávida, não podia fazer uma TAC, que é o que vou fazer agora para confirmar o que tenho. Mas pelo que já sei vou ser operada à zona da barriga, que será a origem do problema, porque há riscos de uma trombose ou de outra complicação venosa. Tenho veias na barriga obstruídas ou dilatadas. Quando o útero cresce, pesa sobre elas e estendem. Mesmo já não estando grávida, ainda tenho dores, é como se a perna pesasse mais.”

Apesar das dores, dos incómodos e de não saberem se alguma vez vão recuperar a saúde, Joana, Isa e Catarina têm um ponto em comum: dizem que quando olham para os filhos “tudo compensa”.